Para além do trabalho da pulsão de morte, silencioso ou barulhento, há um termo que quase nunca visita seus discurso: “suicídio”. Os sinônimos, entretanto, são vários: “fazer uma besteira”, “aqueles pensamentos ruins”, “acabar com tudo”, “dormir e não acordar mais” – como se houvesse um medo de, uma vez pronunciada esta palavra maldita, o compromisso com a morte se tornasse real.
Alguns falam tanto em se matar que quase não se acreditam mais. A morte se torna um termo de negociação, de barganha com a vida e barganha com o outro. Mas esta é uma ameaça, claro, que não se paga para ver. Outros parecem assustados consigo mesmo, espantados por terem considerado esta possibilidade, mais espantados ainda por estarem comunicando-a a outra pessoa. Nunca haviam pensado que a dor poderia chegar a tal nível, que estar vivo implica a possibilidade de morrer uma outra morte. Mas mesmo este susto não significa que não tentarão outras vezes.
Há, ainda, uma outra fala, um outro discurso. Um discurso racionalizado, filosófico, sem afeto, quase que uma equação, onde nós precisamos supor a dor e o sofrimento. A pergunta desta vez, que eles fazem e pela qual esperam nossa resposta é: há alguma razão para viver? há alguma razão para continuar vivendo? há alguma razão para manter-se vivo? Seus argumentos são lógicos, quase sem falhas: “o outro não vive em mim, ele não vive por mim; ele quer que eu continue vivo apenas por ele mesmo e não por mim; apenas eu conheço a minha vida, apenas eu conheço o meu limite e apenas eu sei quando ele é ultrapassado – minha decisão é legítima”. Intervenções de ordem moral não valem aqui.
Me fica a impressão de que, por trás do argumento racional (onde o sofrimento está congelado), há um medo terrível desta mesma morte que se diz desejar - transformar a morte em parte de um discurso razoável pode torná-la aceitável até, buscar exercer um controle que diminuirá o horror absoluto. A troca é: “abrirei mão de uma vida mais longa – um pouco mais, ou muito mais, não vou saber – por uma morte absolutamente consciente, uma morte sob meu controle.’”
Eles temem não serem absolutamente coerentes: “se eu sofro para além do meu limite, por que continuar vivo?” Agem como se fizessem parte de uma confraria secreta, de membros que se reconhecem pelo modo de andar, que estão sob um mesmo signo, de um mesmo destino – que pode ser realizar ou não. Parecem dizer que há algo demasiado indigno em estar vivo, em estar sob estas condições (sofrimento, desconhecimento do futuro, perdas constantes, envelhecimento), que ter consideração consigo mesmo é procurar a morte. Sentem estar protegendo a dignidade da vida, de sua vida, de si mesmos – serão dignos, não estando mais vivos.
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