29.12.07

voltando...

A Educação pela Pedra
João Cabral de Melo Neto

Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de poética, sua carnadura concreta;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições da pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.

¥

Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse, não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.

21.11.07

¿Porqué no te callas?

¿Porqué no te callas?
Boaventura de Sousa Santos

Esta frase, pronunciada pelo Rei de Espanha dirigindo-se ao Presidente Hugo Chávez durante a XVII Cúpula Iberoamericana realizada no Chile, no dia 10 de Novembro, corre o risco de ficar na história das relações internacionais como um símbolo cruelmente revelador das contas por saldar entre as potências ex-colonizadoras e as suas ex-colônias. De fato, não se imagina um chefe de Estado europeu dirigir-se nesses termos publicamente a um colega europeu quaisquer que fossem as razões do primeiro para reagir às considerações do último. Como qualquer frase que intervém no presente a partir de uma história longa e não resolvida, esta frase é reveladora em diferentes níveis.

Ela revela, em primeiro lugar, a dualidade de critérios na avaliação do que é ou não democrático. Está documentado o envolvimento do primeiro-ministro de Espanha de então, José Maria Aznar, no golpe de Estado que em 2002 tentou depor um presidente democraticamente eleito, Hugo Chávez. Porque, naquela altura, a Espanha presidia à União Européia, esta última não pode sequer clamar total inocência. Para Chávez, Aznar ao atuar desta forma, comportou-se como um fascista. Pode questionar-se a adequação deste epíteto. Mas haverá tanta razão para defender as credenciais democráticas de Aznar, como fez pateticamente Zapatero, sem sequer denunciar o carácter antidemocrático desta ingerência?

Haveria lugar à mesma veemente defesa se o presidente eleito de um país europeu colaborasse num golpe de Estado para depor outro presidente europeu eleito? Mas a dualidade de critérios tem ainda uma outra vertente: a da avaliação dos fatores externos que interferem no desenvolvimento dos países. Num dos primeiros discursos da Cúpula, Zapatero criticou aqueles que invocam fatores externos para encobrir a sua incapacidade de desenvolver os países. Era uma alusão a Chavez e à sua crítica do imperialismo norte-americano.

Pode criticar-se os excessos de linguagem de Chávez, mas não é possível fazer esta afirmação no Chile sem ter presente que ali, há trinta e quatro anos, um presidente democraticamente eleito, Salvador Allende, foi deposto e assassinado por um golpe de Estado orquestrado pela CIA e por Henry Kissinger. Tão pouco é possível fazê-lo sem ter presente que atualmente a CIA tem em curso as mesmas táticas usando o mesmo tipo de organizações da “sociedade civil” para destabilizar a democracia venezuelana.

Tanto Zapatero como o Rei ficaram particularmente agastados pelas críticas às empresas multinacionais espanholas (busca desenfreada de lucros e interferência na vida política dos países), feitas, em diferentes tons, pelos presidentes da Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Argentina. Ou seja, os presidentes legítimos das ex-colônias foram mandados calar mas, de fato, não se calaram. Esta recusa significa que estamos a entrar num novo período histórico, o período pós-colonial, teorizado, entre outros, por José Marti, Gandhi, Franz Fanon e Amilcar Cabral e cujas primicias políticas se devem a grandes lideres africanos como Kwame Nkrumah. Será um período longo e caracterizar-se-á pela afirmação mais vigorosa na vida internacional dos países que se libertaram do colonialismo europeu, assente na recusa das dominações neocoloniais que persistiram para além do fim do colonialismo.

Isto explica porque é que a frase do Rei de Espanha, destinada a isolar Chávez, foi um tiro que saiu pela culatra. Pela mesma razão se explicam os sucessivos fracassos da União Européia para isolar Roberto Mugabe.Mas “¿porqué no te callas?” é ainda reveladora em outros níveis. Saliento três. Primeiro, a desorientação da esquerda européia, simbolizada pela indignação oca de Zapatero, incapaz de dar qualquer uso credível à palavra “socialismo” e tentando desacreditar aqueles que o fazem. Pode questionar-se o “socialismo do século XXI” - eu próprio tenho reservas e preocupações em relação a alguns desenvolvimentos recentes na Venezuela - mas a esquerda européia deverá ter a humildade para reaprender, com a ajuda das esquerdas latinoamericanas, a pensar em futuros pós-capitalistas.

Segundo, a frase espontânea do Rei de Espanha, seguida do ato insolente de abandonar a sala, mostrou que a monarquia espanhola pertence mais ao passado da Espanha que ao seu futuro. Se, como escreveu o editorialista de El País, o Rei desempenhou o seu papel, é precisamente este papel que mais e mais espanhóis põem em causa, ao advogarem o fim da monarquia, afinal uma herança imposta pelo franquismo. Terceiro, onde estiveram Portugal e o Brasil nesta Cúpula? Ao mandar calar Chávez, o Rei falou em família. O Brasil e Portugal são parte dela?

Boaventura de Sousa Santos é sociólogo e professor catedrático da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (Portugal).

link: http://www.agenciacartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3769

2.11.07

...i need a fix, cause I'm going down...

Pierrot, The Clown [Placebo]

Leave me dreaming on the bed,
see you right back here tomorrow,
for the next round.

Keep this scene inside your head,
as the bruises turn to yellow,
and the swelling goes down.

And if you're ever around,
in the city or the suburbs, of this town,
be sure to come around,
I'll be wallowing in sorrow,
wearing a frown, like pierrot the clown.

Saw you crashing 'round the bay,
never seen you act so shallow,
or look so brown.

Remembered all the things you'd say,
how your promises went hollow,
as you threw me to the ground.

And if you're ever around,
in the backstreets or the alleys, of this town,
be sure to come around,
I'll be wallowing in pity,
wearing a frown, like pierrot the clown.

When i dream, i dream if your lips,
when i dream, i dream of your kiss,
when i dream, i dream of your fists,
your fists,your fists..

Leave me bleeding on the bed,
see you right back here tomorrow,
for the next round.

Keep this scene inside your head,
as the bruises turn to yellow,
and the swelling goes down..

And if you're ever around,
in the city or the suburbs, of this town,
be sure to come around,
I'll be wallowing in sorrow,
wearing a frown, like pierrot the clown,
pierrot the clown...

28.10.07

Pérolas de Sabedoria

"A comédia é um gênero morto. A tragédia, esta sim é engraçada."
Bender, "Futurama"

Retomando...

...o amor põe estranheza e intimidade numa rota de colisão...

25.10.07

Contra a Lei Maria da Penha

Da Folha Online (http://www1.folha.uol.com.br/folha/cotidiano/ult95u339568.shtml):

'Fui mal interpretado', diz juiz que ligou mulher à desgraça"
JOHANNA NUBLAT da Folha de S.Paulo

O juiz Edilson Rumbelsperger Rodrigues, 52, de Sete Lagoas (MG), disse ontem que foi mal-interpretado na sentença em que considera inconstitucional a Lei Maria da Penha, um marco da defesa da mulher contra a violência doméstica.

Na sentença, cujos principais trechos foram divulgados pela Folha no último domingo, Rodrigues se refere à lei como um "monstrengo tinhoso" e "um conjunto de regras diabólicas". Com a sentença, afirmou, estava "defendendo a mulher".

"Vocês mulheres são usadas em discurso de campanha e num feminismo que não faz vocês felizes", disse Rodrigues, que é divorciado e está no segundo casamento.

Pai de quatro filhos --o mais novo de três anos--, ele culpa, na sentença, a lei por tornar o homem um "tolo" e cita a Bíblia para dizer que a "desgraça" humana começa com a mulher.
Em nota divulgada ontem, o juiz coloca a pergunta: "Tivesse eu me valido de poetas como Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto ou Guimarães Rosa (...) talvez não estaria também sendo criticado! Por que, então, não posso --ainda que uma vez na vida, outra na morte-- citar Jesus, se é Ele o poeta dos poetas e o filósofo dos filósofos?".

Ao explicar o que quis dizer com "o mundo é e deve continuar sendo masculino ou de prevalência masculina", frase que consta da sentença, o juiz usou um exemplo.
Disse que, no caso de impasse entre um casal, numa situação doméstica, a posição do homem deveria prevalecer até posterior decisão da Justiça, já que "não será do agrado da esposa que fosse o inverso, porque, repito, a mulher não suporta o homem emocionalmente frágil, pois é exatamente por ele que ela quer se sentir protegida".

Ainda na nota, Rodrigues explica que considerou a lei inconstitucional por tratar apenas da mulher e ignorar a condição doméstica do homem. Depois de dar entrevista a jornais locais, o juiz falou com a Folha por telefone. Evitou explicar as expressões usadas na sentença (como "o mundo é masculino!!" e "Jesus era homem!"), disse que preferia utilizar as explicações contidas na nota.


Do Blog do Noblat (http://oglobo.globo.com/pais/noblat/#78397):

Juiz terá que se explicar no Senado

Oito senadoras assinaram um requerimento protocolado há pouco na Comissão de Constituição e Justiça do Senado exigindo esclarecimentos do juiz que classificou a Lei Maria da Penha como "um conjunto de regras diabólicas".

Ao julgar um processo de violência doméstica, o Juiz da 1ª Vara Criminal e de Menores de Sete Lagoas, em Minas Gerais, Edilson Rumbelsperger Rodrigues, pegou pesado e argumentou: "Ora, a desgraça humana começou no Éden: por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem (...) O mundo é masculino! A idéia que temos de Deus é masculina! Jesus foi homem!" (leia mais).

A líder do PT, Ideli Salvatti (SC), a senadora Serys Slhessarenko (PT-MT), além da petista Fátima Cleide (RO) tomaram a iniciativa de preparar o requerimento e conseguir apoio das senadoras. Roseana Sarney (PMDB-MA) e Marisa Serrano (PSDB-MG) - que não assinaram por estarem fora de Brasília - mandaram avisar que apóiam o requerimento.

A Lei Maria da Penha aumenta o rigor nas penas para agressões contra a mulher. O nome é uma homenagem à Maria da Penha Maia, que ficou paraplégica após duas tentativas de assassinato pelo próprio marido.

