4.2.07

Lembrando Jamil Snege

Estou vomitando você, meu bem
Jamil Snege 

Como o vivo vomita o morto, como a ave regurgita o seixo venenoso, como a fêmea rejeita o sêmen indesejado, eu vomito você, amor.

Vomito tuas roupas, tua cintura, teu andar pela sala sem nenhuma ternura. Vomito o tronco tenebroso, tuas olheiras, o cheiro de madeira podre do teu hálito.

Vomito as contas, os dedos, as unhas mal cortadas. Um a um, teus cabelos de metal e veneno vomito, vomito uma a uma as vértebras e as asas de teus sonhos aterrados.

Vomito sem mágoa, sem ódio, pequenos homenzinhos de bile verde com forte odor de ácido clorídrico - asas membranosas, formas orgânicas que reproduzem detalhe por detalhe as cartilagens de teu riso.

Vomito um desejo amarelo, noites de penetração e abismo, anéis de tenra mucosa rompidos. Vomito o gozo dessas noites de pêlos e cheiros, de espamos e fluidos, de marcas de lesma sobre a pele. Vomito oceanos de relíquias e cântigos antigos, castelos, frascos de vidro escuro e umas estranhas enguias agonizadas.

Vomito e vomito, e meu vômito ao riso se mistura, e rio você no vômito com a alegrias de águas puras, de uma fonte interior que explode e jorra pelos orifícios de meu corpo lavando você, expelindo você como o rim expele o cálculo, como a viva ave regurgita o seixo morto, como os anéis comprimem e expulsam o sêmen venenoso.

Rio você, meu bem, e te vomito com a alegria das águas indomadas, amorosa como a mãe noturna que subitamente pare uma aurora.

Um comentário:

LEIA SILAS Literatura Contemporânea disse...

AVENIDA JAMIL SNEGE

Avenida Jamil Snege
Não é uma via qualquer no devir de Curitiba
Mas um espiritual espaço cênico dentro de nossas sandálias de saudades
(Ele deve estar cerrindo da gente
Sobre um farol esquinal sempre vermelho-coisa
Num turbilhão de nuvens como se leitoas brancas
No tabuleiro em hélio de um céu meio sépia
Sobre o macadame da terra tipo hidrogênio-pitanga)

Avenida Jamil Snege
Poderia parecer humor de polaco anjo maluco
Mas é um horizonte cor de rosa-chá
E sobre uma bananeira que já deu goiaba o turco escreve
Salmos em rimas quânticas
Todos numerados de A a Z
Muito além das ficções com laços de ternura nas doces memórias.

Avenida Jamil Snege
Entre jardins e tempestades o viajador paranaense olha
Os picumãs das tardes friorentas do Paraná
Porque as nuvens entre coxas brancas de crepúsculos amanteigados
Pitam as chaminés ribeirinhas de pés-vermelhos entre urtigas
Cheirando jabuticabas brancas

Avenida Jamil Snege
Para quem só acreditava vendo, ele agora impertinente lê muito
Lê os manuscritos cósmicos além de Pasárgada ou Shangri-lá
Lê atiçado entre os braços de palhas das auroras
Lê os sótãos de trastes velhos de um Deus com solidão infinita
Sempre com saudades dos bolinhos de piruás
Saudades dos papos afiados dos amigos notívagos da boca maldita
Entre colchas de retalhos celestes revê urbanidades abaixo da seda-luz
Com reviçadas memórias saradinhas feito guloseimas verbais em volúpias telúricas.

Avenida Jamil Snege
É quase um bom bocado, um suspiro, um rocambole, um documento letral
Na galeria nobre da saudade muito além dos núcleos humanos
Talvez um reconhecimento de honra e paz nos píncaros da glória
Enquanto Jamil Snege ri gostoso e trancham com seu novo pijama de estrelas
Quase que maroteando de nosotros pobres mortais comuns
Que ainda nos reinamos atiçados em bem bebemorá-lo
Porque ainda nos restamos algo humanos entre etiquetas e rapsódias
Muito além das periferias descalças com humildes figuras em bisotê
De uma Curitiba que amanhece verde
Porque as gralhas azuis semeiam saudades e lágrimas entre pinheiros.
-0-
Silas Correa Leite
(Sampa Beirando Agosto 2008)