22.1.09

(... e habitar este mundo em que, tantas vezes, a palavra tem muito mais densidade que a carne...)

20.1.09

Quem deu a Israel o direito de negar todos os direitos? - Eduardo Galeano

Este artigo é dedicado a meus amigos judeus assassinados pelas ditaduras latinoamericanas que Israel assessorou.

Para justificar-se, o terrorismo de estado fabrica terroristas: semeia ódio e colhe pretextos. Tudo indica que esta carnificina de Gaza, que segundo seus autores quer acabar com os terroristas, acabará por multiplicá-los.

Desde 1948, os palestinos vivem condenados à humilhação perpétua. Não podem nem respirar sem permissão. Perderam sua pátria, suas terras, sua água, sua liberdade, seu tudo. Nem sequer têm direito a eleger seus governantes. Quando votam em quem não devem votar são castigados. Gaza está sendo castigada. Converteu-se em uma armadilha sem saída, desde que o Hamas ganhou limpamente as eleições em 2006. Algo parecido havia ocorrido em 1932, quando o Partido Comunista triunfou nas eleições de El Salvador. Banhados em sangue, os salvadorenhos expiaram sua má conduta e, desde então, viveram submetidos a ditaduras militares. A democracia é um luxo que nem todos merecem.

São filhos da impotência os foguetes caseiros que os militantes do Hamas, encurralados em Gaza, disparam com desajeitada pontaria sobre as terras que foram palestinas e que a ocupação israelense usurpou. E o desespero, à margem da loucura suicida, é a mãe das bravatas que negam o direito à existência de Israel, gritos sem nenhuma eficácia, enquanto a muito eficaz guerra de extermínio está negando, há muitos anos, o direito à existência da Palestina.

Já resta pouca Palestina. Passo a passo, Israel está apagando-a do mapa. Os colonos invadem, e atrás deles os soldados vão corrigindo a fronteira. As balas sacralizam a pilhagem, em legítima defesa.

Não há guerra agressiva que não diga ser guerra defensiva. Hitler invadiu a Polônia para evitar que a Polônia invadisse a Alemanha. Bush invadiu o Iraque para evitar que o Iraque invadisse o mundo. Em cada uma de suas guerras defensivas, Israel devorou outro pedaço da Palestina, e os almoços seguem. O apetite devorador se justifica pelos títulos de propriedade que a Bíblia outorgou, pelos dois mil anos de perseguição que o povo judeu sofreu, e pelo pânico que geram os palestinos à espreita.

Israel é o país que jamais cumpre as recomendações nem as resoluções das Nações Unidas, que nunca acata as sentenças dos tribunais internacionais, que burla as leis internacionais, e é também o único país que legalizou a tortura de prisioneiros.

Quem lhe deu o direito de negar todos os direitos? De onde vem a impunidade com que Israel está executando a matança de Gaza? O governo espanhol não conseguiu bombardear impunemente ao País Basco para acabar com o ETA, nem o governo britânico pôde arrasar a Irlanda para liquidar o IRA. Por acaso a tragédia do Holocausto implica uma apólice de eterna impunidade? Ou essa luz verde provém da potência manda chuva que tem em Israel o mais incondicional de seus vassalos?

O exército israelense, o mais moderno e sofisticado mundo, sabe a quem mata. Não mata por engano. Mata por horror. As vítimas civis são chamadas de “danos colaterais”, segundo o dicionário de outras guerras imperiais. Em Gaza, de cada dez “danos colaterais”, três são crianças. E somam aos milhares os mutilados, vítimas da tecnologia do esquartejamento humano, que a indústria militar está ensaiando com êxito nesta operação de limpeza étnica.

E como sempre, sempre o mesmo: em Gaza, cem a um. Para cada cem palestinos mortos, um israelense. Gente perigosa, adverte outro bombardeio, a cargo dos meios massivos de manipulação, que nos convidam a crer que uma vida israelense vale tanto quanto cem vidas palestinas. E esses meios também nos convidam a acreditar que são humanitárias as duzentas bombas atômicas de Israel, e que uma potência nuclear chamada Irã foi a que aniquilou Hiroshima e Nagasaki.

A chamada “comunidade internacional”, existe? É algo mais que um clube de mercadores, banqueiros e guerreiros? É algo mais que o nome artístico que os Estados Unidos adotam quando fazem teatro?

Diante da tragédia de Gaza, a hipocrisia mundial se ilumina uma vez mais. Como sempre, a indiferença, os discursos vazios, as declarações ocas, as declamações altissonantes, as posturas ambíguas, rendem tributo à sagrada impunidade.

Diante da tragédia de Gaza, os países árabes lavam as mãos. Como sempre. E como sempre, os países europeus esfregam as mãos. A velha Europa, tão capaz de beleza e de perversidade, derrama alguma que outra lágrima, enquanto secretamente celebra esta jogada de mestre. Porque a caçada de judeus foi sempre um costume europeu, mas há meio século essa dívida histórica está sendo cobrada dos palestinas, que também são semitas e que nunca foram, nem são, antisemitas. Eles estão pagando, com sangue constante e sonoro, uma conta alheia.

(*) Texto publicado originalmente no jornal Brecha. (Tradução: Katarina Peixoto)

Todos perderam, todos ganharam - João Villaverde

Todos perderam, todos ganharam
João Villaverde

Depois de iniciado o massacre promovido pelas tropas do Tsahal, exército israelense, os objetivos ficaram claros: A) mais um passo no processo de limpeza dos palestinos na região e B) as eleições para primeiro-ministro em Israel, que ocorrerão em fevereiro próximo.