22.10.07

Militante da Via Campesina é assassinado no PR

(E de pensar que, quando a Syngenta lançou nota dizendo que não utiliza "força" ou "armas" para proteger seus campos, ninguém foi ouvir a Via Campesina para que eles dessem uma declaração...)

Militante da Via Campesina é assassinado no PR
Marco Aurélio Weissheimer

PORTO ALEGRE - Valmir Mota, militante da Via Campesina, foi assassinado com dois tiros no peito, ontem à tarde, em Santa Tereza do Oeste, no Paraná. Segundo a Via Campesina, Valmir foi executado por um grupo de cerca de 40 pistoleiros no acampamento do campo de experimentos da empresa multinacional Syngenta Seeds. Outros seis integrantes da Via Campesina ficaram gravemente feridos. Fábio Ferreira, que integrava o grupo de seguranças armados, também morreu. Entre os feridos o caso mais grave é o de Izabel Nascimento de Souza, que está em coma e corre risco de morte.

A ação dos pistoleiros ocorreu depois que cerca de 150 integrantes do movimento reocuparam o campo de experimentos da empresa para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgênicas de soja e milho. Conforme o relato da Via Campesina, por volta das 13h30min, cerca de 40 homens fortemente armados chegaram, em um micro-ônibus, ao portão da entrada da área e desceram atirando nos manifestantes.

Além de Valmir, atingido com dois tiros, outros cinco agricultores foram baleados e Isabel Nascimento de Souza foi espancada. Ainda segundo a Via Campesina, a Syngenta contratou serviços de segurança que atuavam de forma irregular na região, articulados com a Sociedade Rural da Região Oeste (SRO) e com o Movimento dos Produtores Rurais (MPR).Uma das diretoras da empresa de segurança NF foi presa no início de outubro e o proprietário da mesma fugiu durante uma operação da Polícia Federal que apreendeu munições e armas ilegais. Segundo a organização de trabalhadores rurais, há indícios de que a empresa é contratada como fachada, para encobrir a ação de pistoleiros que formariam uma milícia armada que atua praticando despejos violentos e ataques a acampamentos na região.No dia 18 de outubro, a atuação de milícias armadas ligadas à SRO/MPR e Syngenta na região Oeste do Paraná foi denunciada durante uma audiência pública coordenada pela Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Federal dos Deputados (CDHM), em Curitiba. Agora, a Via Campesina cobra da justiça a apuração do ataque, contra os trabalhadores do acampamento, que juntamente com o assentamento Olga Benário lutam para transformar a área num Centro de Agroecologia e de reprodução de sementes crioulas para a agricultura familiar e reforma agrária.

O campo de experimentos da Syngenta foi ocupado pela primeira vez, em março de 2006, para denunciar o cultivo ilegal de sementes transgênicas. Após 16 meses de ocupação, no dia 18 de julho deste ano, as 70 famílias que participaram da ação desocuparam a área e foram para um local provisório no assentamento Olga Benário, também em Santa Tereza do Oeste.

Sete homens já foram presos
A Secretaria de Segurança do Paraná informou que sete homens que atacaram os agricultores já foram presos e disseram que foram contratados pelo Movimento dos Produtores Rurais para retirar pessoas que tentassem invadir a área. Eles foram autuados por formação de quadrilha, homicídio e exercício arbitrário das próprias razões. Após o confronto, os seguranças teriam fugido a pé e acabaram sendo encontrados e presos num barracão abandonado a cerca de seis quilômetros da fazenda da Syngenta. O governador do Paraná, Roberto Requião (PMDB), determinou que a polícia fique de prontidão nas imediações da área para evitar novos conflitos.

Em nota oficial, a Syngenta disse que “lamenta profundamente o incidente ocorrido durante nova invasão” e promete colaborar com as autoridades locais na apuração do que ocorreu. Ainda é prematuro fazer uma avaliação definitiva sobre o ocorrido, acrescenta a nota que assegura que a “a política global da companhia determina que não se use força ou armas para proteger suas unidades”.

17.10.07

O poder é sempre limitado, falível, contestável. Ninguém dispõe dele absolutamente, apesar das aparências, assim como ninguém está totalmente desprovido dele, mesmo que fosse apenas o poder de amar ou não, de ser amado ou detestado pelo outro. O poder a gente herda ou conquista-se, aumenta ou diminui, perde-se mais, ou menos. A um poder contrapõe-se sempre um contrapoder. O poder perde-se ou divide-se. Reparte-se na relação com o outro. A potência, ao contrário, no sentido que lhe dou aqui, confere a quem a possui uma força absoluta aos olhos do outro. Ela é sempre pouco ou muito divina (ou diabólica), sempre sobre-humana.

Aos olhos do analisando que é um caso-limite, o analista possui um tal poder. É aquele que impõe o contrato - esquecendo-se de que o analista, ele também, se submete a ele. A desigualdade evidente, a favor do analista, torna-se, na circunstância, lei iníqua, despótica. A neutralidade é tomada como indiferença marcada de crueldade. Silencioso, o analista dá testemunho de seu desprezo altivo. Se rompe sua reserva para interpretar que sua interpretação nunca é tomada como uma sugestão interessante de se considerar, suscetível de lançar uma clareza libertadora sobre o caos obscuro do qual o analisando queixa-se de ser prisioneiro: ela é um diktat, a pegar ou largar. Seria ela verdadeira porque reavivaria a humilhação de recorrer à ajuda de alguém que saberia melhor que ele mesmo, o que se quer dizer. De qualquer forma, não está o analisando deitado, nessa posição infantilizadora, enquanto o analista o domina do mais alto de sua posição sentada? Daria o analista uma prova de solicitude? É bem a demonstração de seu insuportável paternalismo. Deixa-se, ele, levar ao fastio? Vê-se que ele não se importa com o vosso sofrimento. E se, relaxando o controle da situação para dar um pouco de azo à espontaneidade, reagir de maneira um pouco mais viva é porque procura seduzir ou punir, de qualquer forma, rejeitar. Reclama dos honorários, só lhe interessa o dinheiro; se tratar de graça, ou quase (numa instituição, por exemplo), é porque precisa de cobaias ou porque oprime, com sua comiseração, o analisando desarmado.

André Green, Après-coup l'archaïque.


14.10.07

vértice


…de repente, o vértice roda, cria vertigem, como na música de Madredeus – um tango, o dedilhado tenso da viola crescendo, a reflexão de um violino e uma sanfona, subindo e descendo o fôlego, um tango de amor e abandono, até que a música gira quando ela diz “esquece”, com tanta dor e tanto pedido – então as coisas rodam e se condensam numa solene confusão – as palavras de G., tão cheias de empáfia, o discurso e seu mestre, como eu poderia saber? eu disse apenas nenhum conhecimento é completo, todo conhecimento precisa eternamente de reparos, este e outros rechaços que recebo, será que eu nunca aprendo? – então, neste mínimo momento, boas maneiras, educação e sociabilidade desaparecem, são eclipsadas para que todo incômodo e todo mal-estar surjam numa única palavra, uma única informação, num único olhar, até que eu pude me recolher novamente, não conseguindo não deixar para trás este rastro de ressentimento, esta meleca de desgosto e rancor, grudada no chão, embaixo da mesa e, num piscar de olhos, eu tenho esta coisa viva agora para cuidar, esta coisa que pulsa e aumenta, que eu tenho que matar mesmo sabendo que não irá embora sem fazer suas conseqüências – noites atrás, uma boa lembrança, de festa e conversa, agitação sem maiores efeitos (eu morro de medo das conseqüências das minhas agitações), um contato tão interessante que tem como inescapável conseqüência também me fazer recuar, tempo para que eu possa desaparecer, para que eu faça de mim mesma não mais que uma série de aparições periódicas, regulares, como pulsações de um moribundo, uma assombração que nada pode capturar – assim, a vontade de desvanecimento, de eclipse – mas ainda há espaço para Fédia e Ana, naquele terrível verão em Baden-Baden – penso que para os amigos todo o amor, que para o amor todo o amor, que para os desconhecidos toda a esperança e toda a defesa, mas e para aqueles que ficam num espaço intermediário, num meio termo, um meio terreno de invasores? percebo a raiva que se concentra no plasma do sangue, que invade pela ponta dos dedos, sustentada em detalhes que tomam o lugar do todo, do quadro maior, da cena completa, e o que fazer com esta agressividade?, quando pequena, eu estapeava outras crianças – virar então uma red-skin adulta, onde a ideologia é justificativa para fazer sangue, será a violência, de fato, sagrada?, não, a destinação desta raiva é não mais que um tremor atravessando o ar mais denso, então, o nada, a dissipação, porque, “no fundo, eu também sou um sentimental”, “e se a sentença se apresenta bruta, mais que depressa a mão cega executa, pois que senão o coração perdoa”...

6.10.07

Portrait of the Poet as Landscape

It is possible that he is dead, and not discovered.
It is possible that he can be found some place
In a narrow closet, like a corpse in a detective story,
Standing, his eyes staring, and ready to fall on his face...

We are sure that from our real society
He has disappeared; he simply does not count,
Except in the pullulation of vital statistics -
Somebody's vote, perhaps, an anonymous taunt
Of Gallup poll, a dot in a government table -
But not felt, and certainly far from eminent -
In a shouting mob, somebody's sigh.

O, he who unrolled our culture from his scroll -
The prince's quote, the rostrum-sounding roar -
Who under one name made articulate
Heaven, and under another the seven-circled air,
Is, if he is at all, a number, an x,
a Mr Smith in a hotel register -
Incognito, lost, lacunal.

A. M. Klein
[In "Negociando com os mortos", Margaret Atwood]

Leituras bizarras...

"A local" era usada desde 1884, injetada no músculo, em determinados nervos, na medula ou simplesmente passada na superfície do olho, da língua ou do nariz. O poder mágico da cocaína foi famosamente explorado pelo vienense Carl Koller (1857-1944), cirurgião de olhos. Se Freud não tivesse saído de férias com sua noiva, na ocasião, teria se tornado um aclamado pioneiro anestesista e poupado ao mundo muita introspecção angustiosa.

