8.10.10

Texto de Suely Rolnik sobre a demissão de Maria Rita Kehl do Estadão

"De: suelyrolnik@uol.com.br
Assunto: [cadernosdesubjetividade] Fwd: Dois pesos - Maria Rita Kehl
Para: cadernosdesubjetividade@yahoog
rupos.com.br
Data: Quinta-feira, 7 de Outubro de 2010, 22:45

Caros,

Vale a pena ler o exelente e corajoso texto que Maria Rita publicou em sua coluna no Estadão na véspera do primeiro turno (segue abaixo). Para os que não sabem, a publicação deste texto causou sua demissao do jornal. A punição, do tipo velhos métodos não tão longínquos quanto gostaríamos, teve como simples objeto o fato de uma jornalista (diga-se de passagem, de alta respeitabilidade, também como intelectual e psicanalista) ter ousado expressar uma mínima parcela do que todos nós temos obrigação de pensar face à situação perigosamente pervera que vem se apresentando nestas eleições.

Ao que ela escreve, eu acrescentaria que não podemos bobear de agora até o segundo turno (pelo menos). Estejamos alertas aos estragos provocados pelo monopólio da informação em nosso país que expressa os interesses de apenas uma parcela mínima da população, monopólio que convoca o que temos de mais reativo: a memória colonial e escravocrata inscrita em nossos corpos de classe média e elite brasileiras, amputada de sua dimensão de vida pública, intoxicada de preconceitos de classe e de raça, etc, etc. -- sintomas de um narcisismo ancestral, baseado no deprezo pelo outro (mesmo quando, no melhor dos casos, este sentimento se tranveste de bondade politicamente correta). São estes microfacismos que estão subindo à superfície midiática sem disfarce, sem o menor pudor e cada vez mais violentamente. O buraco de onde emergem estas forças reativas está bem mais embaixo do que o simples ódio ao PT ou à Dilma. E é isto o que assusta.

Ativemos nosso senso de responsabilidade na construção da realidade, tão debilitado na história que nos constitui. Não podemos responsabilizar um candidato ou um partido pela corrupção que certos elementos do mesmo possam ter cometido, senão teríamos que responsabilizar todos aqueles que participam ou participaram do Estado brasileiro, desde a fundação da República, profundamente bichado por subjetividades tacanhas e corruptas. É ridículo cairmos neste argumento da mídia, que explora a despolitização doentia de nosso país. Tampouco podemos decidir nosso voto em função de nossa simpatia ou antipatia por este ou aquele candidato, mas sim em função de nossa maior ou menor identifcação com um projeto político.

Não estou me referindo a projeto político no sentido de um puro blablabla retórico e/ou ideológico, mas daquilo que, de fato, o governo lula realizou neste 8 anos. Sabemos dos grandes avanços conquistados, seja por nossa própria participação direta ou indireta nas diferentes ações levadas nas áreas da educação, saude, cultura, economia, etc, seja pela participação de amigos ou amigos de amigos. Foram muitas, mas muitas mesmo, as pessoas que vararam noites e mais noites para fazer mover o mais possível o estado de inércia patológica do pensamento em nosso país pós-ditadura, de modo a abrir espaços inéditos de exercício democrático, de construção de vida pública, etc.

Infelizmente, a grande maioria não tem acesso a estas informações, em razão do tal monopópio da informação em nosso país (no que ele aliás se distingue da grande maioria dos países do planeta, inclusive de nosso continente). Muitos de nós nos angustiamos com esse monopólio e o microfascismo que tem emporcalhado as páginas dos jornais e a tela das TVs, mas na hora H as forças reativas tendem a vencer em nós mesmos, talvez por nossa incapacidade de lidar com o que nos causa tamanho desconforto com a situação atual e ainda com a memória do trauma da ditadura que até hoje não conseguimos sequer começar a elaborar. É patético, por exemplo, deixarmos passar a operação sinistra do pior de nossas elites, via midia, que transforma a resistência à ditadura em coisa de vagabundo e assassino. Morro de vergonha!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
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Bem é um desabafo. Espero contar com muitos outros ousando pensar e agir na audaciosa direção da afirmação da vida, como vem ocorrendo pelo menos via internet.

Abs,
Suely"