Mais que isso. Após a truculência irracional e criminosa contra a Faixa de Gaza, estava claro que havia uma data de término para o massacre: ele não poderia ultrapassar o dia 20 de janeiro, data da posse de Barack Obama como 44º presidente dos Estados Unidos. Uma data histórica e crucial para o maior parceiro ideológico, militar e econômico do Estado judeu.

Os laços entre EUA e Israel são históricos também. E nos mais recentes conflitos em Gaza, a relação entre os dois países também passou por uma data importante nos EUA. Em junho, membros do Hamas, movimento político militar eleito democraticamente pelos palestinos para liderar Gaza a partir de 2006, fecharam um acordo de cessar-fogo com Israel, válido por seis meses. Antes do acordo expirar, Israel rompeu o estabelecido com um ataque rápido e letal que matou sete palestinos. O dia do ataque? 04 de novembro do ano passado. Dia das eleições presidenciais nos EUA. Havia pouca atenção dispensada para Gaza naquele dia. Quem lembrou disso não foi um membro do Hamas ou um representante da ONU ou quem quer que seja interessado no conflito. Foi Jimmy Carter, ex-presidente dos Estados Unidos (1977-1980). Veja aqui.

É importante perceber que estamos lidando com um Estado que não respeita qualquer regra internacional de direitos humanos. Que descumpre as regras que ele mesmo propôs. Não, não são os Estados Unidos (dessa vez). Mas Israel. Mais um exemplo? Clique aqui. Outro? Aqui.

Na semana passada Israel promoveu seus ataques mais sangrentos, matando centenas em poucas horas, incluindo o número três do Hamas. Os ataques mais fortes tinham uma meta: aterrorizar no final, marcando posição militar e medo psicológico entre os palestinos sobreviventes. Israel anunciou um cessar-fogo unilateral ontem, sábado, dia 17 de janeiro. Ganhou as capas e manchetes da mídia internacional hoje, domingo. E deixa o campo diplomático livre para a posse de Obama na terça dia 20. Conforme este Blog antecipou, em análise publicada na sexta-feira, dia 16, durante o 22º e penúltimo dia de massacre.

A direita israelense sai fortalecida para as eleições internas de fevereiro. Embora a oposição política tenha se posicionado contrária a guerra desde o início, ganhando simpatizantes ao redor do mundo, a direita - que atualmente está no poder - saí muito mais forte, com a "defesa da soberania nacional" e os "brios do povo israelense" em alta.

Como se previra, Israel se diz vitorioso por ter esmagado o Hamas, que ele não reconhece como partido político. O Hamas se diz vitorioso por ter resistido aos ataques de um dos maiores exércitos do mundo, que ele não reconhece como Estado. A União Européia se diz vitoriosa por ter conseguido convencer os líderes de Israel a cessar-fogo. Os Estados Unidos se dizem vitoriosos por seguirem o discurso de Israel, que não reconhece o Hamas. Obama agradece, claro.

Mas as coisas estão ainda piores. As massas ainda mais fundamentalistas, os israelenses racistas, os americanos adesistas, a ONU inutilizada, os pacifistas ridicularizados e o mundo ainda mais entorpecido pelas falta de reação frente ao extermínio criminoso de crianças, mulheres, homens, de todo um povo, que continua expulso de um território.

2009 começa e a Palestina continua ocupada.

***
Lá em cima, no primeiro parágrafo falei que a guerra promovida por Israel contra o Hamas na Faixa de Gaza é mais um passo na limpeza dos palestinos da região. Não foi uma observação vazia. Há um revisionismo entre historiadores da região, cada vez mais percebendo que o que houve na Palestina desde os anos 30 e 40 foi, basicamente, uma limpeza étnica. Muitos desses historiadores são judeus. Entre eles, Ilan Pappé lançou no início de 2008 um livro que é best-seller nos EUA desde então: "The Ethnic Cleansing of Palestine" ("A Limpeza Étinca da Palestina"). Consegui comprar uma edição em inglês, que pretendo começar a ler nos próximos dias. Até lá, um início de debate: ótima entrevista de Pappé à Globonews > aqui.

Israeli Conscientious Objectors - Shministim



Send letter www.december18th.org

15.1.09

Quantas divisões? - Uri Avnery

Quantas divisões? - Uri Avnery
Link:http://www.antiwar.com/avnery/

Há quse 70 anos, durante a II Guerra Mundial, cometeu-se um crime de ódio em Leningrado. Por mais de mil dias, uma gang de extremistas, chamada "o Exército Vermelho" sequestrou e manteve sob sítio os milhões de habitantes da cidade, o que provocou ação de retaliação pela German Wehrmacht, que teve de agir em áreas superpovoadas. Os alemães só tiveram essa escolha: bombardear e encurralar a população e impor total bloqueio, o que matou centenas de milhares.
Pouco antes disso, crime similar foi cometido na Inglaterra. A gang de Churchill infiltrou-se entre os moradores de Londres, servindo-se de milhões de seres humanos como escudo humano. Os alemães foram obrigados a despachar para lá sua Luftwaffe e muito relutantemente reduziram a cidade a ruínas. Chamaram de "a Blitz".
Essa seria a narrativa da história, que veríamos hoje nos livros escolares – se os alemães tivessem vencido a guerra.

