14.1.09

Ensaios de Crítica

# VICKY CRISTINA BARCELONA (VICKY CRISTINA BARCELONA)
Espanha/EUA, 2008
Direção e Roteiro: WOODY ALLEN
Elenco: Javier Bardem, Scarlett Johansson, Penélope Cruz, Patricia Clarkson, Rebecca Hall.
Site oficial: http://vickycristina-movie.com/


- Princípios da feminilidade: o medo (Vicky), a loucura (Maria Elena), o não-saber (Cristina). Ou princípios humanos, sob sua mascarada feminina.

- Do medo: a racionalização, traduzido em longas frases sempre estruturadas sobre um “não”, é arma afiada contra o prazer e contra o transbordamento das experiências de prazer, que atropela toda a ordem e organização, uma onda na qual o sujeito pode fazer pouco mais do que aceitar afogar-se. É na denegação que o desejo se revela ainda mais – como uma lei da física, a força aplicada por Vicky (a super elaboração) deve ser de magnitude igual à do desejo, para poder impedir que o desejo seja entrevisto.

(Poesia de Houais: definição de ordem: “relação inteligível estabelecida entre uma pluralidade de elementos” – e eu achando que aceitar o plural é exatamente aceitar aquilo que mina as relações inteligíveis.)

- A loucura é a loucura deste “amor romântico porque não realizado” de que fala Maria Elena. Não a loucura da esquizofrenia, em seu frio desacerto com as palavras, nem a loucura da paranóia, que é prisão e solitude. Trata-se da loucura como escolha pelo absoluto – ou há amor absoluto ou não há amor, ou há genialidade ou há roubo, ou há encontro absoluto ou a única ação possível é a destruição.

- O não-saber é, aqui, uma estratégia positiva: “eu não sei o que quero, mas sei o que não quero”, uma sabedoria que possibilita ao sujeito manter sua errância sem angústia, mas com conhecimento de causa. Se Vicky apresenta um certo incômodo com seu modesto “talento”diante da explosiva genialidade do casal espanhol, é ela quem, entretanto, navega mais protegida por fronteiras cada vez mais largas.

- Dois personagens e uma cidade. Um lugar se torna memória afetiva por ser onde o sujeito se depara com a obrigação de uma escolha, como a encruzilhada onde a esfinge obriga Édipo a lhe responder sobre sua condição. E quem pode dizer que Barcelona terminou? Que Barcelona não pôs uma marcha silenciosa em movimento?... Barcelona é lugar onde o sujeito é confrontado com seu desejo, um lugar que obriga o sujeito a sair, mesmo que por pouco tempo, de sua ignorância.

- As mesmas descrições que apresentam os personagens também acompanham sua despedida. Não se trata aqui de experiências revolucionárias, não se aposta no drama, mas de mudanças invisíveis ao olhar e que persistirão – acredito – alterando paisagens interiores, gerando uma desconhecida ordem de frutos.

- Por que “a leveza da comédia” se sobrepõe ao trágico das histórias apresentadas? Não se percebe um sentimento de melancolia ao final do filme. Talvez porque os personagens tiveram seu momento de escolha. É possível não concordar com a resignação de Vicky ou acreditar que seu futuro é uma repetição da vida atual de Judy, mas Vicky pôde escolher, Vicky disse um “não” cujo peso apenas ela conhece, como conhece também a força simétrica de seu medo, mas um “não”que foi dito quando a pergunta se colocou: até onde você vai para viver o seu desejo? que caminhos, tortuosos ou diretos, você traça para te levar até seu desejo? o que define o seu desejo?

- Quando Juan-Javier diz, na despedida de Vicky, tentando consolar Maria Elena: “ela quer outra coisa; vamos nos lembrar uns dos outros com amor”, ele está dizendo também: o desejo é uma aposta – eu aposto meu corpo sobre o outro e deixo à vista algo que talvez nem eu conheça muito bem, me arrisco para obter algo do outro, mas nunca poderei cobrar dele minha dívida se eu perder porque, pelo meu desejo, apenas eu me responsabilizo.

- Para uma visão contrária: http://contardocalligaris.blogspot.com/


Scarlett Johansson em cover de Tom Waits



Outras definições do desejo:

.Apreender a métrica de um corpo como se carne de um poema.

.And I ask/I am asking you/asking you if you/Might still want me (Suzane Vega, Bound)


Um comentário:

"Monica Mamede" disse...

Assisti ao filme. Lindo.
Revivi o filme pela sua escrita. Encantador.

Voltarei mais vezes por aqui.

Abraços,