26.11.06

"Um certo desencanto e a consegüinte lucidez cética"

"As aparências enganam, mas é o mais sólido que existe. A aparência é a realidade, e ir além dela implica num esforço que quase ninguém precisa fazer, que quase sempre leva a evidências piores que as aparências substituídas. Sei disso por experiência própria. Durante aqueles anos em que quis ou julguei ser dono da verdade fundamental da vida e da História, descobri que cada uma das minhas viagens exploratórias conduzia a pontos originários de maldades fundamentais, e todas elas a uma maldade essencial e original, a crueldade de viver. Não há vida sem crueldade e não há História sem crueldade. Eu estava deslumbrando com a proposta de mudar a vida, como pedia Rimbaud, e de mudar a História, como pedia Marx, entre outros, e afinal minha viagem intelectual e culta descobria o motor incessante de crueldade que legitima tanto uma como a outra. O melhor é se conformar com a aparência da realidade e escolher suas facetas mais prazerosas e bonitas. Já é suficiente o nosso inferno íntimo, essas areias movediças internas em que nossos remorsos e as inseguranças engolem nossa própria entidade. Se fosse possível extirpar a capacidade de olhar para dentro de si mesmo!..."

"Quarteto", Manuel Vázquez Montalbán

Um comentário:

Anônimo disse...

"[...] aqui se constata que só quem trabalha ganha seu pão, só quem esteve em aflição encontra repouso, só uqem desce aos infernos resgata as pessoas que ama, só quem puxa a faca consegue ter Isaac de volta [...]. Aquele que não trabalha deve ter em mente o que está escrito sobre as virgens de Israel, pois ele dá luz ao vento, mas quem está disposto a trabalhar dá à luz o próprio pai."(Kierkegaard em Auster, A invenção da solidão).

Carlos