Absurdo? Tão absurdo quanto o que se lê diariamente nos jornais em Israel, repetido ad nauseam: os terroristas do Hamas "sequestraram" os habitantes de Gaza e exploram mulheres e crianças como "escudos humanos". Não deixam alternativa ao exército de Israel, que é obrigado a bombardear furiosamente, processo durante o qual, Israel lamenta muito, Israel mata e mutila milhares de mulheres, homens desarmados e crianças.

Na guerra em curso em Gaza, como em todas as guerra modernas, a propaganda desempenha papel de protagonista. A disparidade entre as forças, entre o exército de Israel - aviões de última geração, metralhadoras, fuzis, lança-granadas, navios de guerra, tanques, carros blindados de todos os tipos - e uns poucos milhares de combatentes do Hamas, que só têm armas leves, é disparidade absoluta: de um, para mil, talvez de um, para um milhão. Na arena política a diferença é ainda mais ampla. Mas na guerra de propaganda, a diferença é quase infinita.

Praticamente toda a imprensa ocidental só fez repetir, de início, a linha oficial da propaganda de Israel. Ignoraram completamente o outro lado, o lado palestino da história, para não dizer que jamais noticiaram as manifestações diárias que acontecem, feitas pelos militantes israelenses dos grupos pela paz. O mundo aceitou como verdadeiro o argumento de propaganda do governo de Israel ("O Estado tem de defender os cidadãos contra os foguetes Qassam"). Nenhum jornal lembrou que os Qassams são reação ao sítio, cerco, bloqueio que mata de fome 1,5 milhão de seres humanos na Faixa de Gaza.

Só depois que as televisões ocidentais começaram a exibir cenas horrendas, imagens da Faixa de Gaza, então, a opinião pública gradualmente começou a mudar.
É verdade que as televisões ocidentais e israelenses só mostraram uma pequena porção dos horrores que aparecem, 24 horas por dia, mostrados ao mundo árabe pelo canal árabe da Al-Jazeera, mas uma única imagem de um bebê morto, nos braços de um pai alucinado é mais poderosa do que o infindável palavrório de frases bem construídas do porta-voz do exército israelense. No final, aquele pai e aquele bebê comprovaram-se mais poderosos que o exército e o porta-voz do exército de Israel.
A guerra - qualquer guerra - é o império das mentiras. Chamem-nas "propaganda", ou "guerra psicológica", aceita-se em geral que muitos mintam a um país inteiro. E quem tente dizer a verdade corre o risco de ser acusado de traição.

O problema da propaganda é que ela sempre convence mais o propagandista, que o resto do mundo. E depois de alguém passar a crer que uma mentira é verdade, que o falso é real... já ninguém é capaz de tomar decisões racionais.

Exemplo desse processo viu-se no episódio mais chocante, até agora, da guerra de Gaza: o bombardeio da Escola Fakhura, da ONU, no campo de refugiados de Jabaliya.
Imediatamente depois de o mundo tomar conhecimento do crime que ali se cometeu, o exército de Israel "revelou" que combatentes do Hamas estariam disparando granadas de área próxima à entrada da escola. Como prova, exibiram uma foto aérea na qual, sim, se via uma escola e uma granada. Minutos depois, o mentiroso de plantão no exército teve de admitir que a foto era antiga, de mais de um ano. Em resumo: a foto foi falsificada.

Depois, outro mentiroso armado 'declarou' que "nossos soldados estavam sendo atacados a tiros, de dentro da escola". Dia seguinte, o exército foi obrigado a reconhecer frente aos funcionários da ONU, que também a segunda 'declaração' era mentira. Ninguém foi atacado a tiros, de dentro da escola, nem havia combatentes do Hamás dentro da escola. Dentro da escola só havia refugiados desarmados e apavorados.
De qualquer modo, o desmentido não fez grande diferença. Àquela altura, a opinião pública já estava cegamente convencida de que "estavam atirando de dentro da escola" - o que jornalistas continuaram a 'noticiar' pela televisão, como se fosse verdade.
E assim por diante, a cada nova atrocidade, uma nova mentira. Cada bebê metamorfoseava-se, no momento de morrer, em terrorista do Hamas. Cada mesquita bombardeada convertia-se instantaneamente em base do Hamas. Cada prédio de apartamentos, em esconderijo de armas; cada escola, em posto de comando do terror; cada prédio da administração pública, em "símbolo do poder dos terroristas do Hamas". Assim, o exército de Israel travestiu-se, mais uma vez, de "o mais moral exército do mundo".

A verdade é que as atrocidades são consequência direta do plano de guerra. Refletem a personalidade de Ehud Barak - homem cujo modo de pensar e agir são exemplo do que se conhece como "insanidade moral", desordem sociopata.
O objetivo real da Guerra de Gaza (além de conquistar algumas cadeiras nas eleições próximas) é destruir o Hamas na Faixa de Gaza. Na imaginação dos estrategistas sociopatas do exército de Israel, o Hamas é um invasor que controla um país estrangeiro. Claro que a realidade é outra.

O movimento Hamas venceu eleições perfeitamente legais e democráticas realizadas na Cisjordânia, em Jerusalém Leste e na Faixa de Gaza. Venceu, porque os palestinos chegaram à conclusão de que a abordagem pacífica do Fatah nada obtivera, que prestasse, de Israel - sequer foi interrompida a construção de novas colônias; nenhum prisioneiro político foi libertado; nenhum passo significativo foi dado para pôr fim à ocupação ilegal e criar o Estado da Palestina.

