Do site "Imprensa Marrom" (
http://www.imprensamarrom.com.br/):
"A seguir, seleciono alguns trechos do que saiu na mídia, tudo com meus comentários em seguida:
17/07 - Folha Online, “Pensata”, Eliane Cantanhêde“Quando vai ser o próximo? - A cada nova crise nos aeroportos, a cada novo movimento dos controladores, a cada derrapada de avião, a cada pane no sistema de rádio ou nos radares, uns sempre diziam e outros sempre pensavam: “Quando vai ser o próximo acidente?” (…) As circunstâncias eram todas desfavoráveis: chovia, a pista estava escorregadia, a reforma mal (em duplo sentido) terminou e, afinal das contas, não pode ser pura coincidência que o maior acidente da história acontecer exatamente em Congonhas, no dia seguinte à derrapagem de um pequeno avião da Pantanal.”
Eliane não esperou para escrever; seu texto foi publicado no mesmo dia do acidente (17/07). A morte de tantas pessoas, sem dúvida, mexe com a emoção de todos. Mas não se pode publicar um texto, tratando de questão eminentemente técnica, sem pelo menos um mínimo de apuração.
Na pressa de culpar a pista, Eliane diz que “não pode ser pura coincidência” o fato de ter havido uma derrapagem no mesmo aeroporto, no dia anterior. E como a jornalista explica o fato de que um avião da TAM, exatamente um Airbus, ter pousado com sucesso cinco minutos antes do acidente, na mesmíssima pista (e tantos outros aviões que pousaram sem qualquer problema)? Isso sim é que “não pode ser pura coincidência”.
Continuemos:
19/07 - Folha de São Paulo, “Cotidiano”, Francisco Daudt - psicanalista e colunista da “Revista da Folha”“O Que Ocorreu Não Foi Acidente, Foi Crime - Gostaria imensamente de ter minha dor amenizada por uma manchete que estampasse, em letras garrafais, “GOVERNO ASSASSINA MAIS DE 200 PESSOAS”. O assassino não é só aquele que enfia a faca, mas o que, sabendo que o crime vai ocorrer, nada faz para impedi-lo. O que ocorreu não pode ser chamado de acidente, vamos dar o nome certo: crime. (…) Sinto pena de não ter estado na abertura do Pan, de não ter engrossado aquelas bem merecidas vaias. Talvez o presidente não se importe tanto, afinal, quem viaja de avião não é beneficiário de sua bolsa-esmola, não faz parte do seu particular curral eleitoral cevado com o dinheiro que ele arranca de nós (…) O governo sairá da inação, da omissão criminosa? Alguém será preso, punido por todas essas coisas? Infelizmente, duvido. Talvez condenem a mim, por ter deixado o coração explodir. Pagarei o preço alegremente”
Se o psicanalista se meteu a ser “expert” em aviação, sinto-me no direito de tentar analisá-lo. Que negócio é esse de ter a “dor amenizada por uma manchete que estampasse (…) GOVERNO ASSASSINA MAI DE 200 PESSOAS”?
O articulista sentiria menos dor? Isso resolveria parte de seu problema? Não sei se é preciso ser freudiano, lacaniano, ou algum “ano”, para notar que o articulista fala menos em fatos e mais em sentimentos.
Quanto ao episódio das vaias, ele sente “pena de não ter estado na abertura do Pan”. E ao chamar o Bolsa-Família de Bolsa-Esmola, claro, deixa claríssima sua posição nas trincheiras partidárias. Não precisaria disso, mas o forte de Daudt não é seu estilo.
Por fim, diz que pagará “alegremente” o eventual preço de ser preso, por conta do que dissera em seu artigo. Viram só? Primeiro, ele teria sua dor amenizada por uma manchete. Depois, sentiu pena por não ter vaiado Lula e diz que pagaria o preço (de uma condenação) com alegria.
Sentimentos, e não fatos. Opiniões pessoais, praticamente íntimas. E não há nada mais íntimo que um sentimento, ora pois! O maior jornal do país, na hora de analisar um triste fato repleto de circunstâncias técnicas, usa como articulista alguém que não emite apenas sua “opinião”, mas sim expõe “sentimentos” e predileções e oposições político/partidárias.
E o psicanalista (que definitivamente não é jurista) se coloca numa situação complicada, ao dizer que não houve acidente, mas sim um “crime”. Imputou um crime, portanto, a alguém.