A Assustadora História da Medicina, Richard Gordon

Duas Mulheres

O samba malandro: Mart'nália
A dignidade do samba: Teresa Cristina

[http://www.martnalia.com.br/]
[http://www.teresacristinaesemente.com.br/]

30.9.07

Kagemi, do grupo Sankai Juku





- Kage = sombra; Mi = ver

-“Kagemi – Para além das metáforas do espelho”

- O rosto branco dos atores japoneses e a boca aberta sem som. O riso aberto sem som. A mancha vermelha. A alegria maníaca.

- A perturbação do próprio espetáculo ligou-se à outra, de anos atrás, de um filme de ficção científica com estranhos homens altos e cerimoniosos, muito pálidos, com longas vestes que iam até o pescoço (e ficções científicas, para além dos "efeitos especiais" são perturbações do tempo: se há suposição sobre o futuro, há indagação sobre a eternidade e a morte).

- Há solenidade em cada gesto, apontando que o corpo é sempre sagrado. O corpo e também a morte (o branco é a cor dos rituais de luto no Japão) são sagrados, lentificados, acalmados a ponto de desconfiarmos se o que vemos não são estátuas saindo à vida, ao contrário de humanos num tempo de morte. Mas os pulsos dizem, a pulsação diz, a respiração diz.

- A solenidade, a lentidão, o questionamento sobre a morte, tudo traz inquietação, desgaste. Como é possível que o corpo aceite tal imobilidade? Como é possível que o corpo faça tamanho silêncio?

- Contemplação, mas não interação; sincronia, mas sem contato - será individualidade? ou desaparecimento?

- A referência do homem é a natureza; por isso, lá no alto, o campo de flores que vemos por baixo, por suas raízes. Suspensa, leve, a natureza interior trazida à tona.

- Sobre o teatro butoh: http://dancasdomundo.no.sapo.pt/butoh.htm

Sobre o suicídio

Para além do trabalho da pulsão de morte, silencioso ou barulhento, há um termo que quase nunca visita seus discurso: “suicídio”. Os sinônimos, entretanto, são vários: “fazer uma besteira”, “aqueles pensamentos ruins”, “acabar com tudo”, “dormir e não acordar mais” – como se houvesse um medo de, uma vez pronunciada esta palavra maldita, o compromisso com a morte se tornasse real.

Alguns falam tanto em se matar que quase não se acreditam mais. A morte se torna um termo de negociação, de barganha com a vida e barganha com o outro. Mas esta é uma ameaça, claro, que não se paga para ver. Outros parecem assustados consigo mesmo, espantados por terem considerado esta possibilidade, mais espantados ainda por estarem comunicando-a a outra pessoa. Nunca haviam pensado que a dor poderia chegar a tal nível, que estar vivo implica a possibilidade de morrer uma outra morte. Mas mesmo este susto não significa que não tentarão outras vezes.

Há, ainda, uma outra fala, um outro discurso. Um discurso racionalizado, filosófico, sem afeto, quase que uma equação, onde nós precisamos supor a dor e o sofrimento. A pergunta desta vez, que eles fazem e pela qual esperam nossa resposta é: há alguma razão para viver? há alguma razão para continuar vivendo? há alguma razão para manter-se vivo? Seus argumentos são lógicos, quase sem falhas: “o outro não vive em mim, ele não vive por mim; ele quer que eu continue vivo apenas por ele mesmo e não por mim; apenas eu conheço a minha vida, apenas eu conheço o meu limite e apenas eu sei quando ele é ultrapassado – minha decisão é legítima”. Intervenções de ordem moral não valem aqui.

Me fica a impressão de que, por trás do argumento racional (onde o sofrimento está congelado), há um medo terrível desta mesma morte que se diz desejar - transformar a morte em parte de um discurso razoável pode torná-la aceitável até, buscar exercer um controle que diminuirá o horror absoluto. A troca é: “abrirei mão de uma vida mais longa – um pouco mais, ou muito mais, não vou saber – por uma morte absolutamente consciente, uma morte sob meu controle.’”

Eles temem não serem absolutamente coerentes: “se eu sofro para além do meu limite, por que continuar vivo?” Agem como se fizessem parte de uma confraria secreta, de membros que se reconhecem pelo modo de andar, que estão sob um mesmo signo, de um mesmo destino – que pode ser realizar ou não. Parecem dizer que há algo demasiado indigno em estar vivo, em estar sob estas condições (sofrimento, desconhecimento do futuro, perdas constantes, envelhecimento), que ter consideração consigo mesmo é procurar a morte. Sentem estar protegendo a dignidade da vida, de sua vida, de si mesmos – serão dignos, não estando mais vivos.

4.9.07

esse outro


Quem é, pois, esse outro a quem sou mais apegado do que a mim, já que, no seio mais consentido de minha identidade comigo, é ele que me agita?

Lacan - A instância da letra no inconsciente ou a razão desde Freud

7.8.07

"A CNT (Confederação Nacional do Trabalho) constitui-se na Espanha em 1 de novembro de 1910 por resolução do Congresso Operário reunido no Salão de Belas Artes de Barcelona, que expressou sua vocação de federar o proletariado espanhol em uma única organização definitiva por uma posição claramente anarco-sindicalista.

Para os anarco-sindicalistas, são os próprios operários que, mediante a ação direta e prática da solidariedade, têm de emancipar-se da exploração capitalista e da opressão do Estado. Propõem a reorganização da sociedade sobre as bases do Comunismo Libertário, quer dizer, a livre federação dos indivíduos que realizaram a coletivização da produção, apoiando-se nesse ideal proclamado por Ricardo Mella: 'A liberdade como base, a igualdade como meio, a fraternidade como fim'.

A CNT é alvo de constante repressão. Declarada ilegal em 1911, passa à clandestinidade até 1914. Mas sua influência vai crescendo apesar do assassinato de seu secretário-geral Evelio Boal, de Salvador Segui (Noi del Sucre), e também de centenas de militantes anônimos. A instauração da ditadura de Primo de Rivera em 1923 obriga novamente a CNT a passar à clandestinidade até 1931.

[A república é proclamada em 1931, sem que isso resolva a situação dos trabalhadores.]

Antecipando-se às eleições de 1936, os partidos de esquerda unem-se numa Frente Popular. Para o Movimento Libertário, o único objetivo é a libertação dos 30.000 presos políticos vítimas das insurreições precedentes: quase todos são anarco-sindicalistas.

Assim, pela primeira vez, a CNT não lança sua palavra de ordem 'Não votar' e alguns de seus militantes, pela primeira e última vez em suas vidas, vão votar.

Ganha a esquerda.

O povo de Barcelona aguarda diante do cárcere Modelo a saída dos presos, já que a Frente Popular prometeu a libertação dos mesmos.

Os presos saem, mas continua a luta, sem ilusões quanto às manobras dos políticos.

Em maio de 1936, a CNT reúne-se em Congresso Nacional em Zaragoza. Dele participam 649 delegados representando 982 sindicatos. Elabora-se o conceito confederado de Comunismo Libertário.

Diante do aumento da combatividade operária, a reação essencialmente militar e falangista inicia a preparação de um golpe de Estado, verdadeira contra-revolução preventiva.

José Antonio Primo de Rivera, chefe da Falange, os generais Mola, Franco e Goded preparam-se para varrer uma república culpada, segundo eles, por não controlar o movimento revolucionário.

Nas Cortes, o monarquista Calvo Sotelo proclama: "Se o facismo é a ordem, sou facista".

A CNT não vacila: ou facismo, ou revolução."

CNT, A Guerra Civil Espanhola nos documentos libertários




A flexinsegurança
Boaventura de Sousa Santos

Vivemos um tempo em que a estabilidade da economia só é possível à custa da instabilidade dos trabalhadores, em que a sustentabilidade das políticas sociais exige a vulnerabilidade crescente dos cidadãos em caso de acidente, doença ou desemprego. Esta discrepância entre as necessidades do “sistema” e a vida das pessoas nunca foi tão disfarçada por conceitos que ora desprezam o que os cidadãos sempre prezaram ou ora prezam o que a grande maioria dos cidadãos não tem condições de prezar.

Entre os primeiros, cito emprego estável, pensão segura e assistência médica gratuita. De repente, o que antes era prezado é agora demonizado: a estabilidade no emprego torna-se rigidez das relações laborais; as pensões transformam-se na metáfora da falência do Estado; o serviço nacional de saúde deixa de ser um benefício justo para ser um custo insuportável.

Entre os conceitos agora prezados, menciono o da autonomia individual. Este conceito, promovido em abstrato para poder surtir os efeitos desejados pelo “sistema”, esconde, de fato, dois contextos muito distintos: os cidadãos para quem a autonomia individual é uma condição de florescimento pessoal, a busca incessante de novas realizações pessoais; e os cidadãos para quem a autonomia individual é um fardo insuportável, que os deixa totalmente vulneráveis perante a adversidade do desemprego ou da doença, e que, em casos extremos, lhes dá opção de escolher entre os contentores do lixo do bairro rico ou pedir esmola nas portas do metrô.

No domínio das relações laborais está a emergir uma variante de conceito de autonomia. Chama-se flexigurança. Trata-se de aplicar entre nós (em Portugal) um modelo que tem sido adoptado com êxito num dos países com maior protecção social da Europa, a Dinamarca. Em teoria, trata-se de conferir mais flexibilidade às relações laborais sem pôr em causa a segurança do emprego e do rendimento dos trabalhadores. Na prática, vai aumentar a precarização dos contratos de trabalho num dos países na Europa onde, na prática, é já mais fácil despedir.

Não vai haver segurança de rendimentos, porque, enquanto o Estado providência da Dinamarca é um dos mais fortes da Europa, o nosso é o mais fraco; porque o subsídio de desemprego é baixo e termina antes que o novo emprego surja; porque o carácter semiperiférico da nossa economia e o pouco investimento em ciência e tecnologia vai levar a que as mudanças de emprego sejam, em geral, para piores, não para melhores, empregos; porque a percentagem dos trabalhadores portugueses que, apesar de trabalharem, estão abaixo do nível de pobreza, é já a mais alta da Europa; porque o fator de maior vulnerabilidade na vida dos trabalhadores, a doença, está a aumentar através da política de destruição do serviço nacional de saúde levada a cabo pelo Ministro da Saúde; porque os empresários portugueses sabem que dos acordos de concertação social só são “obrigados” a cumprir as cláusulas que lhes são favoráveis, deixando incumpridas todas as restantes com a cumplicidade do Estado.

