Creio que estou de acordo com Del Giudice. Em uma descrição bem-feita, ainda que obscena, há algo de moral: a vontade de dizer a verdade. Quando se usa a linguagem para simplesmente obter um efeito, para não ir mais longe do que nos é permitido, incorre-se paradoxalmente em um ato imoral. Em O Estádio de Wimbledon há, por parte de Del Giudice, uma busca ética, precisamente por sua luta por criar novas formas. O escritor que tenta ampliar as fronteiras do humano pode fracassar. Em compensação, o autor de produtos literários convencionais nunca fracassa, não corre riscos, basta-lhe aplicar a fórmula de sempre, sua fórmula de acadêmico acomodado, sua fórmula de ocultamento.
Do mesmo modo que na Carta de lorde Chanos (em que nos é dito que o infinito conjunto cósmico do qual fazemos parte não pode ser descrito por palavras e, portanto, a escrita é um pequeno equívoco sem importância, tão pequeno que nos faz quase mudos), o romance de Del Giudice ilustra a impossibilidade da escrita, mas também nos indica que podem existir olhares novos sobre novos objetos e que, portanto, é melhor escrever do que não o fazer.
E há mais motivos para pensar que é melhor escrever? Sim. Um deles é muito simples: porque ainda se pode escrever com alto senso do risco e da beleza num estilo clássico. É a grande lição do livro de Del Giudice, pois nele se mostra, página após página, um interesse muito grande pela antigüidade do novo. Porque o passado sempre ressurge com uma volta a mais no parafuso. A internet, por exemplo, é nova, mas a rede sempre existiu. A rede com a qual os pescadores pegavam os peixes agora não serve para capturar presas, e sim para nos abrirmos ao mundo. Tudo permanece, mas muda, pois o de sempre se repete, perecível, no novo, que passa rapidíssimo."
"Bartleby e companhia", Enrique Vila-Matas
Nenhum comentário:
Postar um comentário