10.3.10

Brincadeiras de Tradução

A última romântica?

"Bound", Suzanne Vega


The ways of the world

Os caminhos do mundo, rumos do rumo
Has taken it's toll

Cobraram seus direitos (e avessos)
Ravaged my body

O corpo - este desastre
Bitten my soul

A alma - esta mordida


I am ruined by rain

Como uma ruína

Weathered by wind

Numa cidade submersa.

I've been invaded

Mas fui farpada, e invadida.

Without and within

Por fora, por dentro, por dentro, por fora


And I ask

Ainda assim eu gostaria
I am asking you

Gostaria de lhe perguntar

Asking you if you

E também me pergunto

Might still want me.

Se você ainda poderá me querer.


Once you said

Palavras suas, certa vez
I'm made of fine stuff.

Que sou feita de matéria nobre

(águas e linhos)

(flores silvestres e leves metais)

(ocre, carvalho, terra úmida)

(labirintos e túneis)

(as cores do nascente, réstias de luz)


But I've been corrupted.

Mas fui corrompida, tirada da rota

And taken enough.

E despossuída.


Now you appear.

E agora, você ressurge

Making your claim.

Fazendo a sua exigência legítima.

Inside my heart

Traçado em meu peito,
Is the sign of your name.

A sina do seu nome.


And I ask

Então eu venho e peço
I am asking you

Estou pedindo a você
Asking you if you

Peço que me responda
Might still want me?

Você ainda me quererá?


All these words

Todos estes nomes, suculentos, carnosos
Like darling and angel and dear

(meu homem, meu querido, meu anjo, meu bebê, meu senhor, meu macho, meu dono, meu amor)

(minha menina, minha criança, minha vida, minha moça, minha chama, minha dama, minha sentença)
Crowd my mouth

Povoam minha boca, provam-na entre a língua e o palato

In a path to your ear.

E escorrem, borbulhantes, caudalosos, em correnteza, pelas curvas da sua escuta


And I ask

Mas quero
I am asking you

Quero ainda
Asking you if you

Saber se
Might still want me?

Você me quer.


2.3.10

A ética da escrita, a escrita da ética...

Em “Bartleby e companhia” (2004), Enrique Vila-Matas descreve os vários escritores da “pulsão negativa”, os “escritores do Não” como ele os chama. Seu título explica-se pela melancólica frase que caracteriza o personagem de Melville, em “Bartleby, o Escrivão”: “Acho melhor não” (I would prefer not) (2005, p. 9). Bartleby acha melhor não revisar os documentos, acha melhor não realizar suas tarefas, acha melhor não sair do escritório, acha melhor não.

Também os escritores bartlebys preferem não: não escrever, não produzir, não falar. Trata-se de escritores que, em algum momento de sua trajetória, não conseguiram mais publicar ou mesmo que nunca publicaram um livro, mas que, ainda assim, sentem-se “fora das coisas civis e na pura região da arte” (Vila-Matas, 2004, p. 57), sendo o silêncio voluntário de Rimbaud o exemplo máximo de tal síndrome.

Neste enciclopédico livro, Vila-Matas localiza o italiano Daniele Del Giudice não como um escritor bartleby, mas como um escritor que, questionando um possível valor moral de sua escritura, realiza uma “atividade de alto risco” que pode, a qualquer momento, exigir o seu silêncio. Em outro livro, “O Estádio de Wimbledon”, Del Giudice pergunta-se sobre um legítimo representante dos escritores do negativo: Bobi Bazlen, editor e crítico italiano de vastíssima cultura, amigo dos intelectuais mais representativos de seu tempo, mas de produção inexistente, com exceção de algumas notas e um romance inacabado encontrado após sua morte.

"Creio que estou de acordo com Del Giudice. Em uma descrição bem-feita, ainda que obscena, há algo de moral: a vontade de dizer a verdade. Quando se usa a linguagem para simplesmente obter um efeito, para não ir mais longe do que nos é permitido, incorre-se paradoxalmente em um ato imoral. Em O Estádio de Wimbledon há, por parte de Del Giudice, uma busca ética, precisamente por sua luta por criar novas formas. O escritor que tenta ampliar as fronteiras do humano pode fracassar. Em compensação, o autor de produtos literários convencionais nunca fracassa, não corre riscos, basta-lhe aplicar a fórmula de sempre, sua fórmula de acadêmico acomodado, sua fórmula de ocultamento." (idem, p. 33, grifos nossos).

Há na literatura uma busca moral sempre que um autor busca a verdade ou o novo ou a ampliação das fronteiras do humano – o que acaba por pô-lo em risco. A ética, então, encontra a literatura sempre que um escritor questiona-se sobre os efeitos de sua escritura sobre si, sobre o outro, sobre a própria literatura, o que pode ser traduzido assim: escrever ou tornar-se um bartleby? Falar ou fazer silêncio? Ou, como nos diz Didier-Weill, “O que você fez da palavra que lhe foi dada?” (1997, p. 8)