Enfim, com a flexigurança que, de fato, é uma flexinsegurança, os trabalhadores portugueses estarão, em teoria, muito próximos dos trabalhadores dinamarqueses e, na prática, muito próximos dos trabalhadores indianos.

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Sempre que há uma ameaça aos direitos trabalhistas sendo declarada em alto e bom som, sem que ninguém se espante, é bom lembrar da CNT e seus mortos.

21.7.07

O acidente da TAM, a mídia e o psicanalista...

Do site "Imprensa Marrom" (http://www.imprensamarrom.com.br/):

"A seguir, seleciono alguns trechos do que saiu na mídia, tudo com meus comentários em seguida:

17/07 - Folha Online, “Pensata”, Eliane Cantanhêde“Quando vai ser o próximo? - A cada nova crise nos aeroportos, a cada novo movimento dos controladores, a cada derrapada de avião, a cada pane no sistema de rádio ou nos radares, uns sempre diziam e outros sempre pensavam: “Quando vai ser o próximo acidente?” (…) As circunstâncias eram todas desfavoráveis: chovia, a pista estava escorregadia, a reforma mal (em duplo sentido) terminou e, afinal das contas, não pode ser pura coincidência que o maior acidente da história acontecer exatamente em Congonhas, no dia seguinte à derrapagem de um pequeno avião da Pantanal.”

Eliane não esperou para escrever; seu texto foi publicado no mesmo dia do acidente (17/07). A morte de tantas pessoas, sem dúvida, mexe com a emoção de todos. Mas não se pode publicar um texto, tratando de questão eminentemente técnica, sem pelo menos um mínimo de apuração.

Na pressa de culpar a pista, Eliane diz que “não pode ser pura coincidência” o fato de ter havido uma derrapagem no mesmo aeroporto, no dia anterior. E como a jornalista explica o fato de que um avião da TAM, exatamente um Airbus, ter pousado com sucesso cinco minutos antes do acidente, na mesmíssima pista (e tantos outros aviões que pousaram sem qualquer problema)? Isso sim é que “não pode ser pura coincidência”.

Continuemos:

19/07 - Folha de São Paulo, “Cotidiano”, Francisco Daudt - psicanalista e colunista da “Revista da Folha”“O Que Ocorreu Não Foi Acidente, Foi Crime - Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, “GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS”. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime. (…) Sinto pena de não ter estado na abertura do Pan, de não ter engrossado aquelas bem merecidas vaias. Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós (…) O governo sairá da inação, da omissão criminosa? Alguém será preso, punido por todas essas coisas? Infelizmente, duvido. Talvez condenem a mim, por ter deixado o coração explodir. Pagarei o preço alegremente”

Se o psicanalista se meteu a ser “expert” em aviação, sinto-me no direito de tentar analisá-lo. Que negócio é esse de ter a “dor amenizada por uma manchete que estampasse (…) GOVERNO ASSASSINA MAI DE 200 PESSOAS”?

O articulista sentiria menos dor? Isso resolveria parte de seu problema? Não sei se é preciso ser freudiano, lacaniano, ou algum “ano”, para notar que o articulista fala menos em fatos e mais em sentimentos.

Quanto ao episódio das vaias, ele sente “pena de não ter estado na abertura do Pan”. E ao chamar o Bolsa-Família de Bolsa-Esmola, claro, deixa claríssima sua posição nas trincheiras partidárias. Não precisaria disso, mas o forte de Daudt não é seu estilo.

Por fim, diz que pagará “alegremente” o eventual preço de ser preso, por conta do que dissera em seu artigo. Viram só? Primeiro, ele teria sua dor amenizada por uma manchete. Depois, sentiu pena por não ter vaiado Lula e diz que pagaria o preço (de uma condenação) com alegria.

Sentimentos, e não fatos. Opiniões pessoais, praticamente íntimas. E não há nada mais íntimo que um sentimento, ora pois! O maior jornal do país, na hora de analisar um triste fato repleto de circunstâncias técnicas, usa como articulista alguém que não emite apenas sua “opinião”, mas sim expõe “sentimentos” e predileções e oposições político/partidárias.

E o psicanalista (que definitivamente não é jurista) se coloca numa situação complicada, ao dizer que não houve acidente, mas sim um “crime”. Imputou um crime, portanto, a alguém.

Mais um trechinho (na verdade, um post “na íntegra”):

19/07 - Veja, blog do Reinaldo Azevedo“Crime Estratégico - Todo o dinheiro gasto pelo governo federal no aeroporto de Congonhas, e não foi pouco, evidencia a falta de planejamento na área. Na ponta do lápis, Congonhas deveria ser paulatinamente desativado. Em vez disso, resolveram incrementá-lo. Investiu-se na suntuosidade do prédio, embora as pistas sejam universalmente reconhecidas como inseguras. Nunca antes nestepaiz…”

Ressaltemos apenas o último trecho: “AS PISTAS SEJAM UNIVERSALMENTE RECONHECIDAS COMO INSEGURAS”. Hm… “Universalmente”? A qual “universo” Reinaldo se refere?

Vejamos o que publicou HOJE, em seu blog, Fernando Rodrigues (Folha de São Paulo):

“Parecer Técnico do IPT Não Encontra Problemas Na Pista Principal de Congonhas - O parecer técnico parcial nº12792-301-ii realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) na pista principal do aeroporto de Congonhas não identificou restrições ao uso da mesma. O documento é datado de ontem (19/07/2007). O resultado desse parecer é baseado, entretanto, em dados coletados até o dia 18 de julho de 2007 e também antes do acidente de terça-feira.”

E agora, Reinaldo Azevedo? Os técnicos do IPT, do Governo do Estado de São Paulo, que é gerido pelo PSDB, emitiram parecer segundo o qual não há problemas na pista principal. Repita-se: NÃO HÁ PROBLEMAS.

O blogueiro, à medida que surgia algum novo dado que prejudicava o uso oposicionista do acidente, dizia ter apenas uma única certeza: a pista seria imprópria para o pouso na chuva. Agora vem o IPT, órgão de um governo estadual do PSDB, e diz que a pista não tinha problema algum.

De um lado, Reinaldo Azevedo, sem sair de sua cadeira e formado em letras e jornalismo; de outro, técnicos do IPT, com formação técnica adequada, que visitaram o local e realizaram exames e análises. Quem parece mais qualificado para falar sobre a qualidade da pista?
Pois é… Mas temos o seguinte: de seu lado, Reinaldo fala em um conhecimento “universal”. Já os técnicos do IPT, mediante os procedimentos adequados, emitem um parecer sem esses adjetivos todos. A comparação não é apenas desigual. É desleal.

Depois das notícias sobre o problema com o “airbus”, bem como diante desse parecer do IPT, fica muito frágil a tese (que parecia lógica e claríssima, na emoção do momento) da pista como fator predominante (ou mesmo exclusivo) para o acidente.

Mas uma parcela considerável da mídia, antes de explicar e analisar, preferiu partir para o discurso político/partidário. O psicanalista citado, por exemplo, reuniu no texto uma série de escândalos que não têm relação entre si, falou até das vaias da abertura do Pan, para dizer que afinal de contas houve um “crime”. É um sofisma partidário de péssimo gosto (e detestável qualidade intelectual).

Nada disso diminui a dor das famílias que perderam seus entes queridos, tanto menos trará de volta aqueles que se foram no terrível acidente. A imprensa deveria deixar o populismo de lado nessas horas; e isso também vale para seus articulistas menos preocupados com a isenção.

Depois de um acidente desse tipo, qualquer um sabe muito bem o que o “povo quer ler”. O povo quer um culpado para ser apedrajado, o povo quer gritar em protesto contra alguém. O mais fácil – e leviano – a se fazer é oferecer um suposto algoz para que todos o malhem. Isso vende jornal, isso faz com que o texto seja reproduzido em N e-mails, isso sacia a quase escatológica sanha de uma parcela da população.

O mais difícil e correto, porém, é esperar laudos e demais fatores para começar a emitir algum tipo de juízo de valor minimamente adequado. Fernando Rodrigues deu uma aula de jornalismo para alguns colegas da Folha, e mostrou com muita clareza quão diferente é seu ofício daquele praticado por Reinaldo Azevedo.

E o psicanalista… Bom, esse daí só nos fez entender aquele negócio de que tais profissionais devem permanecer calados, aguardando o desenrolar dos fatos, a fim de colher elementos bastantes para uma análise razoável."

1.7.07

Clientes Especiais

Clientes Especiais
Maria Rita Kehl (especial para a Folha de São Paulo)

Antes de mais nada, como já se notou, existe o viés social.

De um lado existem "jovens" que ocasionalmente cometem atos delinqüentes. É o caso de Júlio, Leonardo e seus colegas, espancadores da Barra [cinco acusados de agredir e roubar uma empregada doméstica na zona oeste do RJ no domingo passado]. Inspiram-nos cuidado semelhante ao que dispensamos aos nossos filhos. Tentamos compreender: o que aconteceu? (Psicólogos são chamados a justificar.)

E existem os outros, os que já são bandidos antes de chegar (quando chegam) diante do juiz.

A execução sumária confirma, a posteriori, o veredito que a imprensa divulga sem questionar: "A polícia matou 18 "suspeitos" em confrontos com supostos "bandidos'"... Ninguém persegue o resultado das investigações sobre as tantas chacinas que caem no esquecimento.

O que distingue uns dos outros é o número do CEP: na Barra, nos Jardins [em SP], no Plano Piloto [em Brasília] vivem os jovens.

Os outros, adultos anônimos desde os 14, vêm de bairros que não figuram no mapa: "Periferia é periferia em qualquer lugar".

Qualquer delegado de bom senso percebe na hora a diferença. Se a cor da pele confirmar o veredito, melhor. A sociedade, representada pelo dr. Ludovico Ramalho, pai de Rubens Arruda, se tranqüiliza: as travessuras dos "jovens", adultos infantilizados das classes A e B, não ameaçam a segurança da gente de bem.

Espancaram uma doméstica, mas pensavam que fosse prostituta. Ah, bom.

Nos bairros onde vivem os jovens não há solidariedade com os chacinados das favelas, com os executados a esmo em Queimados [na noite de 31 de março de 2005, 29 pessoas foram assassinadas em diferentes pontos dos municípios de Nova Iguaçu e Queimados, na Baixada Fluminense], com os meninos abatidos na praça do Jaraguá, em SP [em 6/5, quando sete pessoas foram mortas em praça da zona norte da capital].

Os movimentos "pela paz" nunca se manifestam por eles.

Ninguém de fora
Mas, quanto mais o Brasil maltrata seus pobres, quanto mais a polícia sai impune dos excessos cometidos contra os anônimos cujas famílias não protestam por temor de represálias, quanto mais o país confia na lógica do "nós cá, eles lá", mais o gozo da violência se dissemina entre todas as classes sociais.

Para pacificar o país, seria preciso redesenhar o mapa do respeito e da civilidade de modo a não deixar ninguém de fora.

Uma sociedade que assiste sem se chocar, ou sem se mobilizar, ao extermínio dos pobres -bandidos ou não- está autorizando o uso da violência como modo de resolução de conflitos, à margem da lei.

Tomemos o ato de delinqüência cometido pelos meninos "de família" da Barra, no Rio. Que a culpa seja dos pais, vá lá. As declarações do pai de Rubens Arruda são reveladoras. Não que ele não transmita valores a seu filho.

Mas serão valores relacionados à vida pública? Não terá o dr. Ludovico educado seu filho para "levar vantagem em tudo"? Esse pai não admite que o filho seja punido pelo crime que cometeu.

Há aqueles que não admitem que a escola reprove o jovem que tirou notas baixas, os que ameaçam o síndico do condomínio que mandou baixar o som depois das 22h etc.

Olham o mundo pela ótica dos direitos do consumidor: se eu pago, eu compro. Entendem seus direitos (mas nunca seus deveres) pela lógica da vida privada, como fizeram as elites portuguesas desde a colonização.

Quem disse que os jovens não lhes obedecem? Obedecem direitinho. Param em fila dupla, jogam lixo nas ruas, humilham os empregados -igualzinho a seus pais.

Vez por outra, quando os pais precisam impor alguma interdição, já não se sentem capazes.

O que nos coloca a pergunta: que valores, que representações, no imaginário social, sustentam o exercício necessário da autoridade paterna? Em nome de que um pai ou uma mãe, hoje, se sentem autorizados a coibir ou mesmo punir seus filhos?

A autoridade não é um atributo individual das figuras paternas. A autoridade dos pais -e da escola, que também anda em apuros (quem viu "Pro Dia Nascer Feliz", de João Jardim?) -deriva de uma lei simbólica que interdita os excessos de gozo.

Uma lei que deve valer para todos. O pai que "tem moral" com seus filhos é aquele que também se submete à mesma lei, traduzida em regras de civilidade, de respeito e da chamada boa educação.

Cliente especial
Mas em nome de que, no imaginário social, a lei simbólica se transmite? Já não falamos em "Deus, pátria e família", significantes desmoralizados em nome dos quais muitos abusos foram cometidos, sobretudo no período de 1964 a 1980.

No lugar deles, no entanto, que outros valores ligados à vida pública foram inventados pela sociedade brasileira? Em nome de que um pai que diz "não pode" responde à inevitável pergunta: "Não posso por quê"?

Ocorre que a palavra de ordem que organiza nossa sociedade dita de consumo (onde todos são chamados, mas poucos os escolhidos) é: você pode. Você merece. Não há limites pra você, cliente especial.

Que o apelo ao narcisismo mais infantil vise a mobilizar apenas a vontade de comprar objetos não impede que narcisismo e infantilidade governem a atitude de cada um diante de seus semelhantes -principalmente quando o tal semelhante faz obstáculo ao imperativo do gozo.

O que queriam os rapazes que espancaram Sirlei Dias de Carvalho Pinto? Um celular usado? Um trocado para comprar mais um papel? Descontar a insegurança sexual?

"No limits", diz um anúncio de tênis. Ou de cigarro, tanto faz. E os meninos obedecem. No fundo, são rapazes muito obedientes. Se a ordem é passar dos limites, pode contar com eles.

derevo ainda...

…conventos, manicômios, prisões, a História, Salpetrière, o andar histérico ao lado do sono histérico, corpos humanos antes dos gestos humanos (gente antes de gente existir), homens-rãs, mulheres-rãs, sem sobrancelhas, feiras medievais e freiras, negociações, tocas, cães, virando cães, cadelas, pássaros, virando bicos, virando do avesso, virando ossos, virando panos, panos e águas, outras cores, um guerreiro, um pele vermelha, um apache, um samurai, duas metades, uma e outra metade não formam um outro, um inteiro, pernas que dançam sem corpos, Joana d’Arc, o nascimento de Jesus Cristo, o nascimento de larvas, larvas de gente, sem sobrancelhas, sem pêlos, sem fios de cabelo, sem sexo, só sexo, pênis como punhos fechados, raios vermelho-luminosos-neon-elétricos que saem do ânus, um longo delírio para os sãos, um pesadelo cíclico para os delirantes, um quadro de Bosh, o sol imenso, a lua dentro de um buraco, homens-ponteiro, mulheres-segundo, mãos maquínicas, mãos-rosto, sem rosto, rostos tortos, corpos tortos, sem pêlos, sobrancelhas, tremedeiras, freudianos, rabos, pernas, capuzes, panos...

[Grupo Derevo, espetáculo “Ketzal”, MIT-CCBB, Brasilia, 24 de junho de 2007]

26.6.07

Derevo - Ketzal IV

"A Morte de Marat", de Jacques-Louis David (1793)


Derevo - Espetáculo Ketzal

Derevo - Ketzal III

Detalhe de "As tentações de Santo Antônio", de Hieronimus Bosh (1500)


Derevo, Espetáculo "Ketzal"

Derevo - Ketzal II

"Marcha Patológica", Albert Londe (1885), Salpetrière

Derevo, Espetáculo Ketzal

Derevo - Ketzal I


Sobre Angra

Do site Carta Maior:

"Angra III: um alerta nuclear
BERNARDO KUCINSKI

Depois de muita hesitação, o governo finalmente optou pela retomada da construção de Angra III. Predominou a lógica dos grupos de interesse, todos favoráveis à retomada. São pela retomada os militares, fascinados pelo poder que a energia nuclear lhes traz, os industriais preocupados com o risco de um apagão, os cientistas, pelo prestígio e oportunidades novas na pesquisa e no comando do processo, os fornecedores de equipamentos e as empreiteiras, por motivos óbvios, e a população de Angra, seduzida em audiências públicas pela perspectiva de criação de alguns milhares de novos empregos de alta qualidade.

O povo, como se vê, não opinou diretamente. Nem o povo é um grupo de interesses. Não se fez um referendo, nem nada. O Congresso não foi consultado. Nenhum candidato à presidência colocara a questão nuclear em sua plataforma eleitoral. A população da Angra entra na história como grupo de interesse especifico, e não como amostragem de uma opinião pública nacional. O Ministério do Meio Ambiente se opôs em nome dos “interesses difusos” do povo, mas quem garante que o MMA representa uma opinião pública?

Nada disso é novidade. Os programas nucleares foram sempre implantados em segredo de Estado. Desde o projeto Manhattan, em plena guerra, até o reator de Dimona, no deserto do Neguev. É conhecido o DNA autoritário da energia nuclear. Pior: o formato compacto adotado, com base no urânio enriquecido, obedeceu desde o início à lógica militar: uma máquina pequena para mover submarino.

(...)

As usinas nucleares tornaram-se também usinas de mentiras: mentiram sempre e continuam mentindo sobre o problema fundamental dos rejeitos nucleares. A verdade é que até hoje não se encontrou uma solução definitiva e segura para esses rejeitos, que incluem o césio 137, o estrôncio 90, o iodo 129, elementos radioativos mortíferos e cancerígenos mesmo em doses microscópicas. Até as luvas, aventais e vassouras usadas na varrição diária têm que ser despejados em barris hermeticamente isolados. E esses barris vão se amontoando, centenas deles por mês, só em Angra, sem que ninguém saiba que destino lhes dar. Já pensaram até em enviar tudo ao espaço sideral."

Continua em: http://www.cartamaior.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=14395&alterarHomeAtual=1

17.6.07


juninas

Nos quadros mais graves, há um compromisso com uma desvalorização completa de si. Eles fizeram um acordo, um voto para a morte e buscam desfazer cada um dos vínculos estabelecidos – inclusive comigo (numa supervisão, um professor me disse: “transferência não é para entender, é para suportar”). Parecem dizer, irredutíveis e orgulhosos, que há de uma porção de imbelicidade, de idiotia na saúde, quase que de covardia. É estranha – mas muito justo, eu acho – esta sensação que me abate, às vezes, de que eles é que estão certos, de que seus sintomas, travestidos por questões individuais, são denúncias cristalizadas da amplidão de nossa miséria social.

***

Acho que vejo as coisas de um lugar infantilizado – e dizer “as coisas”, manter esta indefinição, é próprio da infância. É como um filtro, as lentes, o ponto na parede onde eu escolho abrir uma janela para ver o mundo, o olho mágico – eu vejo, sem abrir a porta – que me impede de me acostumar às responsabilidades adultas (trabalho, casamento, envelhecer) mesmo que eu esteja tentando fazer esta transição de uma maneira delicada. Este olhar, assustado, discrepante, esperançoso, eu o tenho porque me sinto frágil e ele me faz super dimensionar as experiências: vejo os encontros semanais da banda como a experiência política definitiva; vejo as reuniões de condomínio como demonstrações irrefutáveis da existência da “direita” e “esquerda” e da atualidade e urgência do embate entre estas duas; me esmero ao máximo para viver minha profissão, mas me deixa levemente chocada que alguém queira, de fato, me contratar; a fantasia e a imaginação são rotas de fuga que nunca falham; o amor faz viver várias vidas numa vida só; vou ao cinema e saio de lá me perguntando se não me transformei em outra pessoa neste meio tempo, alguém que se esconde quando eu olho no espelho, que assina nosso sobrenome com outra inclinação, eu me pareço com sua mãe, ela se parece com meu pai, usa meu rosto, mas de maneira diferente, com outras intenções, penso se não chegará o dia em que desaparecemos, juntas, dentro de uma gaveta... – e no fim, concluo, exausta, que a realidade é apenas uma possibilidade literária.

11.6.07

Vavá não é "Beijo" Vargas

Do site Conversa Afiada:

VAVÁ NÃO É “BEIJO” VARGAS
Paulo Henrique Amorim

. A mídia conservadora (e golpista) se entusiasma com a possibilidade de derrubar o Presidente Lula, por causa do irmão Vavá (Clique aqui para votar no “Índice Vamos Derrubar Lula”, o IVDL, que trata dessa questão).
. A Folha, o Globo e o Estadão deste domingo, dia 10, dedicam um número incontável de páginas e colunas para provar que o Presidente Lula tem que cair, por causa do Vavá.
. Não importa se a Polícia (Republicana) Federal, na gestão do Presidente Lula, foi quem tomou a iniciativa de investigar o Vavá e seus amigos, e recomendar a prisão de uns e o indiciamento de outros.
. Não importa se a Polícia Federal só se tornou Republicana no Governo Lula.
. Porque no Governo do Farol de Alexandria, a ação mais notável da Polícia Federal foi desmanchar a candidatura de Roseana Sarney e beneficiar a candidatura de José Serra. Quando acabou a operação, um funcionário da PF mandou um fax para o Palácio do Alvorada com a frase “missão cumprida” ...
(Clique aqui para votar na enquête que pergunta se a Policia Federal de FHC pediria o indiciamento do irmão do Presidente da República)
. Também não importa se a própria mídia conservadora (e golpista) já divulgou grampos da Polícia Federal que em que o Presidente Lula tenta impedir as atividades do irmão Vavá.
. Nada disso importa.
. A mídia conservadora (e golpista) não descansa, enquanto não derrubar o Presidente Lula.
. É o que fez a mídia conservadora (e golpista) com Vargas, JK, Jango, e Brizola, no Rio, duas vezes.
. A mídia conservadora (e golpista), agora, vai tentar ressuscitar “Beijo” Vargas, o irmão de Vargas.
. A certa altura do “inquérito” do Galeão, presidido pelo patrono da mídia golpista, Carlos Lacerda, “Beijo” foi convocado a depor.
. Só quem poderia convocar os depoentes seria o coronel-aviador Ademar Scaffa, subcomandante da Base do Galeão.
. Ele não convocou.
. Mas “Beijo” foi convocado a depor.
. Quem convocou “Beijo”?
. Não se sabe.
. Provavelmente, Carlos Lacerda, que, hoje, como se sabe, reencarnou, sob diversas formas, no Globo, no Estadão, e na Folha.
. “Beijo” foi acusado de diversas falcatruas, além de ser lançado às sombras suspeitas do atentado da Rua Toneleros, aquele em que Lacerda apareceu com a perna enfaixada sem ter levado um tiro na perna...
. (Sobre a “intimação” de “Beijo”, recomendo a leitura de “1954: Um Tiro no Coração”, de Helio Silva, editora L&PM, pág. 214.)
. Dessa vez, em 1954, a mídia conservadora (e golpista) conseguiu o que queria.
. Vargas deu um tiro no peito.
. E Lacerda fugiu.
. Com medo da multidão que levou o corpo de Vargas do Catete ao aeroporto Santos Dumont e, de lá, a São Borja.
. Antes de se lançar candidato à Presidência, Vargas teve uma conversa com Samuel Wainer.
(De novo, a fonte é “1954”, pág. 178.)
. Vargas perguntou a Wainer qual seria o comportamento da grande imprensa com relação à sua campanha.
. Wainer respondeu que ficaria toda contra.
. Vargas disse: “Não preciso da imprensa para ganhar”.
. Wainer respondeu: “Mas, para perder, ela ajuda muito”.
. Essa campanha golpista da mídia conservadora não tem nada de novo, por aí se vê.
. Só que Lula não é Vargas.
. Nem Vavá, o Beijo.
. Nem o Brasil de 2007 é o mesmo de 1954.
. Quem não mudou foi o Carlos Lacerda. Está vivíssimo.

28.5.07


"Rafael Barrios, café Quito, rua Bucareli, México, DF, maio de 1977. Que fizemos os real-visceralistas quando Ulisses Lima e Arturo Belano se foram: escrita automática, cadáveres requintados, performances de uma pessoa só sem espectadores, contraintes, escrita a duas mãos, a três mãos, escrita masturbatória (com a direita escrevemos, com a esquerda nos masturbamos, ou ao contrário, no caso de quem é canhoto), madrigais, poemas-romances, sonetos cuja última palavra é sempre a mesma, mensagens de apenas três palavras escritas nas paredes ("Não agüento mais", "Laura te amo" etc.), diários desmedidos, mail-poetry, projective verse, poesia convencional, antipoesia, poesia concreta brasileira (escrita em português de dicionário), poemas policiais em prosa (com extrema economia se conta uma história policial, a última frase a esclarece ou não), parábolas, fábulas, teatro do absurdo, pop art, haicais, epigramas (na realidade, imitações ou variações de Catulo, quase todas de Moctezuma Rodriguez), poesia-desesperada (baladas do Oeste), poesia georgiana, poesia de experiência, poesia beat, apócrifos de bp-Nichol, de John Giorno, de John Cage (A year from Monday), de Ted Berringan, do irmão de Antoninus, de Armand Schwerner (The tablets), poesia letrista, caligramas, poesia elétrica (Bulteau, Messagier), poesia sanguinária (três mortos no mínimo), poesia pornográfica (variantes heterossexual, homossexual e bissexual, independentemente da inclinação particular do poeta), poemas apócrifos dos nadaístas colombianos, horazerianos do Peru, catalépticos do Uruguai, tzanticos do Equador, canibais brasileiros, teatro nô proletário... Até publicamos uma revista... Nos mexemos... Nos mexemos... Fizemos tudo que pudemos... Mas nada ficou bom."

"Os detetives selvagens", de Roberto Bolaño

tambor foucaultiano

Minha irmã me ouviu tocar e disse: “Vi na hora que você estava viajando”. Sem saber, minha irmã percebeu mais que qualquer um.

Assim que o ensaio alcança uma estabilidade, aquele momento em que a música acontece de maneira mais fluida e, mais que o regente, são os instrumentos que chamam-se uns aos outros, é quando eu começo a olhar para cima (as árvores, os pára-quedistas do parque, o centro de convenções; se for noite, o céu) e alço meu vôo particular.

Condição de estar lá é não estar completamente. A música me faz distante. São exatamente as pancadas do surdo que me tranqüilizam, a um preço justo, módico: o distanciamento. Meus pensamentos se transformam em som, em batidas reverberantes, em vibrações, em ecos que se perdem. Estranhamente, nunca serão tão claros quanto nos ensaios de uma banda de percussão com mais de cem membros. Vejo meus pensamentos; enquanto música, eles não se tornam imagens, mas, ainda assim, se tornam visíveis.

Dos 125 músicos, quero ser a última. Fazer parte das vidas anônimas, das sombras que se perdem no fim da multidão, dos sons que desfazem as formas, “fundir-se aos mortos e aos sobreviventes”. Qualquer luz individual me irrita agora; numa banda desta, o destaque, a diferenciação, se positivo para um, é negativo para o conjunto. Leio em “A vida dos homens infames”, de Foucault:

“Pretendi também que estas personagens fossem elas mesmas obscuras; que nada as tivesse predisposto a uma qualquer notoriedade; que não tenham sido dotadas de nenhuma das grandezas como tal estabelecidas e reconhecidas – as do nascimento, da fortuna, da santidade, do heroísmo ou do gênio; que pertencessem àqueles milhões de existências que estão destinadas a não deixar rastro (…)”

Mesmo a mais radical noção de “coletivo” é transformada após esta experiência – e toda a sintonia e sincronia arduamente buscada, mas que deve ser apresentada como natural (o pom equilibra-se ao pim, os repiques sustentam os ritmos, a dobras dobram juntas), desfaz-se quando o campo é o campo da palavra. E, de repente, uma experiência musical torna-se uma experiência política (talvez nunca tenha deixado de ser).

Em meu dicionário pessoal, "moralização" quer dizer querer se tornar dono do discurso do outro, eleger-se como juiz mais indicado para julgar aquela fala que não é sua. Moralizar quer dizer lutar para encarcerar os discursos através da desqualificação dos falantes, ignorando que os discursos devem circular livremente e que, mesmo quando mais arduamente combatidos, eles ainda escorregam pelas proibições. Claro que, individualmente, não pára de crescer a pilha de cadáveres dos que morreram por esta única e exclusiva causa: o amordaçamento radical.

Todos os discursos são legítimos, mesmo aqueles que não são – eis meu credo. Deve-se fortalecer não o poder de silenciá-los, mas a capacidade de escutar e responder a eles. Nenhuma censura é aceitável. Não existe um momento em que a censura seja positiva.

Ao mesmo tempo, nem todas as falas merecem resposta – treino em falar apenas aquele mínimo no qual acredito, esperando que as palavras possam criar uma rede que me sustente, que seu uso parcimonioso me proteja, mas sem ignorar sua falha: a multiplicação infinita de sentidos e sua adesão, imediata, aos discursos que circulam sem dono.

19.5.07

Lit-eróticos...

