Leio em ‘Se um viajante numa noite de inverno’, de Ítalo Calvino, em um dos romance-incipit:
"Estou convencido de que o mundo quer dizer-me alguma coisa, mandar-me mensagens, avisos, sinais.”
Este é “Debruçando-se na borda da costa encarpada”, o romance simbólico-interpretativo, segundo me diz o epílogo.
Esta frase me causa estranheza: é óbvio que o mundo está a me mandar mensagens, quer dizer, isto não é obvio, mas é obvio que todos se sentem deste jeito. A nossa atividade interpretativa dos fatos, das coincidências e das não-coincidências, do sofrimento, das palavras das pessoas, de seus gestos, das fases da lua, da posição dos planetas, do modo como a borra de café se acumula no fundo da xícara, do dia dos nossos nascimentos, etc e tal – isso me diz que estamos sempre buscando alguma razão, alguma explicação, algum sentido que, cremos, é inerente ao fato de estar no mundo, de estar vivo. A religião, então, levam isto ao seus graus máximos.
Quando o personagem diz isso, ‘tenho esta impressão de que o mundo quer dizer-me alguma coisa’ ao contrário de me assegurar algo, de me aproximar do personagem – eu também acho que o mundo está a dizer-me algo –, o efeito é contrário. Ao anunciar algo que me parece óbvio, sem compartilhar do meu sentimento de obviedade, sem parecer redundante, pelo contrário, apresentando espanto, as palavras perdem qualquer potencial assegurador. