20.12.06

poeminha para amigo oculto

vicário
a. j.

cultíssimo:
gestos aéreos em
encontros carregados
carrêgo diurno – à noite, descarrégo.

do m’être ao sê-lo
lá se vai uma volta
pelo avesso, in-
verso.

plágio: do entorno
condensado
para o centro
em deslocamento-disperso

referências disseminadas
um truque borgiano
(ele não estava lá
mas lá estavam as palavras)
a bota de dante
o peito de beatriz
o rabo de melville
as traças de heidegger
o cavalo de nietzsche
o joão da pedra

philia desdobra queredor
(querer dor?)
ocultado num gesto simples
de mimesis; mim-
ético.

13.12.06

Ah, a classe média...

Do Blog do Paulo Henrique Amorim - Conversa Afiada

"A coordenadora do Observatório do Mercado de Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego, Paula Montagner, disse em entrevista a Paulo Henrique Amorim nesta terça-feira, dia 12, que é errado dizer que a classe média paga a conta do crescimento da classe baixa (clique aqui para ouvir).

Segundo ela, o aumento dos salários mais baixos (até três salários mínimos) não provoca uma perda no rendimento da classe média.

“Eu não acredito que a gente tenha uma leitura tão simplificada. Não é o aumento das classes que ganham até três salários mínimos que provoca essa situação. Tem a ver com o tamanho do crescimento econômico”, disse Paula Montagner.

A economista não concorda que haja perda de poder aquisitivo na classe média. Paula Montagner disse que a média salarial de quem ganhava entre R$ 6,1 mil e R$ 10 mil em 2000 era de R$ 7.726,00 e, em 2005, essa média passou para R$ 7.870,00. Já a média salarial de quem ganhava entre R$ 3 mil e R$ 6,1 mil em 2000 era de R$ 4.207,00. Em 2005, essa média passou para R$ 4,3 mil.

A economista disse que os dados da RAIS (Relação Anual de Informações Sociais) não mostram que o número de ocupados com renda acima de três salários mínimos caiu. “Nos dados da RAIS a gente tem um crescimento para todas as faixas acima de três salários mínimos”, disse Paula Montagner.

Paula Montagner não aceita a tese da consultoria MB Associados e do jornal Folha de S. Paulo de que nessa faixa acima de três salários mínimos houve uma queda de renda real de 46,3% para a faixa acima de três salários mínimos entre 2001 e 2006 (clique aqui).

“Os nossos dados por faixa salarial não mostram isso”, disse Paula. Segundo ela, todos os segmentos intermediários de renda têm variação positiva. Ou seja, não houve perda e sim ganho salarial.
Paula disse também que 75% dos trabalhadores com vínculo formal são isentos do Imposto de Renda.
Segundo ela há um maior Imposto de Renda, principalmente para as faixas com mais altas rendas. Por isso que o Ministério do Trabalho defende um reajuste da tabela do Imposto de Renda, para que haja uma equidade entre a parte mais alta da contribuição aconteça para os salários de mais alto nível."

A entrevista está no link: http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/405001-405500/405283/405283_1.html

12.12.06

11 de setembro de 1973

Palabras Finales del Presidente Salvador Allende en el día 11 de septiembre de 1973

Esta será la última oportunidad en que me puedo dirigir a ustedes. La Fuerza Aérea ha bombardeado las torres de Radio Portales y Radio Corporación. Mis palabras no tienen amargura sino, decepción y serán ellas, el castigo moral para los que han traicionado el juramento que hicieron. Soldados de Chile, comandantes en jefe titulares, el Almirante Merino que se ha autodesignado, más el señor Mendoza, General rastrero, que sólo ayer manifestara su fidelidad y lealtad al gobierno, también se ha denominado Director General de Carabineros.

Ante estos hechos sólo me cabe decirle a los trabajadores: yo no voy a renunciar, colocado en un tránsito histórico pagaré con mi vida la lealtad del pueblo y les digo que tengo la certeza que la semilla que entregáramos a la conciencia, digna, de miles y miles de chilenos, no podrá ser segada definitivamente, tienen la fuerza, podrán avasallarnos, pero no se detienen los procesos sociales, ni con el crimen, ni con la fuerza. La historia es nuestra y la hacen los pueblos.

Trabajadores de mi patria, quiero agradecerles la lealtad que siempre tuvieron, la confianza que depositaron en un hombre que sólo fue intérprete de grandes anhelos de justicia; que empeñó su palabra de que respetaría la Constitución y la ley, y así lo hizo. En este momento definitivo, el último en que yo pueda dirigirme a ustedes, espero que aprovechen la lección. El capital foráneo, el imperialismo, unido a la reacción, creó el clima para que las Fuerzas Armadas, rompieran su tradición: la que les enseñara Schneider y que reafirmara el comandante Araya, víctima del mismo sector social, que hoy estarán en sus casas esperando con mano ajena reconquistar el poder para seguir defendiendo sus granjerías y sus privilegios.

Me dirijo sobre todo a la modesta mujer de nuestra tierra, a la campesina, que creyó en nosotros; a la obrera que trabajó más, a la madre que supo de nuestra preocupación por los niños; me dirijo a los profesionales de la patria, a los profesionales patriotas, a los que hace días estuvieron trabajando contra la sedición auspiciada por los colegios profesionales, colegios de clase para defender también las ventajas que la sociedad capitalista les impuso; me dirijo a la juventud, a aquellas que cantaron, que entregaron su alegría y su espíritu de lucha. Me dirijo al hombre de Chile, al obrero, al campesino, al intelectual, aquellos que serán perseguidos, porque en nuestro país el fascismo ya estuvo hace muchas horas presente, en los atentados terroristas, volando los puentes, cortando las líneas férreas, destruyendo los oleoductos y los gasoductos. Frente al silencio de los que tenían la obligación de proceder... la historia los juzgará. Seguramente Radio Magallanes será acallada y el metal tranquilo de mi voz no llegará a ustedes, no importa, me seguirán oyendo, siempre estaré junto a ustedes, por lo menos mi recuerdo, que fue el de un hombre digno que fue leal a la lealtad de los trabajadores.El pueblo debe defenderse pero no sacrificarse.

El pueblo no debe dejarse arrasar ni acribillar, pero tampoco puede humillarse.

Trabajadores de mi patria. Tengo fe en Chile y en su destino. Superarán otros hombres este momento gris y amargo donde la traición pretende imponerse. Sigan ustedes sabiendo que mucho más temprano que tarde, de nuevo, abrirán las grandes alamedas, por donde pase el hombre libre, para construir una sociedad mejor.

¡Viva Chile! ¡Viva el pueblo! ¡Vivan los trabajadores!

Estas son mis últimas palabras, tengo la certeza de que mi sacrificio no será en vano. Tengo la certeza de que por lo menos, será una lección moral que castigará la felonía, la cobardía y la traición.

Pinochet

Marco Aurélio Weissheimer - Carta Maior

No dia 11 de setembro de 1973, o compositor e cantor Victor Jara foi preso na universidade onde trabalhava, juntamente com cerca de 600 estudantes, e levado para o Estádio Nacional do Chile, em Santiago. Neste mesmo dia, é torturado e assassinado por militares que o retiraram de uma fila de prisioneiros que iam ser transferidos. Dias depois, seu corpo fuzilado, com as mãos amputadas, é identificado em um necrotério por sua esposa, a bailarina inglesa Joan Jara. Essa é uma das histórias que compõem o currículo do general Augusto Pinochet, que comandou uma das ditaduras mais sangrentas da América Latina. O ex-ditador morreu neste domingo, aos 91 anos, no Hospital Militar de Santiago. Sob seu regime, mais de 3 mil pessoas foram assassinadas. Adotou a tortura e o extermínio como método sistemático para se livrar de opositores; e a limpeza étnica, como método para “se livrar” da pobreza extrema no país. Pesam contra ele acusações de assassinatos, torturas, seqüestros, enriquecimento ilícito e tráfico de drogas.

Entre os milhares de crimes cometidos sob a ditadura Pinochet, um deles tem significado especial. No dia 11 de setembro de 1973, o general comandou um golpe de Estado que derrubou o governo socialista de Salvador Allende. O Palácio La Moneda foi atacado por terra e bombardeado por aviões da Força Aérea chilena. Allende morreu dentro do palácio tentando resistir ao golpe de Pinochet, apoiado diretamente pelo governo dos Estados Unidos. Pinochet também é apontado como responsável direto pela morte de ministros e oficiais do governo Allende. Em setembro de 1976, Orlando Letelier, ex-embaixador chileno nos Estados Unidos e ex-ministro de Allende, foi assassinado em Washington, através de uma bomba deixada em seu carro. Dois anos antes, em 1974, o general Carlos Prats, comandante do Exército durante o governo Allende, foi assassinado em circunstâncias similares, em Buenos Aires. Tudo isso sob o olhar complacente dos EUA.

Durante os anos 70, Pinochet foi um dos principais articuladores da Operação Condor, movimento de repressão, tortura e extermínio de militantes de esquerda, que reuniu seis ditaduras sul-americanas, incluindo a brasileira, com o apoio político e logístico dos EUA, especialmente através da atuação da Escola das Américas. No auge da Guerra Fria, essa escola, criada pelo governo norte-americano, recebia militares latino-americanos para cursos de formação, que incluíam técnicas de tortura e assassinato. Entre seus principais aliados e apoiadores, aparecem nomes como o do ex-secretário de Estado dos EUA, Henry Kissinger, do ex-presidente Ronald Reagan, do economista Milton Friedman e da ex-primeira-ministra britânica Margaret Thatcher. Ao receber a notícia da morte do ditador, na tarde deste domingo, Thatcher disse, através de seu porta-voz, que estava “profundamente triste” e transmitiu condolências à família. Em 1982, Pinochet apoiou a Inglaterra contra a Argentina, na Guerra das Malvinas.

A manifestação de Thatcher ilustra o que representou a ditadura de Pinochet. Com o apoio dos economistas da Escola de Chicago, que teve em Milton Friedman um de seus principais expoentes, o governo militar chileno foi o seguidor mais ortodoxo do ideário neoliberal que se tornou hegemônico no mundo a partir dos governos de Ronald Reagan, nos EUA, e de Thatcher, na Inglaterra. Os governos destes dois países, entre outros, não hesitaram em apoiar a ditadura chilena e em fechar os olhos para os crimes de Pinochet sob o pretexto de garantir a “vitória do mundo livre” na região. Vitoriosa “a liberdade”, o próximo passo foi implementar um radical processo de privatizações no país e apontá-lo como modelo que deveria ser seguido pelos demais países da região. Pinochet foi a expressão mais clara do cinismo e da hipocrisia de um modelo que falava em liberdade, durante o dia, e apoiava torturas e assassinatos à noite.

Continua: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=13071

8.12.06

Imigrantes do Desejo

‘Novo documento’ é o nome que me sugere o computador. Posso chamá-lo assim, como Lacan chamou seus textos de ‘Escritos’, torcendo a obviedade, para que ela passasse a demonstrar algo bem além de si mesma… Um outro nome, “Imigrantes do Desejo” me ocorre quando estou rememorando um sonho. Não sei muito bem o que quer dizer e decido não forçar um sentido sobre isso.

Um gesto cruel ou um ato erótico. Literatura vale para um e para outro. A crueldade para se fazer avançar além de si mesmo nos jogos de escrita (abandono: caracteres individuais, marcas positivas, narcisismos); erotismo para, ao mesmo tempo, não se esquecer do corpo (pessoal, sempre; exigente e rigoroso).

Diz Barthes: “Como se da escritura, ato erótico forte, não restasse mais do que a fadiga amorosa.” Erotismo tem muito pouco a ver com literatura erótica ou pornográfica. Proust não precisa descrever explicitamente as noites do protagonista com Albertine e a cena sexual mais forte de La Recherche, em sua sétima parte, é a surra comprada por Charlus num bordel.

Como Proust, Barthes consegue manter um equilíbrio entre erotismo e escritura, erotismo e crítica. Acho que tem a ver com sua homossexualidade (leio Incidentes, seu diário póstumo). Não a sexualidade biográfica, vivida, mas uma outra relação com o mundo, no sentido de exigir outros olhos – sejam as Gomorreanas que se reconhecem, sejam os Sodomitas dispersos –, exigir uma constante decifração dos gestos do mundo, pela via do desejo: eu posso contar com contar com a cumplicidade desta pessoa do mesmo sexo que eu? Ou mais, com a sua aquiescência? Será esta a base do erotismo: outros signos debaixo de um signo? Outros signos insuspeitos, debaixo de um gesto que pode negá-los? A quantidade – ou qualidade – de risco que o erotismo exige?

Ou, atravessando todos os possíveis arranjos amorosos, quando apaixonado-apaixonada fala a amado-amada: ‘o modo específico como a camisa de botões cai mais para um lado que para o outro quando você a veste’, ‘a matiz indefinível de seus olhos quando você está com raiva’, este dedinho torto, esta marca de nascença, a sombra deste osso sobre a carne. Isso também é erotismo: a eleição de um único signo para ser interpretado. Um signo que, parecendo mínimo, pode caber todo um novo mundo, pode reordenar a escala de importância e hierarquia de tudo a seu redor. Por isso, Proust é o mago dos gestos mínimos, por isso o tropeço e a madeleine são suficientes para reenviar à memória lembranças de tempos há muito idos. Não à toa, a decifração das palavras de Albertine é gesto de amor e de desconfiança, é decifração erótica e tormento da linguagem.

...estes eflúvios sexuais constantes (acabei de olhar no Houaiss o que significa ‘eflúvio’ – faço isso de bôbera porque tenho um dicionário muito mais interessante aqui no peito, na memória, nas lembranças de todas as coisas que eu li, de como uma palavra se coloca entre as outras, de como adivinhar seu sentido ou inventar um bem melhor, mais próprio – e, de repente, eis o que diz o Houaiss: “emanação sutil que se desprende dos corpos organizados”... estou encantada com esta idéia: o que será um ‘corpo organizado’? o que será um ‘corpo desorganizado’?)

[A escritura é a armadura de fantasia do neurótico]

5.12.06

Ralph Fiennes em Cuba

Ralph Fiennes, protagonista de O Paciente Inglês e O Jardineiro Fiel, está dando aulas magistrais em Havana, por ocasião do 20º aniversário da Escola Internacional de Cinema e Televisão de San Antonio de los Baños, mas, discreto, afirma que veio a Cuba apenas "para ver e escutar".

"Sinto que tenho muito a aprender sobre o país e sua indústria cinematográfica; quero que sejam vocês a me ensinarem. Adoraria debater e responder perguntas, mas vim, sobretudo, para ver e escutar", declarou o ator ao jornal Granma.

"Estou agradecido, honrado e muito contente" de estar em Cuba, afirmou, antes de explicar seu método para compor personagens tão diversos que interpretou sob a direção de cineastas tão diferentes (Steven Spielberg, Anthony Minghella, Fernando Mierelles) com os quais disse ao jornal Granma ter tido o prazer de trabalhar.

Também falou da forma como se concebe o elenco dos filmes, como se escolhe um papel, as preferências com relação ao teatro, à pesquisa necessária antes de cada nova interpretação, e outros assuntos.

A presença de Fiennes em Cuba coincide com a 28ª edição do Festival Internacional do Novo Cinema Latino-americano, que será inaugurado na noite desta terça-feira em Havana.

Do Globo Online

SÃO PAULO - Um laudo do Instituto de Criminalística (IC) revela que não era cocaína o pó branco encontrado na mamadeira da bebê Victoria Maria do Prado Iori Camargo, de 1 ano e 3 meses. A menina morreu em 29 de outubro, após sofrer três paradas cardíacas no Hospital Municipal Infantil de Taubaté, no Vale do Paraíba. A mãe, Daniele Toledo do Prado, de 21 anos, foi presa em flagrante e acusada de assassinar a filha com overdose da droga, misturada ao leite. Na cadeia, Daniele apanhou de outras detentas, teve a mandíbula fraturada , diversos hematomas no rosto e ainda uma caneta enfiada no ouvido. Antes, teria sido estuprada dentro do hospital onde o bebê morreu.

Daniele passou três dias em estado grave na Santa Casa de Pindamonhangaba, onde nem os parentes nem a advogada puderam visitá-la. Só depois disso foi transferida para uma cela individual, na Penitenciária Feminina de Tremembé, onde permanece presa.

Assinado pela perita Mônica Marcondes Feigueiras, de São José dos Campos, o laudo do IC também deu negativo para o exame feito no pó branco retirado da boca da criança no hospital e na seringa apreendida na bolsa de Daniele Na ocasião, a polícia afirmou que um laudo havia comprovado que o pó branco era cocaína.

- Vamos apurar porque o laudo preliminar deu positivo - diz o delegado seccional da cidade, Roberto Martins de Barros.

Segundo ele, não é a primeira vez que os peritos criminais da cidade emitem laudo contraditório.

Continua: http://oglobo.globo.com/sp/mat/2006/12/05/286900145.asp

4.12.06

Do blog Contrapauta

Visão estreita: presidente eleito do Equador é “amigo de Chávez”
Alceu Nader

Todas as reportagens da grande mídia que apresentam o presidente eleito do Equador no último final de semana, Eduardo Rafael Correa, desde a segunda-feira passada, quando foi confirmada sua vitória, trazem o rótulo “amigo de Chávez”. Algumas reportagens repetem a expressão duas, três vezes, repetindo a mesma técnica que consiste em reproduzir à exaustão sua interpretação ou julgamento premeditado. O resultado é que o esforço para vestir uma personagem com roupa de outra deixa vastos campos de ignorância. A imprensa brasileira, no todo, desconhece o que efetivamente acontece ou que está por vir nos países vizinhos ao Brasil. Esse desconhecimento leva ao demérito antecipado de toda e qualquer iniciativa que vise a união dos países do continente, como pode ser comprovado pelo bombardeio contra o Mercosul e a a incitação para que o Brasil invadisse a Bolívia para proteger as instalações da Petrobras. No caso do Equador, a desinformação é ainda maior porque o país não tem fronteira e, portanto, sem eventos de fronteira que motivem o acompanhamento.

Assim, ao carimbar Rafael Correa como “amigo de Chávez”, um economista com doutorado na Europa (sua mãe é belga) e mestrado nos Estados Unidos, de 43 anos, a imprensa brasileira não faz outra coisa senão renovar seu preconceito com o continente “assolado pela onda populista”.

Além do carimbo pejorativo, a grande mídia, antes de se perguntar porque Correa foi eleito, preocupa-se em antecipar eventuais problemas que o jovem presidente equatoriano deverá enfrentar em duas frentes com os Estados Unidos. Um deles é a base militar norte-americana de Manta, na costa do Pacífico, que Correa já avisou que não quer mais em seu país; outra, é o rompimento do contrato, efetivado em maio passado, entre o governo equatoriano e Occidental Petroleum Corporation, Oxy, que até então era responsável por 20% das exportações de petróleo do Equador. Em ambos os casos, a imprensa nacional cumpre seu papel de intérprete dos interesses do país mais poderoso do mundo.

(...)

link: http://blog.contrapauta.com.br

26.11.06

"Um certo desencanto e a consegüinte lucidez cética"

"As aparências enganam, mas é o mais sólido que existe. A aparência é a realidade, e ir além dela implica num esforço que quase ninguém precisa fazer, que quase sempre leva a evidências piores que as aparências substituídas. Sei disso por experiência própria. Durante aqueles anos em que quis ou julguei ser dono da verdade fundamental da vida e da História, descobri que cada uma das minhas viagens exploratórias conduzia a pontos originários de maldades fundamentais, e todas elas a uma maldade essencial e original, a crueldade de viver. Não há vida sem crueldade e não há História sem crueldade. Eu estava deslumbrando com a proposta de mudar a vida, como pedia Rimbaud, e de mudar a História, como pedia Marx, entre outros, e afinal minha viagem intelectual e culta descobria o motor incessante de crueldade que legitima tanto uma como a outra. O melhor é se conformar com a aparência da realidade e escolher suas facetas mais prazerosas e bonitas. Já é suficiente o nosso inferno íntimo, essas areias movediças internas em que nossos remorsos e as inseguranças engolem nossa própria entidade. Se fosse possível extirpar a capacidade de olhar para dentro de si mesmo!..."

"Quarteto", Manuel Vázquez Montalbán

Altruísmo Norte-Americano III

"A única segurança é a legitimidade aparente."
John Le Carré

24.11.06

Road to Guantanamo, O Prisioneiro da Grade de Ferro

A tecnologia da crueldade...

... o terror asseptico...

... e o Brasil.

Sou uma pessoa indignada. Desconfio dos que acreditam que construções do tipo “eu sou assim”, “eu sou uma pessoa assim”, “tenho uma personalidade assim”, “minhas características”, “meu signo no horóscopo chinês” fala algo sobre si mesmo (trair a forma é sempre trair o conteúdo). Mas, a verdade é que sou uma pessoa indignada. Para além dos bons conselhos que eu mesma me dou: fique mais calma, seja mais calma, um passo de cada vez, preocupe-se em mudar apenas aquilo que está ao seu alcance.

A publicidade me indigna. Carros importados, celulares com internet, carros com som MP3, viagens para a praia, casas magníficas. Beira a indecência o estilo de vida alardeado sobre um saldo obsceno: quantas crianças devem morrer por desnutrição para sustentar todo este conforto? depois, somando-se à isso, quantos devem ser os adultos, que conseguiram sobreviver à desnutrição, mas que morrerão de fome? mais quantos milhões devem compor um a massa de miseráveis? quantos farão o conjunto de desempregados definitivos, quantos os desempregados até empregáveis? quantos, desta vez empregados, devem receber não mais que um salário mínimo para sua família? quantos podem receber um salário melhor mas serão impedidos de receberem sua porção de bens simbólicos (ser capaz de ler um bom livro, assistir um bom filme, ouvir uma boa música) – enfim, qual o valor real do seu carro importado, da sua roupa nova, da sua assinatura de televisão a cabo?

A minha classe me envergonha. Os pequenos narcisismos, miseráveis. O morador reclama que o porteiro estava falando com uma empregada doméstica durante seu turno – o mesmo morador que não vê nada de estranho quando ele pára para conversar com uma colega em sua empresa, durante seu horário de trabalho. A ‘empresária’ que diz: “porque eu e o pessoal da periferia, nós somos iguais”, ignorando que, se é preciso anunciar tão solenemente esta semelhança é porque, obviamente, ela não existe. A adolescente pára no sinal com seu carro zero e pergunta, com ar de genuína inocência, apontando para a moça que pede dinheiro: “por que é que ela não vai procurar um emprego? nem que seja de empregada doméstica...” A classe média que se sente injustiçada porque está sustentando, através dos ‘programas assistencialistas’, estas pessoas ‘preguiçosas’, que ‘não querem trabalhar’, que ‘não querem saber do batente’.

Comportamentos de quem toma a diferença de classe como algo intrínseco – se eu tenho dinheiro, eu sou uma pessoa de outro tipo, com outras qualidades. Acreditam em merecimento pessoal, ‘eu mereço estar aqui’, ‘eu mereço esta vida’. Se eu tenho o que tenho, eu sou, obviamente, melhor do que aqueles que não têm – eu aproveitei as oportunidades, tive competência para isso. Ignoram que, no capitalismo, é a mão do acaso que ronda, é a regra da substituição: pode ser você, mas poderia ser qualquer outro, o seu emprego não é seu, é do seu patrão, e ele vai tirá-lo quando quiser, sem lhe dar nenhuma satisfação (diz um dos ‘meninos do tráfico’ que parece ter entendido isto bem mais rápido: ‘se eu morrer, nasce outro’). A justiça não estará do seu lado, ela está dos que têm ainda mais do que você e sempre tem alguém assim (disso eu falo de muito perto, mas basta pensar no que está acontecendo agora com Emir Sader). O seu lucro não é seu, é do sistema, o seu lucro nunca é alto o suficiente para comprar a sua segurança num país onde a luta de classes já virou guerra de classes e só a classe média finge não ver (penso na a ex-cunhada do empresário Gerdau, novo ministeriável do governo Lula, que foi morta no sinal há alguns dias).

Eu fico indignada comigo mesma. Com a minha profissão, tão necessária, mas, ao mesmo tempo, tão aquém das urgências do mundo. Já dizia o velho Freud: não podemos almejar mais do que tornar a miséria neurótica uma infelicidade ordinária. Minhas hesitações me angustiam: o que eu posso fazer? como eu posso fazer? qual o preço a ser pago? A burocracia partidária me deprime; o autoritarismo das militâncias me aflige e afasta; o vocabulário dos políticos é cheio de falsidades; e todo voluntariado tem uma face imperialista (eu ajudo você do meu jeito). Harold Bloom diz que Shakespeare construiu o humano e, mesmo que não concorde com ele, não há dá para não pensar na poderosa marca da hesitação hamletiana. A questão fica: qual o meu, o seu, o nosso preço em cadáveres? Quantas mortes pagam os nossos privilégios?

21.11.06

Mãe Palestina. Ataque de Israel. 9 de novembro de 2006.

Ego Schiele. Mutter mit zwei Kindern (Die Mutter). 1915-1917.

20.11.06

Entrevista de Ivana Jinkings à Carta Maior

Para a editora da revista Margem Esquerda e da Boitempo Editorial, Ivana Jinkings, o processo envolvendo Emir Sader não é um caso isolado e indica que está em curso uma campanha contra toda a esquerda. Em entrevista à Carta Maior, ela rebate críticas e acusações publicadas na Folha de S.Paulo e comenta o número crescente de ataques a intelectuais de esquerda. "A campanha é contra toda a esquerda e o que representamos. Por isso devemos ficar alertas", defende Jinkings.

Carta Maior: A Sra. foi mencionada num artigo na Folha de S. Paulo, a propósito do processo do Senador Bornhausen contra o Professor Emir Sader. O que a sra. tem a dizer sobre isso?
Ivana Jinkings: O que o colunista fez contraria todas as regras do bom jornalismo, inclusive as do manual de redação do seu (dele) jornal. Nosso manifesto não é contra a ação movida pelo Bornhausen. É contra a sentença do juiz, que menciona prisão e perda de cargo de professor da UERJ. É a segunda vez, no espaço de uma semana, que esse jornalista se dedica ao assunto. Com virulência espantosa, ódio. Primeiro, tentando desqualificar Emir Sader como o intelectual "zero à esquerda". Usando o nome de um livro de um intelectual da esquerda, Paulo Arantes, e pretensamente defendendo outro intelectual da esquerda, Chico de Oliveira, o que os conservadores pretendem é fragmentar, sempre e cada vez mais, a esquerda. Não reconheço nesse obscuro jornalista credenciais ou idoneidade para julgar currículos e estatura intelectual de quem quer que seja. Mas é certo que temos projetos que nos distinguem. Eles usam tudo o que podem para atacar os que resistem, enquanto nós abrimos espaço para a conscientização popular, seguindo princípios historicamente construídos.Em sua coluna, ele mencionou meu nome e o da Boitempo, sem que qualquer repórter tenha se dado ao trabalho de me ouvir. Um jornal que se pretende sério não faria isso. O jornalista usou um espaço nobre, abusou da posição e do cargo que ocupa (autorizado por seu patrão, certamente) para publicar uma denúncia de surpresa. Faz graves e levianas acusações, assumindo uma versão como fato, tomando uma posição no processo que ainda não foi concluído. Isso é não apenas mau jornalismo, mas configura um crime, salvo engano.

CM: Como a sra. analisa a repercussão desse processo do senador Bornhausen contra o professor Emir na presente conjuntura, com um manifesto com mais de 15 mil assinaturas?
IJ: As milhares de assinaturas, vindas de todos os continentes, falam por si. O mencionado colunista escreve também que o manifesto que lançamos é "hipócrita". Não que os interesse, ou faça diferença: mas dissidentes cubanos não foram executados por se expressarem, mas por seqüestrarem um barco. Pena de morte é abominável, mas não apenas em Cuba, deveria ser também abominável nos Estados Unidos. Seriam então hipócritas os quase 20 mil que assinaram o manifesto, entre eles Antonio Candido, Luiz Fernando Verissimo, Chico Buarque, Eduardo Galeano, Frei Betto, Perry Anderson, István Mészáros, Roberto Schwarz, Chico de Oliveira (para quem, aliás, não fizemos um desagravo no caso Delúbio Soares pelo simples fato de que o Chico não foi condenado), Paulo Arantes, Oscar Niemeyer, Ferreira Gullar, Augusto Boal, Tom Zé, Fernando Morais e tantos mais? Quem vai nos ensinar a pensar a partir de agora é a Folha de S.Paulo, talvez numa dobradinha com sua musa inspiradora, a revista Veja?

CM: Faz algum tempo têm surgido várias manifestações na imprensa criticando os intelectuais, ora o que é interpretado como seu "silêncio", ora o que é criticado como uma forma de "adesismo" a-crítico à reeleição de Lula. Como a sra. analisa essa tendência?
IJ: Talvez essa cruzada - personificada agora no Emir - não seja especialmente contra ele, ou contra o manifesto em sua solidariedade. O que incomoda a direita e seus porta-vozes é perceber que ainda existimos nós, os que resistem. Veja o tratamento desrespeitoso e truculento dado a Saramago, no mesmo jornal. Veja como foram tratados recentemente Marilena Chauí e outros que ousaram defender o governo Lula. A campanha é contra toda a esquerda e o que representamos. Por isso devemos ficar alertas.

Do blog Contrapauta

Oportunidade para moralizar a imprensa pode morrer no Senado

Manifeste sua opinião sobre a mudança da Lei de Imprensa que exige que alvos de denúncias sejam ouvidos antes da publicação

O leitor M. Iack chama a atenção para a convocação de um dos paus-mandados da revista Veja para inundar a caixa postal dos senadores contra o projeto de lei que combate a delinqüência editorial.

O projeto apresenta como justificativa a necessidade de “disciplinar a divulgação de informações lesivas à dignidade da pessoa humana”, e insere duas exigências na Lei de Imprensa:

“I - proceder à criteriosa investigação de sua veracidade, bem como da autenticidade dos documentos que porventura lhes sirvam de base;

II - levá-la ao conhecimento daqueles a quem ela se refira, dando oportunidade de manifestação, em tempo hábil antes de sua veiculação.”

O senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), dono de emissoras de rádio na Paraíba, pediu vistas ao processo e apresentou parecer contrário. A matéria precisa ser votada pela Comissão de Educação do Senado para ir à votação do plenário.

Íntegra do projeto em tramitação no Senado

e-mail do senador Antônio Carlos Valadares

e-mail da Secretaria-Geral da Mesa do Senado

Para defender o projeto, escreva no campo assunto do e-mail: “A favor da votação em plenário da PLS 00257/2005″

No campo reservado à mensagem, escreva seu nome, número de RG e órgão expedidor.

19.11.06

Dissertando...

Altruísmo Norte-Americano II

"Benevolente e brutal, sagaz e quixotesco, poderoso e inseguro, Carnegie era um homem de imensas convicções e contradições. Como escreve Nasaw em 'Andrew Carnegie' (Penguin), ele se tornou “mais implacável na busca de lucros quando decidiu que aqueles lucros deveriam ser distribuídos enquanto estivesse vivo”. Carnegie esmagou os sindicatos ainda com mais violência, baixou os salários e aumentou a carga horária dos trabalhadores siderúrgicos de oito para 12 horas diárias. Este literalmente foi o preço das bibliotecas públicas (2.800), bolsas de estudo, fundos para pesquisas, museus e salas de concerto (como o Carnegie Hall) que pipocaram graças à generosidade do magnata."

link: http://www.estado.com.br/editorias/2006/11/19/cad-1.93.2.20061119.18.1.xml

15.11.06

Maybe i've forgotten the name and the address...