O Hamas está profundamente enraizado na população, não só como movimento de resistência que combate a ocupação ilegal, como foi, no passado, o movimento Irgun e o Grupo Stern, mas também como corpo político e religioso que oferece serviços de assistência social, educacional e serviços de saúde.

Do ponto de vista da população da Palestina, os combatentes do Hamas não são um 'corpo estranho': são os filhos das famílias que vivem na Faixa e em outras regiões da Palestina. Eles não são nem estão "infiltrados na população", nem "usam a população como escudos humanos". A população da Palestina vê os combatentes do Hamas como os seus, como os seus soldados, como os seus defensores.

Portanto, toda a operação que levou a essa guerra baseou-se em premissas erradas. Transformar o dia-a-dia da Palestina em inferno jamais levará os palestinos a levantar-se contra o Hamás. Acontecerá exatamente o oposto: a população unir-se-á cada vez mais firmemente em torno do Hamas; a cada dia aumentará a decisão de não se render. Os habitantes de Leningrado não se levantaram contra Stalin. Nem os ingleses de Londres levantaram-se contra Churchill.

Quem ordena que os soldados façam o que têm feito, mediante os métodos que o exército de Israel tem usado em área densamente povoada, sabe que massacrará civis. Aparentemente nada disso o perturba. Ou, então, ele pensa que "mudarão de opinião" e "acordarão para o bom-senso", de modo que, no futuro, nunca mais se atreverão a resistir contra Israel.

A prioridade do exército de Israel era minimizar o número de soldados mortos, porque sabem que a opinião dos eleitores mudará, no instante em que Israel comece a enterrar seus filhos. Aconteceu exatamente assim, nas duas guerras do Líbano.
Essa consideração teve papel particularmente importante, porque toda a guerra é item da campanha eleitoral. Ehud Barak, que chegou ao topo das pesquisas nos primeiros dias da guerra, sabe que despencará de lá, se as televisões começarem a mostrar imagens de soldados israelenses mortos.

Portanto, Israel implementa hoje outra doutrina: evitar baixas; para tanto, destruir tudo o que apareça à frente dos tanques ou abaixo dos aviões ou na mira dos canhões dos barcos. Os estrategistas estão trabalhando, não só para matar 80 palestinos para salvar um soldado, como está acontecendo; estão preparados para matar 800 palestinenses, por israelense. Evitar baixas é, hoje, o primeiro mandamento em Israel. Para tanto, estão matando número recorde de civis palestinenses.

O que aí se vê é a escolha consciente de um tipo particularmente cruel e injusto de estratégia de guerra. Esse erro é o calcanhar de Aquiles do exército de Ehud Barak.
Um homem sem imaginação como Barak (seu slogan eleitoral é "Não um bom sujeito. Um líder!"), não faz idéia de como gente de bem, em todo o mundo, reage ante assassinatos de famílias inteiras, destruição de casas, soterramento de mães e filhos, pilhas de cadáveres de meninos e meninas envoltos em mortalhas brancas, a relatórios que informam sobre feridos que sangram até morrer, porque o exército de Israel impede o trânsito de ambulâncias; ante assassinatos médicos e paramédicos que tentam cumprir seu dever; ou de motoristas de caminhões da ONU que dirigem caminhões que transportam farinha. O mundo está horrorizado com o que está vendo. Nenhum argumento eleitoral ou estratégico terá jamais qualquer força, ante a imagem de uma menina ferida, no chão, procurando a mãe.

Os estrategistas de Israel supuseram que impediriam o mundo de ver essas cenas; que bastaria impedir o trabalho dos jornalistas. Os jornalistas israelenses, para sua perpétua vergonha, deram-se por satisfeitos com os releases e imagens oficiais, fornecidas pelo porta-voz do exército, como se fossem notícia e fato; ao mesmo tempo, preservaram-se, a quilômetros de distância de qualquer perigo.
A imprensa estrangeira também foi proibida de trabalhar, mas os jornalistas estrangeiros, pelo menos, protestaram. Conseguiram ser levados em tours rápidos pelas cidades, em grupos pequenos, selecionados e fiscalizados.
Fato é que, nas guerras modernas, esse tipo de noticiário estéril e manufaturado já não exclui completamente outras vias de obter e distribuir informação. Há máquinas fotográficas e filmadoras com a população, na Faixa, no meio do inferno. E, essas, não podem ser controladas. As equipes da rede Al-Jazeera distribuem imagens e boletins 24 horas por dia. E todas as casas recebem as imagens.
Essa batalha, pelas telas de televisão, é hoje uma das mais decisivas de toda a guerra de Gaza.

Centenas de milhões de árabes, da Mauritânia ao Iraque, mais de um bilhão de muçulmanos, da Nigéria à Indonésia vêem e horrorizam-se. Não se subestime o impacto dessas redes, sobre o desenrolar da guerra de Gaza. Milhões de pessoas estão assistindo ao que fazem e dizem os políticos do Egito, da Jordânia e da Autoridade Palestina. Para muitos, todos esses aparecem como colaboracionistas, como parceiros de Israel, nas atrocidades de que são vítimas, hoje, seus irmãos palestinos.
Os serviços de segurança de vários regimes árabes já registram uma fermentação perigosa em vários países. Hosny Mubarak, de todos os líderes árabes o que está mais exposto, por ter fechado a passagem de Rafah, praticamente diante de multidões de refugiados apavorados, está sendo forçado a pressionar Washington, que, até há pouco tempo recusava-se a cogitar de qualquer tipo de acordo para o cessar-fogo. Todos já começam a pressentir algum tipo de grave ameaça aos interesses vitais dos EUA no mundo árabe. De fato, já mudaram de atitude, o que causou consternação entre os complacentes diplomatas israelenses.

Gente que sofra de insanidade moral não pode, mesmo, entender os motivos que regem a ação de gente normal. "Quantas divisões tem o Papa?" perguntou Stálin. "Quantas divisões têm os seres humanos decentes?" - deve estar-se perguntando, agora, Ehud Barak.

Fato é que os seres humanos decentes têm, sim, algumas divisões. Não muitas. Nem capazes de reação muito rápida. Nem são muito poderosas, nem muito bem organizadas. Mas num determinado momento, quando as atrocidades cometidas por Israel começaram a vazar por todos os lados, começaram a surgir protestos em massa, de grande envergadura. Esses protestos podem decidir uma guerra.

O erro, o fracasso, a incapacidade para perceber a real natureza do Hamas levou a outros erros, de resultados previsíveis. De um lado, Israel é incompetente para vencer. De outro lado, o Hamas não perderá essa guerra.

Ainda que Israel conseguisse matar todos os combatentes do Hamas, até o último homem, ainda assim o Hamás venceria. Os combatentes do Hamas passarão a ser vistos como exemplos para o mundo árabe, heróis do povo da Palestina, exemplo a ser copiado para todos os jovens árabes. A Cisjordânia cairá no colo do Hamas, como fruta madura. O Fatah naufragará num mar de escárnio, vários regimes árabes estarão sob risco de colapso.

Se, ao final dessa guerra, ainda houver Hamas, dilacerado, que seja; em frangalhos, que seja, mas ainda vivo, sobrevivente à fuzilaria da máquina militar de Israel, será a mais prodigiosa das vitórias, será fantástico, será como o espírito que derrotou a matéria.

Na consciência do mundo estará fixada a imagem de uma Israel sedenta de sangue, pronta para, a qualquer momento, cometer os mais atrozes crimes de guerra, que nada detém, nenhuma rédea moral. As conseqüências serão muito severas, para o futuro de longo prazo de Israel, para nossa existência no mundo, para as chances de Israel algum dia poder viver em paz e sossego.

No fim a guerra de Gaza é, sobretudo, guerra contra Israel, também. É crime contra o Estado de Israel.

Tradução: Caia Fitipaldi

14.1.09

Ensaios de Crítica

# VICKY CRISTINA BARCELONA (VICKY CRISTINA BARCELONA)
Espanha/EUA, 2008
Direção e Roteiro: WOODY ALLEN
Elenco: Javier Bardem, Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Patricia Clarkson, Rebecca Hall.
Site oficial: http://vickycristina-movie.com/


- Princípios da feminilidade: o medo (Vicky), a loucura (Maria Elena), o não-saber (Cristina). Ou princípios humanos, sob sua mascarada feminina.

- Do medo: a racionalização, traduzido em longas frases sempre estruturadas sobre um “não”, é arma afiada contra o prazer e contra o transbordamento das experiências de prazer, que atropela toda a ordem e organização, uma onda na qual o sujeito pode fazer pouco mais do que aceitar afogar-se. É na denegação que o desejo se revela ainda mais – como uma lei da física, a força aplicada por Vicky (a super elaboração) deve ser de magnitude igual à do desejo, para poder impedir que o desejo seja entrevisto.

(Poesia de Houais: definição de ordem: “relação inteligível estabelecida entre uma pluralidade de elementos” – e eu achando que aceitar o plural é exatamente aceitar aquilo que mina as relações inteligíveis.)

- A loucura é a loucura deste “amor romântico porque não realizado” de que fala Maria Elena. Não a loucura da esquizofrenia, em seu frio desacerto com as palavras, nem a loucura da paranóia, que é prisão e solitude. Trata-se da loucura como escolha pelo absoluto – ou há amor absoluto ou não há amor, ou há genialidade ou há roubo, ou há encontro absoluto ou a única ação possível é a destruição.

- O não-saber é, aqui, uma estratégia positiva: “eu não sei o que quero, mas sei o que não quero”, uma sabedoria que possibilita ao sujeito manter sua errância sem angústia, mas com conhecimento de causa. Se Vicky apresenta um certo incômodo com seu modesto “talento”diante da explosiva genialidade do casal espanhol, é ela quem, entretanto, navega mais protegida por fronteiras cada vez mais largas.

- Dois personagens e uma cidade. Um lugar se torna memória afetiva por ser onde o sujeito se depara com a obrigação de uma escolha, como a encruzilhada onde a esfinge obriga Édipo a lhe responder sobre sua condição. E quem pode dizer que Barcelona terminou? Que Barcelona não pôs uma marcha silenciosa em movimento?... Barcelona é lugar onde o sujeito é confrontado com seu desejo, um lugar que obriga o sujeito a sair, mesmo que por pouco tempo, de sua ignorância.

- As mesmas descrições que apresentam os personagens também acompanham sua despedida. Não se trata aqui de experiências revolucionárias, não se aposta no drama, mas de mudanças invisíveis ao olhar e que persistirão – acredito – alterando paisagens interiores, gerando uma desconhecida ordem de frutos.

