14.10.07

vértice


…de repente, o vértice roda, cria vertigem, como na música de Madredeus – um tango, o dedilhado tenso da viola crescendo, a reflexão de um violino e uma sanfona, subindo e descendo o fôlego, um tango de amor e abandono, até que a música gira quando ela diz “esquece”, com tanta dor e tanto pedido – então as coisas rodam e se condensam numa solene confusão – as palavras de G., tão cheias de empáfia, o discurso e seu mestre, como eu poderia saber? eu disse apenas nenhum conhecimento é completo, todo conhecimento precisa eternamente de reparos, este e outros rechaços que recebo, será que eu nunca aprendo? – então, neste mínimo momento, boas maneiras, educação e sociabilidade desaparecem, são eclipsadas para que todo incômodo e todo mal-estar surjam numa única palavra, uma única informação, num único olhar, até que eu pude me recolher novamente, não conseguindo não deixar para trás este rastro de ressentimento, esta meleca de desgosto e rancor, grudada no chão, embaixo da mesa e, num piscar de olhos, eu tenho esta coisa viva agora para cuidar, esta coisa que pulsa e aumenta, que eu tenho que matar mesmo sabendo que não irá embora sem fazer suas conseqüências – noites atrás, uma boa lembrança, de festa e conversa, agitação sem maiores efeitos (eu morro de medo das conseqüências das minhas agitações), um contato tão interessante que tem como inescapável conseqüência também me fazer recuar, tempo para que eu possa desaparecer, para que eu faça de mim mesma não mais que uma série de aparições periódicas, regulares, como pulsações de um moribundo, uma assombração que nada pode capturar – assim, a vontade de desvanecimento, de eclipse – mas ainda há espaço para Fédia e Ana, naquele terrível verão em Baden-Baden – penso que para os amigos todo o amor, que para o amor todo o amor, que para os desconhecidos toda a esperança e toda a defesa, mas e para aqueles que ficam num espaço intermediário, num meio termo, um meio terreno de invasores? percebo a raiva que se concentra no plasma do sangue, que invade pela ponta dos dedos, sustentada em detalhes que tomam o lugar do todo, do quadro maior, da cena completa, e o que fazer com esta agressividade?, quando pequena, eu estapeava outras crianças – virar então uma red-skin adulta, onde a ideologia é justificativa para fazer sangue, será a violência, de fato, sagrada?, não, a destinação desta raiva é não mais que um tremor atravessando o ar mais denso, então, o nada, a dissipação, porque, “no fundo, eu também sou um sentimental”, “e se a sentença se apresenta bruta, mais que depressa a mão cega executa, pois que senão o coração perdoa”...

Nenhum comentário: