Carlos
Deixo que a menina que vende balinhas roube o restante de meu dinheiro. Ela some nos corredores do bar, dizendo ir buscar o troco. Não me arrependo. Me entristece que ela precise desta minha caridade envergonhada.Espero Carlos há quarenta minutos. Através das janelas de vidro, vêem-se as mesas espremidas, o quadriculado amarelo sobre os tampos. Tudo o que se pede aqui vem num copo de vidro americano, com retas que sobem do fundo do copo.Na mesa a frente, uma garota me olha um olhar longo, de apetite e espera, como se servissem a mim e não sei lá o que eles servem neste lugar. Eu bebo água.É melhor eu ir. A garota me segue. Ela o faz sem timidez, sem vergonha, como se caçar fosse um esporte permitido lá onde ela vive. Consigo entrar em meu carro antes que ela possa me alcançar. Ela fica olhando enquanto vai ficando mais pequeninha, distante, sorrindo insolente. Ainda não terminou.Tomo a rua vazia, desço pela tesourinha pouco iluminada.De um dos cantos, ao sentir sobre si o farol de meu carro, corre um mulher. Negra e gorda, uma blusa de algodão com o tema de um político conhecido. Antes que ela pudesse correr, pude vê-la conversando com outra mulher, esta sem blusa, mais para dentro da curva. Peitos brancos, meio caído nos lados, com carnes ainda sadias. Penso que é uma boa idéia.Paro o carro, chamo a mulher do político, que vem correndo, seus próprios peitos gordos para cima e para baixo numa velocidade maior que a dela mesma. Faço meu pedido com muita clareza, em termos de contrato. Abro a porta, mas antes que ela – a negra mulher do político, de peitos velozes – possa entrar, é a primeira mulher – dos seios que escorregam, centrífugos, para o lado – que pula para meu lado.Para mim, tanto faz.Levo-a para casa. No caminho, ela não cala a boca um instante, alterna preços com notícias da família e perguntas sobre onde compro minhas roupas. Meu apartamento é perto. Mando que ela suba pelo elevador de serviço e me encontre lá em cima.Subo pelo elevador vazio, conferenciando com meu reflexo sujo no espelho.Quando chega em frente à porta, ela bate alto e repetidamente, num escândalo desnecessário.A mando direto para o quarto.Ela se senta na cama, encostando as costas contra a parede. Me sento na cadeira em frente. Ela ainda não calou a boca, começa a tirar a roupa com tanto descuido quanto....Para fazê-la calar, sento logo na cama. Antes que eu possa me defender, ela gruda-se em meus genitais, me aperta as partes íntimas mais como se fosse me pendurar de ponta cabeça por este exato ponto do que obter através disso algum prazer. A mulher cheira a mijo. Desisto.Mando que vista a roupa e desça logo para o carro. Pelo elevador de serviço.Quando eu chego lá embaixo, não me espanta que a menina do café – de olhar longo e insolente como um pedido de comida – me espera. Percebe meu incômodo e quando vê a mulher – a cheiradora de mijo – saindo do elevador e vindo em minha direção, pergunta se esta é minha namorada.“Não. Eu não tenho namoradas.”Ela se diverte, a menina adivinha.Sigo para o carro, enquanto a menina fica lá, inspecionando minha entrada. Ainda não acabou.Dentro do carro, digo para a mulher – a de tendências sadistas – que tenho que passar pelo caixa eletrônico, tirar o dinheiro. Não sei se entende isso ou se, pela primeira vez, alguém usa de tanto refinamento com ela. O fato de estar grudada em mim, dentro do carro, lhe dá a segurança de receber o que quer.Paramos em frente ao primeiro caixa eletrônico. Lhe mando esperar. Levo as chaves do carro. Dentro do carro, não há nada que possa ser levado.Antes que eu possa entrar, dois meninos de bermuda tentam passar pela porta de segurança, sair da sala envidraçada, que abre uns míseros centímetros. Que coisa idiota, penso, roubar um caixa eletrônico. Um dos moleques me pisca o olho, joga alguma coisa para mim, que desliza com dificuldade através da porta, e se vira para o guarda. Pego a arma, me viro de costas, ouço sons que me recuso a identificar vindo lá de dentro. Olho para a prostituta. Lhe digo que não pude sacar seu dinheiro. Ainda não acabou.
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