7.9.06

Eu também, Jean-Bertrand...

É o ‘culto à palavra exata' que estabelece uma relação entre Jean-Bertrand Pontalis e eu, ou o que eu imagino ser J.-B. pontalis. É ele mesmo que me dá a autorização: “Mas Florença será sempre Florença, porque Florença é, antes de tudo, o nome de Florença”. Jean-Bertrand Pontalis é, antes de tudo, o nome Pontalis.

[Penso em uma aluna que encontrei; ela disse: “Ah, você também bebe..?” E completou com o nome do drink que eu bebia naquela hora. Na sala de aula, semanas mais tarde, ela diz: “Eu também detesto comentadores!” ou “Eu também não gosto de usar este termo". Neste repetitivo e feliz "eu também" se traduz a identificação imaginária mais rasteira, o que não me impede de cair na mesma esparrela em relação a J.-B.]

Me atrai o nome exato que permite a Pontalis não apenas qualificar os resmungos e olhares de Jacques Lacan antes de começar seus seminários (um verdadeiro show man), mas também os termos para substantivar este professor: ator, mago, racional, apaixonado, o Mestre rodeado por pessoas que se queriam seguidores mais do que ele os queria como discípulos – o país da Lacânia onde charutos e gravatas-borboletas proliferavam.

Mas me atrai, sobretudo, uma postura de desassombro. Não se trata de cansaço, mas alguém a quem, nas suas relações com o outro, pode se sentir intrigado pela segurança, desnorteado pela estupidez e comovido pela ‘falta de jeito’ dos outros. Tudo isso, ao mesmo tempo, junto. Alguma coisa subsiste nisso tudo, um fundo que não consigo vislumbrar com clareza, mas que me comunica esta sensação, que apenas esta palavra parece suportar: desassombro – ele sente, mas não se deixa levar; ele registra tudo, mas não é indiferente ou cínico; tudo isso ele pode reverter, mais tarde, às palavras, desde que aceite o silêncio.

É o próprio Pontalis quem me diz quem é Pontalis, qual efeito destas leituras sobre mim: “O instante, esta preciosa ferida de um tempo de outro modo voltado à indiferença.” O tempo é impalpável e escorrega imperceptivelmente como um rio – mas uma pequena ilha, uma rocha, um banco de areia por mais que "não interrompa seu fluxo, nos dá a ilusão de que, pelo menos, o desvia". É isso, Pontalis é um marco, um desvio, ele fez um volume ou causou um pequeno desnível – uma pequena curva no meu jeito de pensar e sentir e o mundo, antes de chegar até mim, segue agora este novo caminho, irresistível.

Se ater à linguagem, pensar sobre ela é necessariamente angustiante, mas, de outro lado, há uma generosidade sobre-humana em usar a linguagem, em se deixar ser usado por ela, deixar-se atravessar por ela e oferecer as palavras-borbulhas deste atravessamento. Porque Pontalis me oferece um presente quando diz: “encontrar uma literatura que transforme todo o resto em literatura” e, assim, me apresenta o que eu buscava da literatura e não sabia.

(Uma literatura que desvia o mundo, que retorna sobre o mundo e torna-o mundo posterior. Uma literatura que faz do mundo uma conseqüência de si. Não é o mundo que confere poder à literatura, mesmo que ela seja realista; é a literatura que põe o mundo em risco quando ao fazer dele discurso apresenta a desordem de sua estrutura íntima. E eu não quero menos que isso).

2 comentários:

Ana Janaina disse...

Sra Sem Nexo,

Como não estou conseguindo acessar sua página, deixo a resposta por aqui mesmo.

Primeiro, a senhora não sabe no que acredito ou não, então, não faça projeções. Outra, guarde seu slogan para você.

O que me espanta é este seu ódio pelo PT, este ressentimento, a perseguição pessoal a este blog.
Se vc acha isso do PT, é um direito seu, democrático. Agora, como eu já havia dito antes, o tom das suas proposições - pessoal, reativo, agressivo - me desobriga qualquer explicação. Se você foi à palestra da prof Marilena, e parece ter sido o caso, deve lembrar-se da contraposição que ela faz entre o 'sentir' e o 'saber-pensar'. Mas tudo bem, pode ser que vc não tenha entendido, afinal, não entendeu quando ela disse: "A CRISE foi uma construção midiática" e também não ouviu quando ela falou de corrupção estrutural no Brasil.

No mais, cuidado: ressentimento faz mal ao coração,

j.

Anônimo disse...

Acho que falamos de coisas parecidas. Não sei se é um desassombro, ou um assombro, mesmo, do mesmo tipo do assombro de Rosa (“Tudo, nesta vida, é muito cantável”), um assombro que não imobiliza, mas que empurra. Sim, Pontalis está desnorteado pela falta de jeito dos outros, mas continua buscando – a palavra, o outro, o silêncio acompanhado (mesmo que do outro lado da linha telefônica). Um viajar para este outro lugar acompanhado desse outro sem jeito, mas que nos permite cruzar a rocha no meio do rio – quem sabe, até mesma, pisar seu solo, para então ir em frente.
Você diz que comprou este livro num sebo e – meses depois -, Grande Sertão Veredas, e fala deste desnível que ele produziu em você. Também em mim este livro teve um efeito violento. Eu havia (pela primeira vez, porque o fiz mais duas) interrompido minha análise, há poucos meses. Tinha cansado, estava assustado, não via sentido numa cura pela palavra, quando as palavras faltavam a mim e ao outro ou quando, no caso de surgirem, serem tão lancinantes. Pontalis me levou de volta ao divã, deu algum sentido para aquilo que parecia só sofrimento, e foi naquele momento que decidi que também eu daria à minha formação em psiquiatria o destino da psicanálise. Meu analista, Pontalis e Guimarães Rosa são meus “pais analíticos” (uma trindade secular).
O que me leva, como parece que acontece com você, a esta encruzilhada entre a psicanálise e a literatura. Para mim, uma encruzilhada que se juntou num único caminho, assim como aconteceu com Pontalis.
A literatura põe o mundo em risco. A psicanálise põe o sujeito em risco. E viver, afinal, não é mesmo muito perigoso?