“Muito cedo em minha vida ficou tarde demais. Quando eu tinha dezoito anos já era tarde demais. Entre dezoito e vinte e cinco anos meu rosto tomou uma direção imprevista. Aos dezoito anos envelheci. Não sei se é assim com todos, nunca perguntei. Creio que alguém já me falou dessa investida do tempo que às vezes nos acomete na primeira juventude, nos anos festejados da vida. Esse envelhecimento foi brutal. Eu o vi apossar-se dos traços um a um, alterar a relação que havia entre eles, aumentando o tamanho dos olhos, fazendo mais triste o olhar, mais definida a boca, marcando a testa com rugas profundas. Não tive medo e observei o envelhecimento do meu rosto com o interesse que teria dedicado a uma leitura. Sabia também que não estava enganada, que um dia ele ficaria mais lento, tomando seu curso normal. As pessoas que haviam me conhecido à época de minha viagem à França, quando eu tinha dezessete anos, ficaram impressionadas quando me reviram dois anos mais tarde, com dezenove. Aquele rosto, novo, eu o conservei. Foi o meu rosto. Envelheceu também, é claro, mas relativamente menos do que devia. Tenho um rosto lacerado por rugas secas e profundas, sulcos na pele. Não é um rosto desfeito, como acontece com pessoas de traços delicados, o contorno é o mesmo mas a matéria foi destruída. Tenho um rosto destruído.”
Marguerite Duras, “O amante”

(Em algum lugar de “O tempo redescoberto”, Proust ataca as pessoas que relem, que ouvem novamente, que repetem suas experiências estéticas. Diz ele que tais pessoas abrem mão de algo muito especial, ao re-fazer: a memória, o processo de buscar, no fundo, as lembranças decantadas. A segunda – ou terceira, ou quarta – leitura abafaria esta lembrança daquilo que sentíamos na leitura inicial. Não sinto isso com este livro, “O amante”, de Marguerite Duras. Em todas as leituras, reencontro a mesma força, original, de quando o li pela primeira vez. Não consigo ler os outros livros de Duras, eles me parecem enjoativos, como um perfume muito forte, ou quase que desnecessários, doses mais fracas daquilo que está em estado bruto em “O amante”. A minha primeira leitura é sempre sôfrega, ansiosa, não respeita o tempo de um livro. As leituras seguintes são leituras de calma e espanto, juntos. São leituras de reencontro. Esta frase, “Muito cedo em minha vida ficou tarde demais”, ainda me espanta, ainda me prende no exigente exercício que é imaginar esta transgressão tão radical do tempo, imaginar o tempo se condensando, em gotas, no rosto de Marguerite Duras...)

tambor lacaniano

o regente é o pai que instaura a lei entre dezenas de mulheres. a lei é instaurada em língua própria: pra-ga-dá tu-gu-dum pra-ga-dá tu-gu-dum cha-cha cha-cha. isso é sofejar, cantar na voz humana a voz do instrumento. “tam-bor”, diz alguém, separando bem as sílabas, “já está aí, ‘eu vou tocar tam-bor’, é só você ouvir...”

o nome-do-pai é giba ou tutuca – onomatopéico? o nome próprio, o próprio nome-metonímia... entre o surdo e o repique, ele deve “opor a vertigem do aceleramento à vertigem do retarde”, a ordem dos instrumentos ao transe do corpo. (me faz pensar que a diferença entre ordem e obsessão é que a primeira é uma busca estética, um sentido de beleza muito específico, enquanto que a segunda é um evitar da angústia.)

o par de surdos é descendente direto dos tambores sagrados dos rituais religiosos. as batidas vão vibrando nos instrumentos, nas pernas, na caixa torácica, na cabeça, nos fios de cabelo, nas unhas até que a própria respiração se torne, ela também, marcação de tempo e contratempo.

13.5.07

23.4.07


A viagem rejuvenesce as coisas e envelhece a relação consigo.
Michel Foucault, A História da Sexualidade II: O uso dos prazeres

20.4.07

Franklin ganha ação contra Mainardi em 1ª instância

Da folha online: http://www1.folha.uol.com.br/folha/colunas/brasiliaonline/ult2307u149.shtml

"Franklin ganha ação contra Mainardi em 1ª instância
Kennedy Alencar

O ministro da Secretaria de Comunicação Social, Franklin Martins, obteve vitória em primeira instância judicial contra o jornalista da revista "Veja" Diogo Mainardi. Em processo por danos morais na 2ª Vara Cível do Rio de Janeiro, Mainardi foi condenado a pagar R$ 30 mil ao ministro.

O jornalista da revista acusara Franklin de ter beneficiado parentes na contratação pelo serviço público e de ter participado da quebra do sigilo do caseiro Francenildo Costa --este episódio resultou na queda de Antonio Palocci Filho do Ministério da Fazenda no início de 2006.

Mainardi tem o direito de recorrer da sentença."

Com a paranóia habitual, de dar inveja a Olavo de Carvalho, Reinaldo de Azevedo criou uma teia de intrigas para justificar o fato de Kennedy Alencar ter dado a notícia antes dele, para quem quiser ler: http://www1.folha.uol.com.br/folha/pensata/ult511u298.shtml

18.4.07

... estávamos, então, finalmente lado a lado, apesar da minha timidez agir atrasando a colisão já em andamento, paralisando o salto – o corpo estacionando no ar antes de bater no chão –, então ela disse alguma coisa, sei que disse alguma coisa porque abriu a boca moveu os lábios apresentou uma fileira infinita de dentes bem brancos apertou o olho direito e me olhou apenas com o esquerdo a sobrancelha subiu, fazendo um arco triangular, sei que disse alguma coisa e exatamente neste momento um grande silêncio aconteceu dentro da minha cabeça, o silêncio das coisas dispersas, antes do verbo prendê-las em sua rede, fui entrando num filme lento e mudo, o silêncio me fazendo pensar, pensar exatamente nos dentes brancos, muito brancos mesmo, quase como se não fossem coisa humana, e eram tantos! como caberiam todos ali dentro?... faziam uma curva sensível e se perdiam na escuridão, quis contá-los enquanto a boca ia se movendo cada vez mais devagar e, dentro do olho esquerdo, parecia luzir uma chama de conhecimento, de consciência, como se o olho dissesse: ‘sim, sim, eu sei, não há como negar, eu até acho graça, não é possível esconder’. soube, neste instante, que estava perdida.


30.3.07

No Brasil, até as coisas certas...

... são feitas de maneira errada. E pelas pessoas erradas.

Do site: Imprensa Marron (http://imprensamarrom.com.br/?p=594)

"A imprensa política está em polvorosa! Finalmente, aconteceu alguma coisa aparentemente relevante. O único problema é que os leitores/ouvintes/telespectadores nem sempre ficam sabendo EXATAMENTE do que se trata.

Vejamos, por exemplo, o UOL. A manchete dada ao “fato do momento” é a seguinte: “TSE Decide que Mandato Pertence ao Partido e Não ao Candidato Eleito”

Ora… “decide”? Que “decisão” foi essa?

Seguinte: NÃO HOUVE PROCESSO ALGUM. Não há “coisa julgada”. Não vale, portanto, como “jurisprudência”. O TSE simplesmente respondeu a uma consulta feita pelo PFL (atual DEM).
Até aí, parece que as coisas estão mais ou menos claras, certo? Erradíssimo! O TSE não tem competência para julgar a cassação de nenhum parlamentar. Quem julga é o STF ou o TJ.

Vamos por partes, o assunto é bem complicado.

Sobre a “Decisão”O TSE não “decidiu” nada, mas única e exclusivamente respondeu a uma consulta. Não se trata de um processo, um caso concreto, ou algo que tenha valor jurisprudencial ou força normativa.

Nada disso. Para piorar, o TSE se manifestou sobre matéria que não é de sua competência.

(Artigos referentes ao assunto no códio eleitoral)

Ou seja, como é mais do que óbvio, o TSE trata de ELEIÇÕES, não de mandatos. Depois de diplomado, o Parlamentar passa a ser julgado pelo STF (ou pelo TJ), e não pelo Tribunal Eleitoral.

A resposta à consulta, portanto, é mais ou menos inócua, já que o TSE não tem competência para decidir acerca daquilo que respondeu. Se algum partido pretende, em cima disso, ‘reaver mandatos’, é preciso procurar o STF ou o TJ, e não o TSE ou TRE.

Vejamos o que diz a Constituição Federal:

“Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 35, de 2001)
§ 1º Os Deputados e Senadores, desde a expedição do diploma, serão submetidos a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal” (grifo nosso)

Ora, resta claríssimo e mais do que expresso que a competência é do STF e não do TSE, para julgar um parlamentar já diplomado.

O Mandato é do Parlamentar, Não do Partido e a “Troca de Partidos” Não é Motivo Para a Perda de Mandato

Sem delongas, vejamos os termos da Constituição Federal:

“Art. 55. Perderá o mandato o Deputado ou Senador:
I - que infringir qualquer das proibições estabelecidas no artigo anterior;
II - cujo procedimento for declarado incompatível com o decoro parlamentar;
III - que deixar de comparecer, em cada sessão legislativa, à terça parte das sessões ordinárias da Casa a que pertencer, salvo licença ou missão por esta autorizada;
IV - que perder ou tiver suspensos os direitos políticos;
V - quando o decretar a Justiça Eleitoral, nos casos previstos nesta Constituição;
VI - que sofrer condenação criminal em sentença transitada em julgado.”

Em primeiro lugar, a Lei Maior diz, expressamente, que o mandato É DO PARLAMENTAR. Afinal, só pode “perder algo” aquele que “tem” esse algo. E o texto é claríssimo. Não falam em “partido perder o mandato” ou “o parlamentar perder o mandato de seu partido”.

A redação é simples e direta: “perderá o mandato o deputado ou senador…”. Logo, o mandato é do parlamentar, e não do partido.

Quanto às hipóteses de perda de mandato, o artigo é TAXATIVO e EXAUSTIVO. Ele encerra TODAS AS POSSIBILIDADES E NENHUMA DELAS É A TROCA DE PARTIDOS.

Muita gente é contra esse negócio de parlamentar trocar 20 vezes de legenda. Eu também sou. O ‘problema’ é que não há dispositivo legal que proíba tal fato.

E não vai ser uma “consulta ao TSE” que mudará a determinação da Constituição Federal - tanto mais, como visto, quando o Tribunal Eleitoral não é competente para julgar esse tipo de caso.