- Por que “a leveza da comédia” se sobrepõe ao trágico das histórias apresentadas? Não se percebe um sentimento de melancolia ao final do filme. Talvez porque os personagens tiveram seu momento de escolha. É possível não concordar com a resignação de Vicky ou acreditar que seu futuro é uma repetição da vida atual de Judy, mas Vicky pôde escolher, Vicky disse um “não” cujo peso apenas ela conhece, como conhece também a força simétrica de seu medo, mas um “não”que foi dito quando a pergunta se colocou: até onde você vai para viver o seu desejo? que caminhos, tortuosos ou diretos, você traça para te levar até seu desejo? o que define o seu desejo?

- Quando Juan-Javier diz, na despedida de Vicky, tentando consolar Maria Elena: “ela quer outra coisa; vamos nos lembrar uns dos outros com amor”, ele está dizendo também: o desejo é uma aposta – eu aposto meu corpo sobre o outro e deixo à vista algo que talvez nem eu conheça muito bem, me arrisco para obter algo do outro, mas nunca poderei cobrar dele minha dívida se eu perder porque, pelo meu desejo, apenas eu me responsabilizo.

- Para uma visão contrária: http://contardocalligaris.blogspot.com/


Scarlett Johansson em cover de Tom Waits



Outras definições do desejo:

.Apreender a métrica de um corpo como se carne de um poema.

.And I ask/I am asking you/asking you if you/Might still want me (Suzane Vega, Bound)


12.1.09

"Israel deve ser alvo de boicote" - Naomi Klein

Cada dia de ataque de Israel contra Gaza atrai mais adeptos à causa. Há apoio até mesmo entre judeus israelenses. Em meio aos ataques, cerca de 500 israelenses, dezenas dos quais artistas e acadêmicos conhecidos, enviaram uma carta aos embaixadores estrangeiros que servem em Israel na qual pediam pela ''adoção de medidas restritivas e sanções imediatas'' e estabeleciam um claro paralelo com a luta contra o apartheid. ''O boicote contra a África do Sul foi efetivo, mas Israel é tratado com luvas de pelica...

O apoio internacional ao país precisa ser retirado.'' Sanções econômicas são a ferramenta mais eficiente no arsenal das medidas não violentas. Eis as quatro principais objeções à estratégia BDS, respondidas com argumentação em contrário: 1) Medidas punitivas alienarão os israelenses. O mundo já tentou aquilo que costumava ser descrito como ''envolvimento construtivo''. Falhou. Desde 2006, Israel vem ampliando cada vez mais seu comportamento criminoso; expandindo colônias, lançando uma guerra absurda contra o Líbano e impondo punição coletiva aos habitantes de Gaza por meio de um bloqueio brutal. A despeito da escalada, Israel não enfrentou medidas punitivas. As armas e a assistência anual de US$ 3 bilhões que os EUA oferecem ao governo israelense são só o começo.

Ao longo desse período crucial, Israel desfrutou de um drástico avanço em seu relacionamento diplomático, cultural e comercial com diversos aliados. Por exemplo, em 2007, Israel se tornou o primeiro país de fora da América Latina a assinar um tratado de livre comércio com o Mercosul. Nos primeiros nove meses de 2008, as exportações israelenses ao Canadá subiram em 45%. Um novo acordo comercial com a União Europeia deve dobrar as exportações israelenses de alimentos processados. E em dezembro, os europeus ''atualizaram'' o Acordo de Associação entre Israel e a União Europeia.

É nesse contexto que os líderes israelenses deram início à sua mais recente guerra: confiantes em que não enfrentarão custos significativos. É notável que, nos sete dias úteis de guerra, o principal índice da bolsa de valores de Tel Aviv tenha na verdade subido em 10,7%. Quando o estímulo não funciona, a punição é necessária. 2) Israel não é a África do Sul. Claro que não. A relevância do modelo sul-africano é que ele prova que uma tática BDS pode ser efetiva quando medidas menos vigorosas fracassaram. E, na verdade, há ecos profundamente perturbadores do apartheid sul-africano nos territórios ocupados. Ronnie Kasrils, um conhecido político sul-africano, disse que a arquitetura da segregação que ele viu na Cisjordânia e na faixa de Gaza era ''infinitamente pior que o apartheid''. Isso em 2007.

3) Por que tomar Israel como único alvo quando EUA, Reino Unido e outros países ocidentais fazem as mesmas coisas no Iraque e no Afeganistão? O boicote não é um dogma; é uma tática. O motivo para que uma estratégia BDS possa ser experimentada contra Israel é de ordem prática: em um país tão pequeno e que depende tanto do comércio externo, a ideia pode funcionar de fato.

4) Boicotes interrompem comunicações; precisamos de mais, e não de menos, diálogo. Conto uma história pessoal. Quando escrevi ''A Doutrina do Choque'', queria respeitar o boicote. Aconselhada por ativistas, entrei em contato com uma pequena editora ativista, profundamente envolvida com o movimento de resistência à ocupação. Redigimos um contrato que garante que todos os proventos das vendas sejam destinados ao trabalho da editora, sem que eu receba nada. Em outras palavras, estou boicotando a economia de Israel, mas não os israelenses.

Desenvolver nosso modesto plano editorial requereu dezenas de telefonemas, e-mails e mensagens instantâneas. Meu argumento é o seguinte: quando você começa a implementar uma estratégia de boicote, o diálogo se intensifica dramaticamente. E por que não o faria? Construir um movimento requer comunicação incessante. O argumento de que apoiar boicotes nos isolará mais é ilusório, dadas as tecnologias que nos oferecem informação barata e imediata. Não há boicote que nos detenha. A essa altura, muitos sionistas orgulhosos estão se preparando para rebater perguntando se eu não sei que muitos desses brinquedos de alta tecnologia foram criados nos centros de pesquisa israelenses, destacados no setor. Verdade, mas nem todos eles.