Vimos o show do New Order no fim de semana passado. Devo admitir que, para uma moça provinciana como eu, o mundo ficou um tantinho menor depois de ouvir ‘Bizarre Love Triangle’ e, mais, ‘Love will tear us apart again’ ao vivo, cantadas pelos mesmos que as escreveram tantos anos atrás.

Mas, é claro, que não foi uma atitude lá muito rock and roll o vocalista usar uma camisa pólo preta durante a show. Ele me passou a impressão, muitas vezes, de um velhinho encolhido e meio alcoolizado. Será que o rock and roll pode envelhecer? Vai ver que era por isso que Elvis usava aquelas roupas ridículas nos anos 70, vai ver que é por isso que Mick Jagger continua se contorcendo todo ainda hoje: para desviar a atenção, para a gente não perceber.

O contrário do Bob Dylan, por exemplo, que faz da velhice um paroxismo, uma potencialização de sua música, de sua personalidade, aquelas longas rugas, aquele rosto dele parecendo que vai derreter num instante.

Eu e os 'ismos'

Por um erro de cálculo – eu deveria ir falar sobre ‘feminilidade’ na psicanálise – fui parar numa reunião de jovens alunos de Ciências Sociais onde pipocavam militâncias: contra o racismo, contra a homofobia, contra o machismo, assim mesmo, tudo num pacote só.

Não sei o que me acontece, mas a sensação estar perdendo tempo me corrói por dentro, é como estar perdendo tempo da vida, perdendo um precioso tempo para a morte, eu posso sentir os minutos despencando num abismo, caindo do meu corpo junto com o suor para nunca mais. Esta sensação me deixa irritadiça e impaciente – um traço obsessivo, claro, que entrará para a lista “50 temas para se trabalhar em análise antes de morrer”. Enfim, foi esta corrosiva sensação de absoluta perda do tempo que me acertava enquanto eu ouvia os clichês (exemplos pessoais, ‘porque no meu prédio’, ‘porque na minha escola, na minha família’) até as propostas de censura de sempre. Claro que, antes do final da reunião, dei minha opinião criando aquela já conhecida sensação de constrangimento e desconcerto entre os participantes da reunião. (Eu fui uma adolescente ‘do contra’).

Retomo aqui os pontos da minha argumentação.

Primeiro, não acredito em nenhum movimento contra a homofobia que não faça também uma análise profunda de como opera a militância gay. Como também não acredito em nenhum destes movimentos que não se alie a uma luta contra o capitalismo, senão, teremos uma solução estadunidense para nossos conflitos: você pode ser gay, desde que seja um bom consumidor. Se não for assim, apenas trocamos uma identidade heterossexual – coercitiva, controladora dos corpos e seus desejos, ditatorial – por uma identidade homossexual, que opera pelos mesmos princípios: o que vestir, para onde ir, como falar, o que desejar, como realizar os desejos. Dentro dos grupos homossexuais, opera também a vigilância, opera também uma construção rígida de identidades, assim como preconceitos (que vão direto naqueles que contrariam a norma dentro da dissidência da norma: as moças masculinizadas, os rapazes efeminados – e que são, na minha humilde opinião, gentes muito mais interessantes). Ora, nunca me esquecerei quando uma professora aqui da UnB, da História, Tânia Navarro, ligada ao movimento feminista, desconstruiu o conceito de lesbianismo numa palestra: quando uma mulher é lésbica? quando tem relações sexuais com outras mulheres? quantas vezes? uma vez? dez vezes? cento e vinte e sete? ou quando tem sentimentos e afetos por outras mulheres? isso deve ser exclusivo em relação às mulheres? Se vamos discutir a heteronormatividade, o conceito de identidade não pode ficar resguardado, não pode ficar a salvo: por que precisamos tanto de uma identidade? por que, para fugir de uma identidade rígida, construímos outra quase tão rígida quanto a primeira? qual é a função da identidade para o sujeito, para sua economia psíquica, para sua movimentação social? não somos capazes de ficar um tantinho à deriva, não somos capazes de abraçar nossa errância, deixando que o novo surja?

Como psicóloga e acreditando na psicanálise, não deixo de sentir que o movimento gay acabou alimentando uma visão simplória da sexualidade, que já estava aí antes, claro. De repente, a grande questão da sexualidade se tornou: em qual caixinha você entra? A caixinha ‘homo’, a caixinha ‘hetero’ ou a caixinha ‘bi’ (talvez os bissexuais sejam os únicos a não terem uma caixinha assim tão fechadinha quanto as outras, mas, enfim, não deixa de ser uma caixinha). Ora, a sexualidade é exatamente aquilo que põe o sujeito em questão, que é incontrolável, contraditória, enigmática, sofrida, desgovernada. Estamos falamos de um corpo pulsional, que estes nomes vão tentar tranqüilizar. E, do lado da história, pensar a sexualidade não como atividade mas como constitutivo de uma identidade é coisa bem recente (Foucault, “A Historia da Sexualidade I”).

Segundo, por mais que os movimentos feministas, gays e negros tenham travado uma necessária e importante luta e conquistado muita coisa nestes últimos tempos, é preciso lembrar que, a longo prazo, as políticas de diferença apontam para uma segregação social. Como assim?

Devemos lembrar que o argumento da diferença é, historicamente, um argumento da direita: ‘nós, aristocratas, somos diferentes de vocês, povão’. Bem ou mal, a argumentação de esquerda, especialmente com o marxismo, sempre foi uma argumentação de unificação: somos todos igualmente vitimados pelo capitalismo, eu, você, os brancos, os negros, as mulheres, os homens, o dono da fábrica, o gerente do banco, o presidente da empresa. Mesmo o movimento feminista não sustentou esta demanda por mais e mais diferença: nos anos 70, as mulheres negras se separam do movimento feminista e criam o movimento ‘womanist’. Não conheço, mas não duvidaria de um movimento para mulheres negras e homossexuais. Círculos de proteção não deixam de ser círculos de exclusão. O que eu tenho visto é que a eleição de uma diferença (o sexo, a sexualidade, a cor da pele) não tem nos ensinado a dialogar melhor com a diferença do outro. Saindo da zona de votação, no 1 de outubro, encontrei uma amiga que disse ter feito questão de votar apenas em mulheres: citou sua deputada federal, a distrital, a candidata a governadora, uma certa tristeza por não termos uma candidata ao senado, e, por fim, sua candidata a presidência, Heloisa Helena. Bom, esta é exatamente a candidata que é contra o aborto (todos são, mas cadê a simpatia que ela deveria ter pelas mulheres por ser, exatamente, mulher?), que é homofóbica (em Alagoas, HH chegou a abrir um processo contra uma concorrente por ‘conduta sexual atípica’, em outras palavras, porque sua concorrente era gay) e, mais, esta é a candidata cujo vocabulário político mais ecoa o grande mestre da direita, ACM: quem discorda dela é ‘canalhada’, ‘empregadinho’, 'vagabundo', ela sobe na tribuna para ameaçar fisicamente o presidente da república junto com ACMzinho. Ou seja, num desserviço à democracia, Heloisa Helena quis provar que política é coisa pessoalista, de ressentimento pessoal. Não acho que uma mulher deva perder um cargo por ser mulher, mas não acho que ela deve merecer um cargo apenas por ser mulher.

Fica me parecendo que estes movimentos pavimentam um caminho que toma a subjetividade como simplória, como possível de equacionar: se eu sou mulher, eu sou assim; se eu sou gay, eu já sou assim; se sou negra, vou ser, necessariamente, assim. As possibilidades de criação de novos afetos, novas formas de relação, de novos espaços, de novas formas de diálogo vão diminuindo, sustentada por moralismos e controles. Quando vamos perceber que a subjetividade é um processo que vai além disso? Que os atos são, sempre, multideterminados? Será que vamos esquecer as lições da psicanálise, o sujeito cindido, o sujeito do inconsciente, o sujeito que se desconhece para acreditar em equações lineares?

9.11.06

justiça tardia = justiça falha

Do JB-Online (http://jbonline.terra.com.br):

São Paulo. O Brasil esperou ontem para assistir pela primeira vez um acusado de tortura sentar nos bancos dos réus. Mas o fato histórico não se concretizou porque o coronel reformado Carlos Alberto Brilhante Ustra não compareceu à audiência no Forum do Tribunal de Justiça de São Paulo.

O coronel, conhecido como comandante Tibiriça, é acusado de tortura pela família Teles. Maria Amélia de Almeida Teles move a ação no Juizado Civil, porque a Lei da Anistia impede ações criminais. Ela quer provar que a família - Maria, César, Criméia Almeida e os filhos Janaína e Edson, com 5 e 4 anos à época que Ustra comandava o Doi-Codi - foi torturada à mando do coronel na década de 70.

Ontem, mesmo com a ausência de Ustra, o juiz Gustavo Santini Teodoro deu sequência ao processo e ouviu o depoimento de cinco testemunhas de acusação. As de defesa se pronunciaram por cartas, pois não moram em São Paulo. A assessoria de imprensa do TJ de São Paulo informou que o juiz não marcará nova audiência com a presença de Ustra, porque a família Teles não solicitou depoimento pessoal do coronel.

A família Teles também não pediu prisão ou indenização do ex-comandante do Doi-Codi. Os autores da ação querem que o julgamento tenha significado político. Maria Amélia sofreu perseguição durante o período da ditadura por fazer parte do Partido Comunista. Passou 10 meses na prisão. Os filhos, crianças à época, passaram alguns dias no DOI-Codi até o governo encaminhá-los à família em Minas Gerais.

De acordo com o juiz que cuida do caso, depois do depoimento das testemunhas, a ação entra na fase das alegações finais, seguida da sentença. O ex-comandante do Doi-Codi entrou com recurso pedindo a extinção do processo.

Uster é um personagem polêmico do período de chumbo que o Brasil atravessou do golpe militar de 1964 até o início da década de 80. Comandou o Doi-Codi, principal instância de repressão, mas não se envergonha da suspensão dos direitos democráticos. Ajudou, até mesmo, a fundar um grupo de discussão que encontra no combate aos ideais comunistas argumentos para a tomada do Estado brasileiro com mão de ferro. O site Terrorismo nunca mais hospeda artigos em defesa da atuação dos militares e se contrapõe à ONG Tortura nunca mais.

Altruísmo Americano

Estava lendo "A interpretação dos Sonhos" ontem à noite (começou o turno noturno, 22h-1h30, da dissertação). É um livro maravilhoso, mas é cansativo ler assim, de cabo a rabo, de uma vez só. E achei uma surpreendente nota de rodapé, adicionada em 1911 (a publicação do livro é de 1899-1900). Ei-la:

"Quando Ernest Jones fazia uma conferência científica sobre o egoísmo dos sonhos perante uma platéia norte-americana, uma senhora instruída se opôs a essa generalização não científica, dizendo que o autor do presente trabalho só podia julgar os sonhos dos austríacos e não tinha nada que falar dos sonhos dos americanos. No que lhe dizia respeito, ela estava certa de que todos os seus sonhos eram exclusivamente altruístas."