Conclusões
a) foi feita uma ‘consulta’ ao TSE; não houve um ‘processo’, de modo que não há ‘coisa julgada’ e sim uma ‘resposta’ que nem chega a ter valor jurisprudencial;
b) o TSE não tem competência para julgar perda de mandato, tornando a consulta algo praticamente inócuo. Quem julga tal matéria é o STF ou o TJ;
c) a Constituição Federal, na literalidade, atribui ao parlamentar a ‘titularidade’ do mandato (que é quem estaria sujeito à ‘perda’);
d) A “troca de partido” não é motivo para cassação de mandato, haja vista que a Constituição, em artigo taxativo e exaustivo, expõe uma lista de razões para tanto, e a ‘troca’ não faz parte dessa lista.

Além disso, a consulta deixou várias questões em aberto, por exemplo:
- O que acontece com quem for expulso de um partido?
- Como deve proceder o parlamentar que pretende concorrer, na eleição seguinte, por uma legenda diferente daquela pela qual se elegeu?
- Se não há previsão na Constituição, nem em qualquer lei infraconstitucional, qual diploma jurídico servirá de base para a cassação de um parlamentar que trocar de partido?

Enfim, é um debate longo.

Querem mudar a regra? Que mudem da forma correta. Neste caso, o caminho seria uma Emenda Constitucional que incluísse como motivo de cassação a ‘troca de partido no curso do mandato’.

Enquanto não houver isso, ninguém será cassado por trocar de partido. A menos que o STF ou o TJ resolvam ignorar a Constituição Federal.

É uma pena que a imprensa, em sua maioria e na sanha de se fazer populismo editorial, não realize uma reflexão mais profunda sobre esse tema que é eminentemente técnico."

26.3.07

Musicálidos...

Adriana:
Agora sabes que sou verme
Agora, sei da tua luz
Se não notei minha epiderme...
E, nunca estrela eu te supus
Mas, se cantar pudesse um verme
Eu cantaria a tua luz!

Augusto:
E eras assim... Por que não deste
Um raio, brando, ao teu viver?
Não te lembrava. Azul-celeste
O céu, talvez, não pode ser...
Mas, ora! enfim, por que não deste
Somente um raio ao teu viver?

25.2.07

Susto

"O Baphomet". Pierre Klossowski. SP: Max Limonad, 1986. Coleção 'Políticas do Imaginário'.

15.2.07

Ironias do poder

Do Blog do Josias:


"CCJ da nova Câmara tem a cara da velha Câmara
Às voltas com um esforço para melhorar a própria imagem, a Câmara dos Deputados instalou nesta quarta-feira (14) as suas comissões temáticas. A de Constituição e Justiça, a principal, será presidida por Leonardo Picciani (PMDB-RJ), um deputado de 27 anos, em segundo mandato.

A inexperiência não é, contudo, o traço que mais sobressai na biografia de Picciani. O deputado é sócio do pai Jorge Picciani (PMDB-RJ) presidente da Assembléia Legislativa do Rio, em empresas rurais. Os negócios da família encontram-se sob investigação do Ministério Público.

Suspeita-se de fraude fiscal e lavagem de dinheiro. Chamada a entrar em campo, a Receita Federal detectou uma evolução patrimonial de 1.065% dos Picciani. Multou-os em R$ 1,5 milhão.

À frente da CCJ, o deputado Leonardo Picciani terá a atribuição de julgar os recursos apresentados contra decisões da direção da Casa e da Comissão de Ética. A comissão funciona como uma espécie de tribunal de recursos no âmbito da Câmara.

O deputado contará com a ajuda dos colegas que integram a CCJ. Entre eles Paulo Maluf (PP-SP), que já foi preso sob a acusação de desvios de recursos públicos e lavagem de dinheiro, além de José Mentor (PT-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP), mencionados na denúncia do mensalão, aquela da “quadrilha dos 40”.

Como se vê, a CCJ da nova Câmara tem a cara da velha Câmara."


Curto-circuito: Serra recompra avião de Alckmin
"Aos pouquinhos, o governador José Serra (PSDB) vai demonstrando que o seu conceito de “choque de gestão” é bem diferente do que foi esgrimido por seu colega de partido, Geraldo Alckmin, na campanha presidencial do ano passado. Leia-se, a propósito, a nota abaixo, publicada na coluna de Mônica Bergamo:

- AeroSerra: Sabe aquele bordão da campanha presidencial de Geraldo Alckmin - "Vou vender o AeroLula"? Terá que sair do dicionário tucano por um bom tempo. É que o avião do governo paulista, que Alckmin se orgulhava de ter vendido, um HS, foi recomprado pelo governo de SP e está sendo usado pelo atual governador, José Serra."

14.2.07

surpresa

"Diário do Grande Sertão: Veredas", Bruna Lombardi. Rio Gráfica, 1986.

4.2.07

Lembrando Jamil Snege

Estou vomitando você, meu bem
Jamil Snege 

Como o vivo vomita o morto, como a ave regurgita o seixo venenoso, como a fêmea rejeita o sêmen indesejado, eu vomito você, amor.

Vomito tuas roupas, tua cintura, teu andar pela sala sem nenhuma ternura. Vomito o tronco tenebroso, tuas olheiras, o cheiro de madeira podre do teu hálito.

Vomito as contas, os dedos, as unhas mal cortadas. Um a um, teus cabelos de metal e veneno vomito, vomito uma a uma as vértebras e as asas de teus sonhos aterrados.

Vomito sem mágoa, sem ódio, pequenos homenzinhos de bile verde com forte odor de ácido clorídrico - asas membranosas, formas orgânicas que reproduzem detalhe por detalhe as cartilagens de teu riso.

Vomito um desejo amarelo, noites de penetração e abismo, anéis de tenra mucosa rompidos. Vomito o gozo dessas noites de pêlos e cheiros, de espamos e fluidos, de marcas de lesma sobre a pele. Vomito oceanos de relíquias e cântigos antigos, castelos, frascos de vidro escuro e umas estranhas enguias agonizadas.

Vomito e vomito, e meu vômito ao riso se mistura, e rio você no vômito com a alegrias de águas puras, de uma fonte interior que explode e jorra pelos orifícios de meu corpo lavando você, expelindo você como o rim expele o cálculo, como a viva ave regurgita o seixo morto, como os anéis comprimem e expulsam o sêmen venenoso.

Rio você, meu bem, e te vomito com a alegria das águas indomadas, amorosa como a mãe noturna que subitamente pare uma aurora.

25.1.07

Notícias de um desastre anunciado

Do site Observatório da Imprensa:
(http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=417JDB003)

A cratera não veio do céu
Por Samuel Lima


"Vinte horas antes da tragédia, na quinta-feira (11/1), um alto funcionário do Metrô, ligado diretamente ao Secretário de Transportes Metroviários, José Luiz Portella, fora informado pelo consórcio de empresas dos riscos de desabamento que ameaçavam trabalhadores, usuários da marginal Pinheiros e moradores da região. As empreiteiras garantiram que as providências tinham sido tomadas, mas se o foram não evitaram que vidas humanas fossem perdidas. Uma informação divulgada na Folha (18/1) deu conta ainda de que as empreiteiras tiveram em torno de 10 minutos para alertar a vizinhança, evacuar ruas e arredores. Mas, a Defesa Civil constatou que o "consórcio" não tinha plano de abandono da área adequado."

Do site de Paulo Henrique Amorim:

(http://conversa-afiada.ig.com.br/materias/410001-410500/410449/410449_1.html)


"Paulo Henrique Amorim – Wagner, primeira coisa, ouvi ontem numa entrevista que você deu aqui na TV Gazeta de São Paulo à minha colega Maria Lídia, que você denunciou um desmonte da equipe técnica do Metrô. O que aconteceu com a equipe técnica do Metrô na gestão Alckmin?

Wagner Fajardo – Olha, infelizmente, não só na gestão Alckmin, desde a primeira gestão do governador Mário Covas, iniciou-se um processo de desmonte das áreas técnicas do Metrô. Em 97 nós tivemos um Programa de Demissão Voluntária que demitiu mais de 400 técnicos e que eram técnicos que acumulavam experiência muito grande nessa área de construção de projeto e de planejamento de Metrô. Depois disso, desse PDV, nós tivemos um processo de que foi de esvaziamento das áreas de construção civil e de montagem, que são áreas fins, que fazem a parte de obras. Sempre com a alegação de que como tinha pouca obra, não precisa ter todo esse pessoal e ficava muito caro para o Estado ter essa equipe já que não tinha muita obra. E também, a partir de 98, começou-se a discutir com o Banco Mundial a linha amarela e o condicionante do Banco Mundial para o fornecimento de financiamento era de que o Metrô e as empresas que pegam financiamento, os Estados que pegam financiamento, teriam que fazer a contratação através do “Turn Key”, que é esse “porteira fechada” que a gente conversou a dois dias atrás. E o outro condicionamento é que o sistema no caso do Metrô teria que ser feito para a iniciativa privada, teria que ser feito com concessão. Essa discussão, então, começou a pautar e a partir daí começou-se a desmontar quase toda... hoje nós não temos mais a gerência de montagem que naquela época contava com mais de 200 trabalhadores, técnicos. Quando a gente fala em trabalhador parece: pessoal administrativo e tal... não era pessoal técnico. Era pessoal altamente especializado."


Da agência Carta Maior:
(http://cartamaior.uol.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=3478)

Do jornalismo dos desastres ao desastre do jornalismo
Bernardo Kucinski

"Foi preciso uma tragédia para ficarmos sabendo que a linha 4 do metrô de São Paulo, uma gigantesca obra de engenharia, estava sendo construída através de um contrato de “porteira fechada”. O preço é fixo. Quanto mais o consórcio construtor economizar, mais ele lucra. Ninguém sabia disso porque a nossa imprensa nunca se interessou por esse contrato. Nunca o discutiu.

(...)

Os paulistanos não sabiam que as obras eram fiscalizadas pelo próprio consórcio. Eles fiscalizavam-se a si mesmos. O Estado, dono da companhia do metrô, não assumiu nenhuma responsabilidade, admitiu o governador José Serra, depois de fugir um dia inteiro dos repórteres. Alckmin está escondido até hoje. E dele os jornais nem falam. Ele, que se apresentava como o melhor “gerente” para o Brasil. "