Mais um trechinho (na verdade, um post “na íntegra”):
19/07 - Veja, blog do Reinaldo Azevedo“Crime Estratégico - Todo o dinheiro gasto pelo governo federal no aeroporto de Congonhas, e não foi pouco, evidencia a falta de planejamento na área. Na ponta do lápis, Congonhas deveria ser paulatinamente desativado. Em vez disso, resolveram incrementá-lo. Investiu-se na suntuosidade do prédio, embora as pistas sejam universalmente reconhecidas como inseguras. Nunca antes nestepaiz…”
Ressaltemos apenas o último trecho: “AS PISTAS SEJAM UNIVERSALMENTE RECONHECIDAS COMO INSEGURAS”. Hm… “Universalmente”? A qual “universo” Reinaldo se refere?
Vejamos o que publicou HOJE, em seu blog, Fernando Rodrigues (Folha de São Paulo):
“Parecer Técnico do IPT Não Encontra Problemas Na Pista Principal de Congonhas - O parecer técnico parcial nº12792-301-ii realizado pelo Instituto de Pesquisas Tecnológicas do Estado de São Paulo (IPT) na pista principal do aeroporto de Congonhas não identificou restrições ao uso da mesma. O documento é datado de ontem (19/07/2007). O resultado desse parecer é baseado, entretanto, em dados coletados até o dia 18 de julho de 2007 e também antes do acidente de terça-feira.”
E agora, Reinaldo Azevedo? Os técnicos do IPT, do Governo do Estado de São Paulo, que é gerido pelo PSDB, emitiram parecer segundo o qual não há problemas na pista principal. Repita-se: NÃO HÁ PROBLEMAS.
O blogueiro, à medida que surgia algum novo dado que prejudicava o uso oposicionista do acidente, dizia ter apenas uma única certeza: a pista seria imprópria para o pouso na chuva. Agora vem o IPT, órgão de um governo estadual do PSDB, e diz que a pista não tinha problema algum.
De um lado, Reinaldo Azevedo, sem sair de sua cadeira e formado em letras e jornalismo; de outro, técnicos do IPT, com formação técnica adequada, que visitaram o local e realizaram exames e análises. Quem parece mais qualificado para falar sobre a qualidade da pista?
Pois é… Mas temos o seguinte: de seu lado, Reinaldo fala em um conhecimento “universal”. Já os técnicos do IPT, mediante os procedimentos adequados, emitem um parecer sem esses adjetivos todos. A comparação não é apenas desigual. É desleal.
Depois das notícias sobre o problema com o “airbus”, bem como diante desse parecer do IPT, fica muito frágil a tese (que parecia lógica e claríssima, na emoção do momento) da pista como fator predominante (ou mesmo exclusivo) para o acidente.
Mas uma parcela considerável da mídia, antes de explicar e analisar, preferiu partir para o discurso político/partidário. O psicanalista citado, por exemplo, reuniu no texto uma série de escândalos que não têm relação entre si, falou até das vaias da abertura do Pan, para dizer que afinal de contas houve um “crime”. É um sofisma partidário de péssimo gosto (e detestável qualidade intelectual).
Nada disso diminui a dor das famílias que perderam seus entes queridos, tanto menos trará de volta aqueles que se foram no terrível acidente. A imprensa deveria deixar o populismo de lado nessas horas; e isso também vale para seus articulistas menos preocupados com a isenção.
Depois de um acidente desse tipo, qualquer um sabe muito bem o que o “povo quer ler”. O povo quer um culpado para ser apedrajado, o povo quer gritar em protesto contra alguém. O mais fácil – e leviano – a se fazer é oferecer um suposto algoz para que todos o malhem. Isso vende jornal, isso faz com que o texto seja reproduzido em N e-mails, isso sacia a quase escatológica sanha de uma parcela da população.
O mais difícil e correto, porém, é esperar laudos e demais fatores para começar a emitir algum tipo de juízo de valor minimamente adequado. Fernando Rodrigues deu uma aula de jornalismo para alguns colegas da Folha, e mostrou com muita clareza quão diferente é seu ofício daquele praticado por Reinaldo Azevedo.
E o psicanalista… Bom, esse daí só nos fez entender aquele negócio de que tais profissionais devem permanecer calados, aguardando o desenrolar dos fatos, a fim de colher elementos bastantes para uma análise razoável."