Sanguessuga, eu?!?!

Do blog do Josias (http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/):

O ex-ministro tucano da Saúde Barjas Negri declarou na CPI das Sanguessugas que não teve nenhum tipo de relacionamento com Luiz Antonio Vedoin, o chefão da máfia das ambulâncias. Deve-se à repórter Marta Salomon (assinantes da Folha) a revelação de que a coisa não é bem assim. Leia abaixo:

“A assinatura do então ministro da Saúde Barjas Negri (PSDB) aparece ao lado da assinatura do dono da Planam Darci Vedoin, apontado como chefe da máfia dos sanguessugas, em pelo menos sete convênios para a compra de ambulâncias com dinheiro da União. Vedoin aparece como procurador das prefeituras junto ao ministério.

Cópias dos convênios foram encaminhadas ontem ao procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, pelo ministro Jorge Hage (Controle e Transparência). "É um fato inédito em milhares de convênios que a Controladoria Geral da União auditou", disse Hage sobre o fato de o empresário que fornece bens aparecer como procurador das prefeituras.

Em depoimento ontem à CPI dos Sanguessugas, Barjas disse que assinou os documentos antes do responsável pelas prefeituras. A informação foi contestada por Hage. "Não há nenhum cabimento. Seria uma irresponsabilidade o ministro [da Saúde] assinar antes [do representante da prefeitura]. Ele normalmente assina depois".

Barjas disse ainda à CPI não se lembrar se assinou convênio cujo procurador fosse o empresário Darci Vedoin: "Assinava de 3 a 4 mil convênios por ano, não ficava olhando quem era o procurador. Se foi assinado, não tenho nada a ver com isso". Segundo Barjas, era comum as prefeituras passarem procurações a assessores parlamentares e que muitas vezes "assinava em primeiro lugar".

Os convênios submetidos pela CGU à análise do Ministério Público foram todos assinados na mesma data, 20 de dezembro de 2002, a onze dias do fim do mandato do então presidente Fernando Henrique Cardoso. O dinheiro referente à parcela da União no negócio -R$ 705 mil - só começou a ser liberado após a posse de Lula.

Os sete convênios foram vencidos por uma das empresas do grupo Planam, a Klass Comércio Representações Ltda., responsável pela entrega dos veículos às prefeituras, todas de Mato Grosso. Por meio de procurações, os prefeitos de Barra dos Bugres, Água Boa, Nortelândia, Nobres, Campos de Júlio, Tapurah e Cláudia dão amplos poderes a Vedoin para representá-los junto à União.

Os documentos assinados por Barjas e Vedoin foram localizados durante auditoria nas prestações de contas de convênios assinados pelo Ministério da Saúde entre 2000 e 2005 para a compra de unidades móveis. Nesse período, empresas do grupo Planam forneceram cerca de 30% das ambulâncias pagas com dinheiro da União”.

7.11.06

"Mire, veja..."


Projeto do videasta Álvaro Garcia mostra 50 anos de mudanças do sertão mineiro em mostra no CCBB Brasília

O CCBB Brasília recebe uma mostra interativa “do tamanho do mundo”, nas palavras do Vaqueiro Riobaldo, personagem de Guimarães Rosa. Sertão: Casa de Imagem – Espaço, Tempo e Vida no Brasil Central, em cartaz de 24 de outubro a 26 de novembro apresenta documentário, videoinstalação e site, que proporcionam ao expectador um mergulho nas vidas, nas falas e nas paisagens dos povos dos sertões mineiros e as mudanças ocorridas em seu microuniverso nos últimos 50 anos, desde o retrato feito em Grande Sertão: Veredas.

Sertão: Casa de Imagem – Espaço, Tempo e Vida no Brasil Central
Até 26 de novembro
Horário: de terça-feira a domingo, das 12h às 19h
Centro Cultural Banco do Brasil – BrasíliaEndereço: SCES Trecho 2, lote 22 – Brasília/DFInformações: (61) 3310-7081
Entrada franca

6.11.06

Clipping

Do blog do Mino (http://blogdomino.blig.ig.com.br/):

Reações e reações
Notável, notabilíssima, a desfaçatez dos “grandes” (grandes? eu os enxergo mínimos) da mídia nativa, e dos seus costumeiros defensores, eminentes representantes da corporação. Todos se credenciaram contra a “intimidação” que teriam sofrido três repórteres da Veja por parte de um delegado da PF de São Paulo, a quem prestavam depoimento. Mas não percebo qualquer reação por parte dos mesmos “grandes” (mínimos) diante da inaudita condenação do professor Emir Sader por um juiz de primeira instância de São Paulo, por ter definido o senador Bornhausen como “racista” depois deste ter chamado o PT de “esta raça”. Sader foi condenado a um ano de detenção em regime aberto e à perda de sua cátedra. Do arco-da-velha. Mas quem protesta? Só mesmo na internet. Nada nas páginas dos jornais, nada no vídeo, silêncio parlamentar. Está claro que nada esperava da Associação Nacional dos Jornais, ou da Sociedade Interamericana de Imprensa, notórias entidades patrimoniais.



Do blog Contrapauta (http://blog.contrapauta.com.br/):

"O segundo caso de reportagem clandestina está numa das cartas de leitores da Veja São Paulo desta semana, assinada pelo dentista Mario Sergio Limberte.

A reportagem menciona meu nome na área de estética dental. Ser consultado anonimamente não me incomodou absolutamente. Mas a divulgação do meu endereço, telefone, diagnóstico e honorários deixa a impressão de que autorizei a publicação. O código de ética do Conselho Regional de Odontologia condena e pune o profissional que usa esse expediente. Solicito que a revista confirme que a matéria foi publicada sem o meu conhecimento e sem consentimento prévio.

Sua solicitação caiu no vazio. Não há palavra da revista reconhecendo que atropelou a ética que regulamenta o trabalho dos dentistas. "


Do blog AmigosdoPresidenteLula (http://www.osamigosdopresidentelula.blogspot.com/)

A Comissão de Constituição e Justiça do Senado votará, na próxima quarta-feira, um projeto de lei que obriga a identificação dos usuários da internet antes de iniciarem qualquer operação que envolva interatividade, como envio de e-mails, conversas em salas de bate-papo, criação de blogs, captura de dados (como baixar músicas, filmes, imagens), entre outros.O acesso sem identificação prévia seria punido com reclusão de dois a quatro anos. Os provedores ficariam responsáveis pela veracidade dos dados cadastrais dos usuários e seriam sujeitos à mesma pena (reclusão de dois a quatro anos) se permitissem o acesso de usuários não-cadastrados.

O autor do projeto é o senador Eduardo Azeredo (PSDB-MG), reconhecido no teste de paternidade do valerioduto.


Mais uma do blog do Mino:

Civita e o governo
Engana-se quem aponta a edição de livros didáticos como o centro das pendências da Abril com o governo federal. Roberto Civita, boss da editora, mira em negócio muito mais fabuloso, a internet sem fio. Especialistas falam em centenas de milhões de reais. Outros, em bilhão.

Ao enredo: Civita tem tido conflitos recorrentes com os capatazes da revista Veja. Há alguns meses pede moderação em relação ao governo Lula. Reportagens contra o PT e a administração federal teriam sido engavetadas. Nos corredores da empresa, o boss arriscou-se a afirmar que contrataria Dilma Rousseff, ministra da Casa Civil, para administrar a Abril.

No início dos anos 90, a Abril ganhou de graça, e sem concorrência, concessões de MMDS no Rio, São Paulo e sul do País. A freqüência teve pouca utilidade até agora, já que a tevê por assinatura desenvolveu-se de outras formas. A internet sem fio deve, porém, utilizar essa faixa. As perspectivas do novo negócio são animadoras. Ou seja, as concessões que não valiam nada viraram ouro.

Em meados de abril passado, a Casa Civil solicitou que o Ministério das Comunicações fizesse uma consulta à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). A ministra Dilma queria saber se as concessões dadas há mais de 15 anos estavam de pé ou, em nome da concorrência e da inclusão digital, não seria o caso de promover novas licitações de MMDS. Justamente nas áreas onde a Abril detém virtual monopólio.

Na Anatel, o placar foi 2 a 2. Os conselheiros indicados por FHC rejeitaram a proposta de nova licitação, o que atendia ao interesse da Abril. Os indicados por Lula foram a favor da consulta da Casa Civil. Pelas regras da agência, em caso de empate, vale a decisão anterior. Tudo ficou na mesma. Por enquanto.

O governo ainda precisa indicar mais um conselheiro. Nesse caso, uma nova consulta da Casa Civil poderia interferir nos negócios da família Civita. Diante dessa perspectiva, Civita foi à luta. Esteve reunido com Dilma Rousseff para tratar do assunto. Foi levado ao encontro por Sidnei Basile, Diretor de Relações Institucionais da Abril. Hélio Costa, das Comunicações, esteve duas vezes no prédio da Marginal Pinheiros que abriga o grupo. Enquanto isso, Civita exigia moderação dos subordinados, para não melindrar o governo.

Em tempo: os principais negócios do grupo sul-africano Naspers, que comprou 30% do capital da Abril por 422 milhões de dólares, são tevê por assinatura e, vejam só, internet.

3.11.06

Nota de Repúdio à condenação de Emir Sader

A sentença do juiz Rodrigo César Muller Valente, da 11ª Vara Criminalde São Paulo, que condena o professor Emir Sader por injúria no processo movido pelo senador Jorge Bornhausen (PFL-SC), é um despropósito: transforma o agressor em vítima e o defensor dosagredidos em réu.

O senador moveu processo judicial por injúria, calúnia e difamação em virtude de artigo publicado no site Carta Maior(http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=2171 ), no qual Emir Sader reagiu às declarações em que Bornhausen se referiu aoPT como uma "raça que deve ficar extinta por 30 anos". Na sua sentença, o juiz condena o sociólogo "à pena de um ano de detenção, em regime inicial aberto, substituída (...) por pena restritiva de direitos, consistente em prestação de serviços à comunidade ou entidade pública, pelo mesmo prazo de um ano, em jornadas semanais não inferiores a oitohoras, a ser individualizada em posterior fase de execução". O juiz ainda determina: "(...) considerando que o querelante valeu-se da condição de professor de universidade pública deste Estado para praticar o crime, como expressamente faz constar no texto publicado, inequivocamente violou dever para com a Administração Pública, motivo pelo qual aplico como efeito secundário da sentença a perda do cargo ou função pública e determino a comunicação ao respectivo órgão público em que estiver lotado e condenado, ao trânsito em julgado".

