Direita e Esquerda tornaram-se escalas muito curtas para medir a realidade, se é que não o foram sempre. Onde, por exemplo, encaixar a social-democracia do PSDB se seu maior alvo é o PT e seu maior aliado, no momento, o PFL? E o autoritarismo do PSOL – que demitiu da chapa vencedora das eleições do Sinpeem todos aqueles que não se afiliaram ao partido – responde à que modelos de esquerda? E a insignificância atual do Partido Comunista Brasileiro?
Entretanto, me arrisco ainda a usar estes termos, na falta de coisa melhor.
Em “Soldados de Salamina”, um velho combatente da Guerra Civil comenta: “A esquerda sempre decepciona; a direita, nunca.” Concordo. A esquerda decepciona mesmo. É seu direito e obrigação decepcionar: o projeto de um mundo menos desigual, mais humano, nunca estará completo. Estamos sempre um passo atrás. E a esquerda está sempre um passa atrás. Ela é ultrapassada pelas condições socioeconômicas de cada tempo; pelo peso histórico das práticas gananciosas sustentadas pelo grande capital; pela ferocidade da mídia comprada e conservadora. Os governos de esquerda, mesmo quando se elegem, simplesmente são impotentes diante de alguns urgentes problemas. Pensemos, por exemplo, na questão do latifúndio e da grilagem no Brasil. A CPI da Terra, no final do ano passado, rejeitou um primeiro relatório dizendo que este impedia ‘o direito à terra’ – daqueles que já têm, há muito, direito à terra – e votou a favor de um segundo que torna ‘atos terroristas’ e ‘crimes hediondos’ a invasão de terras. (http://www.vermelho.org.br/diario/2005/1207/1207_cpi_terra.asp )
Eduardo Galeano falou disso de uma maneira muito especial, no Forum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre. O tema era Utopia. Antes mesmo que José Saramago, seguindo as colocações de Marx, se definisse como um anti-utopista, eis o que disse Galeano: estamos sempre perseguindo nossas utopias, utopias de um mundo mais justo, de uma vida mais significante, menos cruel; sempre que nos aproximos, percebemos que ainda falta muito para alcançar este sonho, este desejo. Eis então o que faz a utopia: ela nos faz caminhar. E o discurso de esquerda é um discurso utópico. Um discurso de 'esperança radical', como definiu Contardo Caligaris, fazendo uma crítica ao Lula eleitoral. Ora, a esquerda não tem medo de comprometer-se com esta utopia que faz caminhar.
“A direita, esta não decepciona nunca.” No poder, as ações da direita sempre vão além: não há limite ético ou moral para ultrapassar. Esperávamos o mal, recebemos o pior. As privatizações do governo FHC foram indecentes; bom, ele comprou sua reeleição. Dois dias antes de terminar seu governo, FHC aumentou de 30 para 50 o prazo de segredo de documentos militares da época da ditadura com a possibilidade de prorrogação deste período. (http://www.sinpro-rs.org.br/extraclasse/mai04/especial.asp)
Não estávamos acostumados com a direita na oposição. A esquerda na oposição realiza um trabalho constante, nem sempre eficiente. A esquerda – a verdadeira esquerda – está para sempre entravada por seus princípios, seus limites de ação, tudo inegociável. Quase como uma oposição sem malícia. Estes princípios, estes limites também explicam porque os partidos de esquerda não conseguem se unir num único projeto, desde os tempos de Lênin (Hobsbawn, em ‘Era dos Extremos’, fala de como os comunistas, antes da I Guerra, combatiam mais os social-democratas do que os facistas).
A direita na oposição, rancorosa de ter perdido o poder, é carniceira e sem escrúpulos. Nada impede sua ação. Confiante na mídia, a direita é puro espetáculo, sabe que é isso que importa. Sabe que o que importa é acusar – para quê provar? Quem se importa com provas? Num país sem memória, se alguém acusado hoje prova sua inocência daqui a 30 anos, 10 anos ou 2 meses, ninguém mais se lembra. Qual o problema se a única prova contra José Dirceu é o testemunho da mulher de Marcos Valério? A direita não precisa ser coerente: ACM Neto acusa a Abin de grampeá-lo e ameaça surrar o presidente Lula – quem se lembra de que seu avô grampeou o telefone de uma ex-namorada, usando aparato do Estado para suas arbitrariedades?
A direita não decepciona nunca.
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