Alguns dias depois de iniciado o ataque israelense contra Gaza, Richard Ramsey, diretor executivo de uma empresa britânica de telecomunicações,
enviou um e-mail ao grupo tecnológico israelense MobileMax, afirmando que ''como resultado das ações do governo israelense nos últimos dias, não mais poderemos fazer negócios com vocês nem com outra companhia de Israel''. Ramsey diz que sua decisão não foi política; ele só não desejava perder clientes. ''Não temos condições de perder cliente algum'', disse, ''e por isso a decisão foi puramente defensiva do ponto de vista comercial''. Foram cálculos comerciais frios como esse que levaram muitas empresas a sair da África do Sul duas décadas atrás. E é exatamente esse tipo de cálculo que representa nossa esperança mais realista de levar justiça à Palestina depois de tão longa ausência.

* Naomi Klein é jornalista e ativista política. Este artigo foi distribuído pelo New York Times Syndicate

Tradução de Paulo Migliac

Global BDS Movement: http://www.bdsmovement.net/
Produtos israelenses vendidos na Espanha: http://www.rebelion.org/noticia.php?id=78786

Jewish Women: Not in our name

"Por que nos odeiam tanto?" - Robert Fisk

Assim, mais uma vez, Israel abriu as portas do inferno sobre os palestinos: 40 refugiados civis mortos numa escola da ONU, mais três em outra. Nada mau, para uma noite de trabalho do exército que acredita na "pureza das armas". Não pode ser surpresa para ninguém.

Esquecemos os 17.500 mortos – quase todos civis, a maioria mulheres e crianças – de quando Israel invadiu o Líbano, em 1982? E os 1.700 civis palestinos mortos no massacre de Sabra-Chatila? E o massacre, em 1996, em Qana, de 106 refugiados libaneses civis, mais da metade dos quais crianças, numa base da ONU? E o massacre dos refugiados de Marwahin, que receberam ordens de Israel para sair de suas casas, em 2006, e foram assassinados na rua pela tripulação de um helicóptero israelense? E os 1.000 mortos no mesmo bombardeio de 2006, na mesma invasão do Líbano, praticamente todos civis?

O que surpreende é que tantos líderes ocidentais, tantos presidentes e primeiros-ministros e, temo, tantos editores e jornalistas tenham acreditado na mesma velha mentira: que os israelenses algum dia tenham-se preocupado com poupar civis. "Israel toma todo o cuidado possível para evitar atingir civis", disse mais um embaixador de Israel, apenas horas antes do massacre de Gaza.

Todos os presidentes e primeiros-ministros que repetiram a mesma mentira, como pretexto para não impor o cessar-fogo, têm as mãos sujas do sangue da carnificina de ontem. Se George Bush tivesse tido coragem para exigir imediato cessar-fogo 48 horas antes, todos aqueles 40 civis, velhos, mulheres e crianças, estariam vivos.

O que aconteceu não foi apenas vergonhoso. O que aconteceu foi uma desgraça. "Atrocidade" é pouco, para descrever o que aconteceu. Falaríamos de "atrocidade" se o que Israel fez aos palestinos tivesse sido feito pelo Hamás. Israel fez muito pior. Temos de falar de "crime de guerra", de matança, de assassinato em massa.

Depois de cobrir tantos assassinatos em massa, pelos exércitos do Oriente Médio – por sírios, iraquianos, iranianos e israelenses – seria de supor que eu já estivesse calejado, que reagisse com cinismo. Mas Israel diz que está lutando em nosso nome, contra "o terror internacional". Israel diz que está lutando em Gaza por nós, pelos ideais ocidentais, pela nossa segurança, pelos nossos padrões ocidentais.

Então também somos criminosos, cúmplices da selvageria que desabou sobre Gaza.

Reportei as desculpas que o exército de Israel tem oferecido ao mundo, já várias vezes, depois de cada chacina. Dado que provavelmente serão requentadas nas próximas horas, adianto algumas delas: que os palestinos mataram refugiados palestinos; que os palestinos desenterram cadáveres para pô-los nas ruínas e serem fotografados; que a culpa é dos palestinenses, por terem apoiado um grupo terrorista; ou porque os palestinenses usam refugiados inocentes como escudos humanos.

O massacre de Sabra e Chatila foi cometido pela Falange Libanesa aliada à direita israelense; os soldados israelenses assistiram a tudo por 48 horas, sem nada fazer para deter o morticínio; são conclusões de uma comissão de inquérito de Israel. Quando o exército de Israel foi responsabilizado, o governo de Menachem Begin acusou o mundo de preconceito contra Israel.

Depois que o exército de Israel atacou com mísseis a base da ONU em Qana, em 1996, os israelenses disseram que a base servia de esconderijo para o Hizbollah - guerra deflagrada porque o Hizbóllah capturou dois soldados israelenses na fronteira. Mas esses não foram crimes do Hizbollah; foram crimes de Israel.

Israel insinuou que os corpos das crianças assassinadas num segundo massacre em Qana teriam sido desenterrados e expostos para fotografias. Mentira.