Numa total inversão de valores, o que se quer com uma condenação como essa é impedir o direito de livre-expressão, numa ação que visa intimidar e criminalizar o pensamento crítico. É também uma ameaça à autonomia universitária que assegura que essa instituição é um espaço público de livre pensamento. Ao impor a pena de prisão e a perda do emprego conquistado por concurso público, é um recado a todos os que não se silenciam diante das injustiças. Nós, abaixo-assinados, manifestamos nosso mais veemente repúdio. (Quem desejar assinar, enviare-mail para solidariedadeaemirsader@hotmail.com )

palavra-imagem + afeto = LINGUAGEM?



1. Na obra de Roussel, há imagens construídas através do ‘procedimento’, em obras como Impressions d’Afrique e Locus Solus. São imagens ‘incompletas’, por assim dizer, imagens ‘inimagináveis’, onde o corpo se faz máquina e mecanismo, onde a imaginação fica exausta tentando figurar os detalhes de cenas históricas dentro de uma uva ainda não madura, ou tentando visualizar o movimento dos olhos da cabeça decepada de Danton quando as cavidades oculares estão vazias. São imagens fraturadas, por assim dizer, imagens que negativizam o próprio poder da imagem, que valem mais pelo que nelas faltam do que pelo que nelas há.

2. De onde vem o poder da imagem de fixar-se, de prender um sujeito em suas malhas, algo que a palavra não consegue realizar? Afinal, uma análise não passa sempre por uma libertar-se de imagens através de palavras? O trajeto da psicanálise, diz Pontalis, parte exatamente deste abandonar da imagem para buscar a palavra: do fascínio do sonho para o relato do sonho, da hipnose que fazia reviver a cena para a pulsão de morte (impossível de figurar): “A atração do recalcado está no mesmo barco que a atração do visual”, ou seja, sob o sonho e sob o sintoma, a insistência de uma cena infantil. Hervé Huot dirá, pensando nas pesquisas que Freud faz com a cocaína, vai dizer que ele sofreu uma – necessária – anestesia do olho.

3. Então... o que é que torna a imagem tão poderosa para o sujeito que ele precisa libertar-se dela? Há um reasseguramento da posição de sujeito? Nas imagens da narrativa da fantasia, o sujeito se incluiu; o quadro renascentista cria um sujeito cartesiano por conta de sua perspectiva, e há o ‘sujeito-que-olha-e-é-olhado’ dos incômodos objetos da arte contemporânea. É neste sofrimento (e gozo) de assujeitado, de sujeito, que se encontra o fascínio da imagem? Coisa que as palavras não conseguem reproduzir, coisas que as palavras apenas arremedam (eu falo, eu falo, eu estou falando, eu estou dizendo, sou eu quem diz, ouça o que eu digo... - uma insistente e ineficaz auto-afirmação). Estou pensando sempre que as palavras, como fala Foucault, Pontalis e outros, são vazias, são ocas, tentam estabelecer uma relação tão poderosa com o objeto aludido, mas esta relação é falsa. Aí, a cada vez, que o sujeito tenta afirmar-se pela linguagem, isto é denunciado.

4. A passagem entre as lembranças de Freud (“Lembrança Encobridora”) se dá através de palavras. Se o desejo se revela através de uma marca imagética (o amarelo das flores e do vestido), há ‘fio do desejo’ porque as palavras estavam ali para tecê-lo, para fazer as marcas de imagem deslizarem, associarem-se entre si e compor este fio. Mas não é possível excluir uma coisa da outra: nem as imagens que deram iniciam ao processo, nem as palavras que o colocaram em movimento. Então, palavra e imagem estão sob o regime da linguagem?

5. Quando penso 'palavra-imagem-afeto' e 'linguagem', não quero dizer que haja uma regra tão clara quanto a gramática coordenando os caminhos da imagem no inconsciente. Mas quero dizer, tomando a definição mais abrangente possível da linguagem e a mais reduzida também, que a imagem não cai no vazio, que ela vai se associar a alguma coisa, que vai criar relações e que estas relações são, como tudo o mais, relações de linguagem: associações, disseminações, metaforizações, etc… (No inconsciente, para se criar tanto o registro da representação-coisa como o registro da representação-palavra, é preciso que a linguagem esteja ali, antes, prévia, coordenando estas relações).

6. Na fala do analisando, no inconsciente do sujeito, trata-se, absolutamente, de linguagem. Tudo o que ele traz, seja uma imagem, seja uma palavra, seja um fonema, tudo se encontra articulado como linguagem. As imagens do sonho são articuladas em operações de linguagem, os limites entre objeto psíquico e palavra são nebulosos, um precisa do outro para acontecer. Agora, a obra de arte, fora do sujeito, acontecida, esta é objeto sem imagem ou imagem fora da linguagem. Apenas nos grandes, é claro: Mallarmé ao escrever ‘o odor da flor que não existe num buquê’, Joyce no Finnegas, alguns momentos mínimos de Guimarães Rosa. (Porque Guimarães utiliza a linguagem para conformar - dar forma e sustentação - à vida, juntando a beleza da linguagem ao dolorido da vida, ou o contrário: a dor da linguagem ao vivo da vida. Mallarmé e Joyce querem a vida irrompendo dentro da linguagem e dilacerando a linguagem por dentro, tornando impossível o processo de significação). Aí, o objeto é em si mesmo, ele não se refere a nada, ele não está associado a nada – quando vista pelo sujeito, este objeto realiza um choque porque faz referência a um mundo anterior, em que ainda não vivíamos na (da-para-pela) linguagem, até que a imagem do objeto seja tragada para dentro da linguagem novamente e faça marcas no inconsciente, mas só aí. O grande trunfo do artista é este sortir, é conseguir realizar algo que se coloque fora, fora das articulações prévias, um objeto em si, fora do mundo da linguagem e dentro do mundo das coisas.

31.10.06

À comemoração...





Segue trechinho do artigo de Emir Sader "O direito à festa e à luta". Ouvi Emir Sader falar no Forum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre e não esqueço nunca de uma frase dele: "Com este governo, é pau e conversa", ou seja, se as reformas sociais que tanto queremos e necessitamos não ocorrerem num governo de esquerda, podem ter certeza, não acontecerão em nenhum outro.

Mas, agora, é tempo de comemorar.


O direito à festa e à luta
Emir Sader

Foi duro, foi muito duro. Talvez tivesse sido mais fácil – se tudo fosse pensado do ponto de vista da biografia individual de cada um – ter rompido, ter ido embora, ter dito tudo o que o governo merecia ouvir, com todos os tons e sons. Mas teria sido dizer que tínhamos sido irremediavelmente derrotados, que tudo o que tínhamos feito nas décadas anteriores tinha desembocado numa imensa derrota. Teria sido abandonar as trincheiras de luta que tínhamos construído com tanto esforço e sacrifício.

Dava vontade. Em certos momentos teria sido muito mais fácil deixar correr solta a palavra, aderir à teoria da “traição”, refugiar-nos nas denuncias e abandonar a possibilidade de construir uma alternativa concreta.

Como se não bastasse tudo isso, vieram os “escândalos”: Waldomiro Diniz, Roberto Jéferson, “mensalão”, “sanguessugas” – cada um como uma nova estaca no nosso coração. A imagem ética do PT, construída como a menina dos nossos olhos era revertida. Nos tornávamos o partido dos “maiores escândalos da história do país”. A palavra “petista” passava a ser revestida de uma desconfiança de “corrupção”. Nada de pior poderia acontecer a um partido que tinha nascido, crescido, se fortalecido e se tornado vitorioso com as bandeiras da “justiça social e da ética na política”. Não éramos fiéis nem a uma nem à outra.

No entanto, não nos fomos. Ficamos. Seguimos tentando encontrar os fios para retomar o caminho de que nos havíamos desviado. Sabíamos que os grandes enfrentamentos ainda estavam por ser dados. Sabíamos que nossa política externa era a correta e se havia tornado essencial para o continente – agora povoado de governos progressistas, como nunca na história da América Latina. Sabíamos que nos podíamos orgulhar da Petrobrás – que quase havia se tornado Petrobrax nas mãos criminosas dos tucanos -, da autosuficiência em petróleo, de que uma das maiores empresas do mundo havia resgatado o Brasil da crise do petróleo através de uma tecnologia de pesquisa e extração de petróleo em águas profundas, com tecnologia nacional e pública. Sabíamos que a privataria na educação, que havia feito proliferar faculdades e universidades privadas como verdadeiros shopping-centers que vendiam educação como big-macs, havia terminado. Que se fortaleciam as universidades públicas, que passávamos a ter, pela primeira vez, políticas públicas de cultura, abertas à criatividade e à diversidade popular. Que Lula não era FHC, que o PT não era o PSDB. Que os movimentos sociais não eram mais criminalizados e reprimidos. Que a relação com a Venezuela, a Bolívia, Cuba, a Argentina, o Uruguai – era de irmandade e não de preconceitos de quem olha par ao Norte e para fora. Que a Alca tinha sido brecada e derrotada pela nossa política externa. Que o Brasil tinha sido o principal responsável pela reaparição do Sul do mundo no cenário internacional com o Grupo dos 20 e as alianças com a África do Sul e a Índia. Que as políticas sociais do governo, mesmo não sendo as que historicamente haviam caracterizado ao PT, mudavam, pela primeira vez o ponteiro da desigualdade – a maior do mundo, o maior desafio da história brasileira – no sentido positivo. Que nem que fosse por solidariedade com a grande maioria dos brasileiros – pobres, miseráveis, excluídos, discriminados, humilhados e ofendidos secularmente -, tínhamos que valorizar essas políticas sociais.

Valeu a pena termos ficado, termos continuado na luta, termos acreditado que este é o melhor espaço de luta, de acumulação de forças, de construção de alternativas para o Brasil. Não porque tenhamos triunfado nas eleições . Claro que também por isso. Porque derrotamos o grande monopólio privado da mídia, demonstrando que é possível e indispensável construir formas democráticas de expressão da opinião pública, tirando-a das mãos oligopólicas das quatro famílias que se acreditavam donas do que se pensa no Brasil. Claro que porque derrotamos o bloco tucano-pefelista – e de cambulhada mandamos para a aposentadoria política a Tasso Jereissatti, a ACM, a Jorge Bornhausen, a FHC -, derrotamos a direita.

Recuperamos, especialmente no segundo turno, porque chamamos a direita de direita. Dissemos um pouco das desgraças que eles fizeram para o Brasil – finalmente abrimos o dossiê da “herança maldita”. Criminalizamos as privatizações, possibilitando que aparecesse à superfície a condenação majoritária dos brasileiros a um processo embelezado e sacralizado pela mídia e pelos arautos do grande capital privado dentro dela. Porque apelamos à mobilização popular, porque fizemos uma campanha de esquerda no segundo turno. Porque comparamos o governo deles com o nosso que, mesmo com todas as suas fraquezas, mostrou-se inquestionavelmente superior ao deles. Foi isso que triunfou. Triunfamos pelo que mudamos, não pelo que mantivemos. Ganhamos porque nos mostramos diferentes e não iguais a eles.

Comemoremos, porque merecemos a vitória, apesar dos nossos erros. Mas para estar à altura da nossa vitória, temos que fazer dela uma vitória da esquerda. Uma vitória que esteja à altura do emocionante apoio que o governo recebeu, ao longo de toda a campanha, dos mais pobres, dos mais marginalizados, dos que constituem a grande maioria dos brasileiros, dos que trabalham mais e ganham menos. Dos que souberam, como ninguém, resistir à enxurrada de propaganda que a mídia despejou sobre todos. Fazer do novo governo, antes de tudo o governo deles. De todos os brasileiros, mas sobre tudo dos que sempre foram marginalizados, excluídos, reprimidos, que sempre viveram e morreram sobrevivendo, no anonimato, no silêncio, no abandono.

O artigo inteiro está no link: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=65

Tadinho do chuchu...



Ontem, revi o momento em que Geraldo Alckmin admite sua derrota em entrevista. Fez o discurso-chuchu básico e acrescentou ter ligado para Lula e desejado um bom mandato. Para mim, desde o começo da campanha eleitoral, este foi o momento mais interessante de Geraldo Alckmin: a dignidade da derrota. Mas Borges já vaticinou isso há muito - na Ilíada, torcemos pelos gregos, mas percebemos a dignidade dos troianos em sua derrota.

27.10.06

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Clipping - Carta Maior

Quem é que está mentido, Lula ou FHC?
Bernardo Kucinski

Fernando Henrique disse outro dia que o PT mente, mente, mente, até que a mentira se torne verdade. Depois, foi a vez de seu candidato repetir a acusação. Fui conferir. Descobri que não é bem assim. Localizei facilmente quatro mentiras importantes que os tucanos é que vêm repetindo ad nauseam, conseguindo que se tornem verdades, com a ajuda de nosso preguiçoso e desmemoriado jornalismo.

Primeira mentira, a do aparelhamento do Estado. Essa foi espalhada pelos tucanos logo no início do governo Lula e repetida pela mídia. Acusaram o governo Lula de manter 40 mil cargos de confiança (os que não precisam ser preenchidos por servidores de carreira). Mentira grosseira: em 2005 havia 19.925 cargos de Direção e Assessoramento Superior, chamados DAS ou cargos de confiança. Menos da metade do que dizia o tucanato. Desse total, apenas 7.422 foram preenchidos ou substituídos por indicados pelos partidos da base de sustentação do governo. E pelos dados disponíveis no site do Ministério do Planejamento, 68,9% dos DAS em novembro de 2005 continuavam sendo ocupados por funcionários públicos de carreira, praticamente a mesma proporção de novembro de 2001 (70,5%), apesar da profunda virada política que representou a vitória de Lula. E mais: cerca de 80% vão de DAS1 a DAS3, que dão ao servidor uma gratificação de apenas R$ 1.000 a R$ 1.500. São servidores ocupando funções que exigem confiança, mas relativamente modestas, como secretárias.

A mentira do “brutal” aumento da carga tributária. Os tucanos dizem que o governo Lula aumentou absurdamente a carga tributária. Mentira. Eles é que aumentaram absurdamente a carga tributária: o insuspeito Instituto de Planejamento Tributário diz que a carga aumentou de 28,61% do PIB, no último ano do governo Itamar Franco (1994), para 35,84% do PIB, no último ano do governo FHC (2002). Um aumento de 7,23 pontos percentuais ou mais de 25%.E qual foi o aumento no governo Lula? Apenas 2,01 pontos percentuais, segundo o mesmo instituto, ficando em 37,85% do PIB. E mais, os maiores aumentos relativos no governo Lula foram dos impostos estaduais e municipais. A carga federal aumentou apenas 1,2 ponto percentual, de 25,37% do PIB para 26,55%. Sob os tucanos a carga tributária aumentou brutalmente, mudou de escala, e sob Lula ela variou apenas na margem.

A mentira da maior corrupção de todos os tempos. Essa é uma mentira muito grave, porque mexe com a imagem e a reputação das pessoas as pessoas, de suas famílias, seus filhos, seus amigos. Os tucanos dizem que nunca houve tanta corrupção no Brasil como no governo Lula, mas até hoje foram poucos e de pequena monta os casos de corrupção comprovados dentro do governo federal. Um dos poucos casos foi o do funcionário dos Correios Maurício Marinho, flagrado pegando grana e devidamente demitido depois de uma sindicância. Eram três mil reais. Em contraste, no governo FHC foram vários e de grande monta os casos de corrupção, quase todos na casa dos bilhões de reais: o prejuízo de R$ 1,54 bilhão do Tesouro no socorro aos bancos Marka e Fonte-Cindam, levando à demissão do então presidente do Banco Central, Chico Lopes, e à fuga para a Itália, onde está até hoje, do banqueiro Salvatore Cacciola; o desvio de R$ 2 bilhões de recursos da Sudam no período 1994 a 1999, que levou à renúncia do ex-presidente do Senado, Jader Barbalho, e o desvio de R$ 1,4 bilhões do Finor em 653 projetos da área da Sudene, através do uso de notas frias; o desvio de R$ 168 milhões na construção da nova sede do TRT de São Paulo, levando à prisão do juiz Lalau e de Fábio Monteiro, que conseguiam as liberações de verbas diretamente do então secretário da Presidência, Eduardo Jorge (o que não significa de necessariamente que Eduardo Jorge soubesse dos desvios); o pagamento comprovado de R$ 200 mil aos deputados Ronivon Santiago e João Maia para que votassem a favor de Emenda da reeleição, levando à expulsão dos dois do PFL e renúncia de seus mandatos.

A mãe de todas as mentiras, a de que o governo Lula não combate a corrupção. Essa é pesada. É o governo FHC que nunca combateu a corrupção e não permitiu que fosse investigada. Não têm paralelo com o governo FHC as dezenas de operações de desbaratamento de quadrilhas no serviço publico, ou com ramificações na Receita Federal, no Ibama, na Previdência e na Polícia Rodoviária Federal, todas originárias dos tempos do governo FHC ou até de antes; destacam-se a operação vampiro e a operação sanguessuga, que desbaratou esquemas de corrupção que vinham desde 2002. E mais, Fernando Henrique adotou como política geral impedir investigações de corrupção.Talvez porque as privatizações exigiam um ambiente de permissividade. Em vez de mandar investigar as fraudes da Sudam e da Sudene, FHC extinguiu as duas agências de desenvolvimento regional, com o que tornou praticamente impossível qualquer investigação futura. Uma modalidade de “queima de arquivo” institucional. Em vez de investigar as acusações de fraudes no DNER, extinguiu da mesma forma o DNER. Quando um grampo revelou malandragem de funcionários do BB e da Previ nas privatizações, a ponto de caírem os altos funcionários e até o ministro das Comunicações, FHC não permitiu a instalação de uma CPI da Privatização da Telebrás, usando o truque regimental de prolongar o funcionamento de várias CPIs fantasmas.Tudo isso está na internet. Qualquer jornalista pode refrescar facilmente a memória e relembrar que eles mesmos chamavam o procurador-geral da República do governo FHC de engavetador-geral da República. Memória, pesquisa, contextualização e hierarquização adequada dos fatos. Isso é jornalismo. O resto é mentira.

Matéria completa: http://agenciacartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3372


Melhorias no setor não suprimem rosário de contestações
Jonas Valente

(...)

Passados oito anos do leilão da Telebrás, os resultados são controversos. O próprio aumento de aparelhos, um dos argumentos mais entoados por Alckmin e tucanos na defesa do processo, apresenta uma trajetória irregular. Entre 1998, primeiro ano do novo modelo, e 2001, foi registrado crescimento de linhas fixas de 20 milhões para 47 milhões. No caso da telefonia móvel (celulares), o salto foi de 7,5 milhões para 35 milhões de aparelhos em 2002. O crescimento da telefonia móvel continuou nos quatro anos seguintes, chegando ao número de 92 milhões brasileiros com telefones celulares em 2006. Já na telefonia fixa, a quantidade de terminais caiu para 39,9 milhões este ano.

Da forma como foi desenhada a privatização, com um monopólio privado regional (a Telefônica em São Paulo, a Telemar em parte do Sudeste e Nordeste, e assim por diante), a concorrência se tornou uma fábula na telefonia fixa (leia matéria sobre o assunto) e ficou apenas na modalidade móvel. “Desenharam em três áreas e não estabeleceram regras de competição e condições de competitividade. Eles questionavam o problema da competição, mas mantiveram a mesma situação só que dessa vez nas mãos da iniciativa privada”, analisa José Zunga, da Federação Interestadual dos Trabalhadores em Telecomunicações (Fittel). No caso dos terminais fixos, mesmo com o monopólio, houve uma expansão da oferta nos primeiros anos. O crescimento das linhas e a redução do preço para sua habilitação não foram motivados pela busca da universalização do serviço, mas pelo cumprimento das metas na sua área de cobertura para poder avançar sobre outras áreas. O aumento da disponibilidade de linhas não se refletiu no crescimento do acesso da população e gerou uma ociosidade de 11 milhões das 47 milhões de linhas em funcionamento em 2001.

(...)

Em artigo presente no livro Governo Lula: decifrando o enigma, o economista César Benjamin, que foi candidato a vice-preidente na chapa de Heloísa Helena, do PSol, critica os impactos da privatização da telefonia. De acordo com ele, os custos de investimento e a manutenção de capacidade ociosa do setor acabaram sendo bancado pelo Estado. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), por exemplo, investiu US$ 6 bilhões na expansão das redes entre 1998 e 2001. Além de onerar o governo e aumentar o endividamento externo, a conta foi transferida, segundo Benjamin, para o cidadão, que teve de arcar com um aumento abusivo das tarifas de telefonia. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), o custo da telefonia para a população entre 1998 e 2006 cresceu 156%, contra apenas 56% de evolução da inflação medida pelo Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA), calculado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

O reajuste das tarifas foi pressionado pelo fato da receita proveniente da cobrança das mesmas ter sido usado para compensar a redução do preço da habilitação das linhas. Isso se refletiu no preço da assinatura básica. “Assinatura básica sempre recebeu reajuste maior do que os outros serviços porque é receita garantida”, diz Daniella Tretell, do Idec. Dados da Fittel mostram que, entre 1994 e 2006, o preço deste item saiu de US$ 0,69 para US$ 20. O resultado foi a redução do número de terminais, chegando a menos de 40 milhões em 2006, e a constituição de um serviço desigualmente distribuído no País, que melhorou a qualidade e ampliou sua capilaridade nas regiões mais ricas e ainda está distante de parte importante da população.

