24.9.06

Um corpo para chamar de seu

Aos vinte e cinco anos posso, pela primeira vez, constatar sem muito assombro: este é o meu corpo, este corpo é meu. (Quem sabe, num futuro, eu possa dizer: este corpo sou eu.)

Talvez, passada a infância com sua vaga consciência da existência de membros e de um corpo dividido em partes (inscrevê-lo com significantes, diz Lacan); passada a insatisfação generalizada da adolescência, do qual o corpo era apenas mais um penoso índice; talvez, agora, com os primeiros sinais de envelhecimento (rugas, manchas avermelhadas, fios de cabelo branco), talvez, agora, o espírito tenha se assentado na carne.

Algumas considerações se fazem necessárias, entretanto.

Faltou a este corpo algo como um manual de instruções (‘Como cuidar de seu corpo recém-adquirido e fazê-lo durar mais’). Ninguém avisou de sua acentuada tendência às olheiras e que eu deveria, então, tomar cuidado com as noites insones. Ninguém avisou, tampouco, de um certo desordenamento em suas engrenagens internas que o faz, volta e meia, despencar-se ao descer a escada ou ao subir o degrau do alpendre (as marcas roxas e vivas sucedem outras de um amarelado adoentado e triste).

Aos vinte e cinco anos, é possível ainda contar com a indulgência destinada à juventude (nas aulas que dei, a primeira questão dos alunos foi saber minha idade). Entretanto, não sou mais a garota precoce que eu era tantos anos atrás. Para dizer a verdade, eu nem o era de fato, mas a literatura, ou melhor, a leitura compulsiva, me adiantava bastante naquilo que eu só iria conhecer verdadeiramente anos depois (como ler ‘Personas Sexuais’ inteirinho com 15 anos).

Nada mais de fantasias masturbatórias: e se eu fosse mais alta? E se eu fosse mais magra? (Isso cansa só de imaginar). E se eu fosse a versão brasileira da Sra Pitt? (A atual ou a anterior, tanto faz). Tudo isso cansa. Que valha mais um corpo vivo que um corpo magro; que valha mais um corpo velho que um corpo vazio; que valha mais engrenagens desordenadas que um corpo automático.

Um comentário:

Anônimo disse...

Ler o seu blog é como tomar uma pint de Guinness pela manhã: é pesado, denso, impensável fazê-lo (exceto para os irlandeses) mas, encarado o desafio de digeri-la, muito e muito bom.

Quanto a meu corpo, não sei se me acostumarei com ele. Vinte e cinco anos é uma idade boa pra isso.

Beijos, saudades.