Sobre o massacre de Marwahin, nenhuma explicação. As pessoas receberam ordens, de um grupo de soldados israelenses, para evacuar as casas. Obedeceram. Em seguida, foram assassinadas por matadores israelenses. Os refugiados reuniram os filhos e puseram-se à volta dos caminhões nos quais viajavam, para que os pilotos dos helicópteros vissem quem eram, que estavam desarmados. O helicóptero varreu-os a tiros, de curta distância. Houve dois sobreviventes, que se salvaram porque fingiram estar mortos.

Israel não tentou nenhuma explicação.

Doze anos depois, outro helicóptero israelense atacou uma ambulância que conduzia civis de uma vila próxima – outra vez, soldados israelenses ordenaram que saíssem da ambulância – e assassinaram três crianças e duas mulheres. Israel alegou que a ambulância conduzia um ferido do Hizbollah. Mentira.

Cobri, como jornalista, todas essas atrocidades, investiguei-as uma a uma, entrevistei sobreviventes. Muitos jornalistas sabem o que eu sei. Nosso destino foi, é claro, o mais grave dos estigmas: fomos acusados de anti-semitismo.

Por tudo isso, escrevo aqui, sem medo de errar: agora recomeçarão as mais escandalosas mentiras. Primeiro, virá a mentira do "culpem o Hamás" – como se o Hamás já não fosse culpado dos próprios crimes! Depois, talvez requentem a mentira dos cadáveres desenterrados para fotografias. E com certeza haverá a mentira do "homem do Hamás na escola da ONU". E com absoluta certeza virá também a mentira do anti-semitismo. Os líderes ocidentais cacarejarão, lembrando ao mundo que o Hamás rompeu o cessar-fogo. É mentira.

O cessar-fogo foi rompido por Israel, primeiro dia 4/11; quando bombardeou e matou seis palestinenses em Gaza e, depois, outra vez, dia 17/11, quando outra vez bombardeou e matou mais quatro palestinenses.

Sim, os israelenses merecem segurança. 20 israelenses mortos nos arredores de Gaza é número escandaloso. Mas 600 palestinenses mortos em uma semana, além dos milhares assassinados desde 1948 – quando a chacina de Deir Yassin ajudou a mandar para o espaço os habitantes autóctones dessa parte do mundo que viria a chamar-se Israel – é outro assunto e é outra escala.

Dessa vez, temos de pensar não nos banhos de sangue normais no Oriente Médio. Dessa vez é preciso pensar em massacres na escala das guerras dos Bálcãs, dos anos 90. Ah, sim.

Quando os árabes enlouquecerem de fúria e virmos crescer seu ódio incendiário, cego, contra o Ocidente, sempre poderemos dizer que "não é conosco". Sempre haverá quem pergunte "Por que nos odeiam tanto?" Que, pelo menos, ninguém minta que não sabe por quê.

Robert Fisk escreve para o jornal inglês The Independent

Texto original: http://www.independent.co.uk/opinion/commentators/fisk/robert-fisk-why-do-they-hate-the-west-so-much-we-will-ask-1230046.html

8.1.09

Bartleby: A Ética da Escrita

"Eu diria que para Del Giudice escrever é uma atividade de alto risco, e, nesse sentido, no estilo de seus admirados Pasolini e Calvino, ele entende que a obra escrita está baseada no nada, e que um texto, se pretende ser válido, deve abrir novos caminhos e tentar dizer aquilo que ainda não se disse.


Creio que estou de acordo com Del Giudice. Em uma descrição bem-feita, ainda que obscena, há algo de moral: a vontade de dizer a verdade. Quando se usa a linguagem para simplesmente obter um efeito, para não ir mais longe do que nos é permitido, incorre-se paradoxalmente em um ato imoral. Em O Estádio de Wimbledon há, por parte de Del Giudice, uma busca ética, precisamente por sua luta por criar novas formas. O escritor que tenta ampliar as fronteiras do humano pode fracassar. Em compensação, o autor de produtos literários convencionais nunca fracassa, não corre riscos, basta-lhe aplicar a fórmula de sempre, sua fórmula de acadêmico acomodado, sua fórmula de ocultamento.

Do mesmo modo que na Carta de lorde Chanos (em que nos é dito que o infinito conjunto cósmico do qual fazemos parte não pode ser descrito por palavras e, portanto, a escrita é um pequeno equívoco sem importância, tão pequeno que nos faz quase mudos), o romance de Del Giudice ilustra a impossibilidade da escrita, mas também nos indica que podem existir olhares novos sobre novos objetos e que, portanto, é melhor escrever do que não o fazer.

E há mais motivos para pensar que é melhor escrever? Sim. Um deles é muito simples: porque ainda se pode escrever com alto senso do risco e da beleza num estilo clássico. É a grande lição do livro de Del Giudice, pois nele se mostra, página após página, um interesse muito grande pela antigüidade do novo. Porque o passado sempre ressurge com uma volta a mais no parafuso. A internet, por exemplo, é nova, mas a rede sempre existiu. A rede com a qual os pescadores pegavam os peixes agora não serve para capturar presas, e sim para nos abrirmos ao mundo. Tudo permanece, mas muda, pois o de sempre se repete, perecível, no novo, que passa rapidíssimo."

"Bartleby e companhia", Enrique Vila-Matas

3.1.09

Cinemáticos...

Na subversão constante das regras tradicionais do jogo (a vitimização, o constrangimento moral, a paz forçada, o simulacro de cortesia), encontra-se a resistência dos afetos, no amor ou na violência.



Ah, e Chiara está quase tão bela quanto Catherine...