3.4.06

"Boa noite, e boa sorte"


"Isso pode não fazer bem a ninguém. Ao fim deste discurso, algumas pessoas podem acusar este repórter de desonrar seu próprio e confortável ninho, e sua organização pode ser acusada de ter sido hospitaleira a pensamentos heréticos e até perigosos. Mas a complexa estrutura de emissoras, agências publicitárias e patrocinadores não será abalada ou alterada. É meu desejo, se não minha obrigação, tentar falar a vocês, trabalhadores experientes, com alguma sinceridade sobre o que está acontecendo com o rádio e a televisão.

Não tenho nenhuma dica ou conselho técnico a oferecer àqueles que trabalham nesta área de produção de palavras e imagens. Vocês me perdoarão por não falar que os instrumentos com os quais trabalham são fantásticos, que sua responsabilidade não tem precedentes ou que suas aspirações são freqüentemente frustradas. Não é necessário lembrar que o fato de suas vozes serem amplificadas ao ponto de atingirem de uma costa a outra do país não lhes confere maior sabedoria ou compreensão do que vocês possuíam quando elas atingiam apenas de um lado a outro de um bar. Vocês sabem de tudo isso.

De início, vocês também deveriam saber que, assim como testemunhas se apresentam diante de comitês do Congresso, eu me apresento aqui voluntariamente – convidado – como um empregado da Columbia Broadcasting System, ressaltando que não sou administrador ou diretor daquela corporação e que estes comentários são de natureza pessoal. Se o que tenho a dizer é irresponsável, então sou sozinho responsável por dizê-lo. Como não procuro aprovação de meus empregadores ou novos patrocinadores, ou elogios dos críticos de rádio e televisão, então não posso me deixar enganar. Acreditando que, potencialmente, o sistema de transmissão comercial deste país é o melhor e mais livre já projetado, decidi expressar minha preocupação sobre o que acredito estar acontecendo ao rádio e à televisão. Estes veículos têm sido bons para mim além da conta. Não há nenhuma base justa para reclamações pessoais. Não tenho nenhuma rixa, seja com meus empregadores, qualquer patrocinador ou com os críticos profissionais de rádio e televisão. Mas sou tomado por um medo duradouro que diz respeito ao que estes dois instrumentos têm feito à nossa sociedade, nossa cultura e nossa herança.

Nossa história será o que fizermos dela. Se houver historiadores daqui a cinqüenta ou cem anos e tiverem sido preservados filmes de uma semana de nossas três redes, eles irão encontrar gravadas em preto e branco, ou cor, provas da decadência, escapismo e alienação das realidades do mundo em que vivemos. Eu chamo sua atenção para a grade de programação de todas as emissoras no horário de 8 a 11 da noite, na Costa Leste. Vocês encontrarão apenas referências passageiras e espasmódicas ao fato de que esta nação está em perigo mortal. Há, é verdade, programas informativos ocasionais apresentados no gueto intelectual das tardes de domingo. Mas durante os períodos de pico diários, a televisão nos isola das realidades do mundo em que vivemos. Se as coisas continuarem assim, nós talvez tenhamos que alterar um slogan publicitário para ler: OLHE AGORA, PAGUE DEPOIS.

Certamente, se sobrevivermos, nós deveremos pagar por usar este poderoso instrumento de comunicação para alienar a população das duras e exigentes realidades que devemos encarar. Eu uso a palavra "sobreviver" literalmente. Se houvesse uma competição por indiferença, ou talvez por alienação, então Nero e sua lira e Chamberlain e seu guarda-chuva não encontrariam lugar em um programa de início de tarde. Se Hollywood ficasse sem índios, a programação ficaria completamente desorganizada. Então alguma alma corajosa com um orçamento modesto poderia ser capaz de fazer um documentário contando o que, de fato, nós fizemos – e continuamos a fazer – com os índios neste país. Mas isso seria desagradável. E nós temos que, a todo custo, proteger os sensíveis cidadãos de qualquer coisa que seja desagradável. (...)"

Discurso de Edward Murrow na Convenção da Radio-Television News Directors Association (Associação dos Diretores de Rádio e Telejornalismo), em 15 de outubro de 1958.

link para o discurso completo: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=372TVQ002

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