(...)

O questionamento dos resultados vem acompanhado de avaliações negativas do processo de privatização. Para Carlos Zanatta, editor do periódico especializado Teletime, o leilão dos ativos sequer deveria ter acontecido. “Não havia necessidade de vender. Fico me perguntando se precisava ter feito isso. Não teria outra forma de tocar o negócio da Telebrás?”, questiona. O pesquisador e jornalista Gustavo Gindre, que ocupa uma das cadeiras no Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI-Br), não considera que tenha sido um problema a abertura à concorrência do setor, mas aponta como erro histórico não ter aproveitado o peso da Telebrás para manter uma empresa estatal forte, com condições não só de competir com as operadoras que passariam a atuar no mercado, mas também no plano internacional.

“As redes e serviços de comunicações estão no cerne do funcionamento do capitalismo atual. Qualquer país que pretenda ser ator influente neste mundo globalizado e informacional detém o controle de uma grande operadora de telecomunicações, mesmo que privada. O Brasil possuía a maior operadora da América Latina e do Terceiro Mundo, a primeira maior fora dos Estados Unidos e Europa. Perdemos a chance de determos um operador global de telecomunicações, deixamos o caminho aberto para a Telmex”, lamenta Marcos Dantas. Na opinião do professor, o governo Lula perdeu a chance de buscar uma nova estatização de parte do setor e favoreceu ainda mais a entrada da Telmex ao recusar a compra da Embratel por um consórcio comandado por capital nacional dos fundos de pensão de estatais.

(...)

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Ritual 'tutânico'

Arnaldo Antunes e Grupo Corpo, 1999


Momento III
Arnaldo Antunes - 1999
é molhado de costas
é impermeável de bruços
é de frente e de lado de costas
um pouco mais embaixo de bruços
é como é de costas
como deve ser de bruços
fica de pé de costas
deita no chão de bruços
fecha sua couraça de costas
abre aspas de bruços
acha graça de costas
dá risada de bruços
fala no telefone de costas
escuta passos de bruços
voa no céu de costas
respira em baixo d'água de bruços
é como estar de bruços de costas
é como estar de bruços
é a mesma pessoa de costas
se transforma de bruços
fica cansado de costas
descansa de bruços
fala pelos cotovelos de costas
pensa melhor de bruços
ajoelha de costas
senta de bruços
a chuva cai de costas
os automóveis passam de bruços
já é de madrugada de costas
adormece de bruços
abre o portão de costas
anda na rua de bruços
tem certeza de costas
fica em dúvida de bruços
muda de posição de costas
não quer ficar mais de bruços
deita de costasacorda de bruços
toma água de costas
toma sol de bruços
fica boiando no mar de costas
nada de bruços
levanta de costas
sente o peso dos braços de bruços
acorda de costas
volta a dormir de bruços

25.10.06

Brasilia - nonada!

Brasília é uma cidade terrível. Nos meses de calor, me dói do lado de fora – as coisas, as árvores, os bichos, os carros e as ruas parecem suar junto com a gente e reclamar, baixinho, da secura.

Nestes meses chuvosos, me dói do lado de dentro. Dói assim que, indo para o trabalho, eu atravesso o eixão e vejo o céu acinzentado lá no fundo. Como se eu não conseguisse mais me organizar - a obra de Kapoor, no CCBB, chama “Wounds and Absent Objects”, como se eu virasse objeto ausente também, ausência. Desfaz a “nossa pessoa”, como eu ouvi, dia desses, alguém lindamente se referir a si mesmo. Dá uma dormência lá dentro, não nos braços, não nas pernas – mais Guimarães Rosa – lá “nas peles de dentro, no sombrio do corpo, no arranhar dos órgãos”. A chuva anoitece o dia e o tempo do relógio não vale mais para nada. Este, com certeza, não é o mesmo registro que os compromissos, os atrasos, os cálculos, os números. Deve ser, provavelmente, o tempo da morte.

Não demora muito para eu perceber alguma coisa. Acho que já falei disso aqui. A grande Casa da Infância, e do Sonho. Me angustia o céu cinzento da cidade porque, na casa dos avós, era sempre chuva. Chovia e a gente não podia sair da casa, a avó não deixava ficar nem na varanda. Chovia e o único que eu podia fazer era ler. Ou chovia e eu asmava, arfante e quieta porque eu ainda era criança sem medo neste tempo. (Brincadeiras de Rosa).

(A leitura sempre foi extensão da minha asma.)

Vous comprenez? Est-ce que vous comprenez?

“Tudo o é dito, é dito para alguém.” “O que significa, significa para alguém”. “Mesmo quando falamos sozinhos, falamos para o Outro”. Acho que estamos, mais, falando para a linguagem mesma. Para dribla-la, corrompe-la, menti-la nela mesma ou fazer a verdade atravessá-la (mas nunca fixar-se na linguagem).

Mas será tudo linguagem? Será tudo literatura? Porque eu sei que não é tudo psicanálise.

“Viver é coisa perigosa.”

Perigosa mesmo quando se vive estas pequenas impressões, sugestões sussurradas, leve empurrão direção nenhuma: um certo ângulo, e um olhar pode acontecer. Chego ao trabalho e olho o Setor Comercial à noite, sob a luz amarela dos postes, o cheiro de queimado do prédio da frente, os policiais atravessando a rua, os travestis segurando vistosas sombrinhas contra o chovisco.

Um olhar literário ou cinematográfico, um olhar que pode encontrar alguma beleza ou sublime nestas cenas (o sublime que vai além da beleza, que encontra outra coisa, que pode ser o horror, mas que o prende mais do que aquilo necessariamente belo). O olhar de Proust. Quando ele está acamado e asmático, se alimentando de café, amorosamente cuidado por Celeste Albaret. Quem diria que aqueles grã-finos, a aristocracia perdida ao perceber que dinheiro vale muito mais que espírito, estas pessoinhas que, como nós, viviam sua vida e se tornaram literatura a despeito de si mesmas.

Estou preocupada com estas operações: tornar a linguagem vida (se bem que, cada vez mais, tenho certeza de que linguagem é condição sine qua non para qualquer vida), tornar a vida literatura. Um bom livro não faz mais que isso: escolher as palavras a serem assassinadas ao seu redor, no seu campo magnético. O mesmo faz um bom filme: escolher as imagens que serão transformadas em enigmas.

De amor e trevas, Amós Oz

"Quando Dostoievski ainda cursava a faculdade, ele andava assaltando e matando pobres velhinhas?", mas sim se você, leitor, pode experimentar se colocar no lugar de Raskolnikov para desse modo sentir em sua própria pele todo o horror, o desespero, a humilhação maligna misturada à arrogância napoleônica, as alucinações megalomaníacas, o aguilhão da fome e da solidão, o desejo, a exaustão e a nostalgia da morte para que se possa então fazer a comparação (cujo resultado será mantido em segredo) não entre o personagem da história e os diversos acontecimentos da vida do autor, mas entre o per¬sonagem da história e o seu próprio eu, o seu eu secreto, perigoso, infeliz, louco, criminoso, é esse o ser ameaçador que você mantém sempre bem preso, bem no fundo, dentro de sua masmorra mais tenebrosa para que ninguém no mundo jamais suspeite, D'us o livre, de sua existência, nem seus pais, nem as pessoas que você ama, para que não fujam tremendo de medo de você, como fugiriam de um monstro horrível - e então, quando você lê a história de Raskolnikov, e você não é o leitor fofoqueiro, mas o bom leitor, vai poder trazer esse Raskolnikov para dentro de si próprio, para dentro dos seus porões, para os seus labirintos sombrios, para além de todas as trancas, para dentro da masmorra, e lá poderá fazer que ele encontre os seus monstros mais indecorosos, mais obsce¬nos, e assim poderá comparar os monstros de Raskolnikov com os seus próprios monstros, aqueles que na vida civil você nunca poderá comparar com nenhum outro, pois nunca os apresentará a nenhuma alma viva, nem mesmo em sussurros, na cama, ao ouvido de quem se deita com você à noite, para que o outro não arranque no mesmo instante o lençol e nele se enrole, e fuja de você aos gritos de horror. Assim Raskolnikov conseguirá diminuir um pouco a infâmia e a solidão do calabouço em que cada um de nós é obrigado a trancafiar em prisão perpétua o seu prisioneiro interior. Assim os livros poderão de alguma forma consolá-lo pela tragédia dos seus segredos mais vergonhosos: não só você, meu caro, mas todos nós somos um pouco como você; nenhum de nós é uma ilha, mas todos somos penínsulas rodeadas por quase todos os lados de água muito escura, e ainda assim ligados às outras penínsulas. Rico Done, por exemplo, no livro O mesmo mar, pensa acerca do misterioso Homem das Neves que perambula pela encosta do Himalaia:Aquele que nasceu de mulher carrega seus pais nas costas. Não nas costas. Na dívida. Por toda a vida deve carregar a eles e a toda aquela legião, os pais dos pais e os pais desses pais, boneca russa grávida até a última geração. Por onde quer que ele ande, está grávido de antepassados, deita-se grávido dos pais e grávido dos pais se levanta, grávido dos pais vai perambular bem para longe, ou fica no mesmo lugar.Noite após noite e ele divide o berço com o pai e a cama com a mãe, até chegar o seu dia.E você, não pergunte: o que é isso? São fatos reais ? De verdade? É isso que se passa com esse autor? Pergunte a si mesmo. Sobre você. E a resposta, pode guardar para si.”
Amós Oz, "De Amor e Trevas"

Esta foi uma generosa contribuição de C. para este blog. Complemento com um pedacinho da obra de Bellemin-Noel: "O poema sabe muito mais que o poeta."

20.10.06

"O PT inteiro tá aqui..."


Charge do Aroeira: http://odia.terra.com.br/especial/rio/aroeira/outubro.htm#

E, quem quiser, entrevista de Alckmin na CBN, onde ele falou esta pérola: "O PT inteiro aqui, hein?". O link é: http://radioclick.globo.com/cbn/.

Mas, para quem, compreensivamente, não tiver paciência, segue o resuminho que eu fiz: deu no 'The Economist' que os chineses estão invadindo o Brasil porque nós temos "memória inflacionária".... blablablabla... o PCC diminui o índice de homicídio em São Paulo (parece ser mesmo o que Alckmin pensa, já que, toda vez que alguém pergunta sobre o PCC é isso que ele responde)... blablablabla... "Vou cortar 80 bilhões sem fazer reforma da Previdência, aumentando 16% a aposentadoria e diminuindo impostos"... blablablabla... "A FEBEM ESTÁ MELHORANDO MUITO!!!" (esta é literal)... "SOU MAIS POBRE QUE O LULA" (literal também)... "Eu vou responder", "Eu vou responder": mas não responde é nada!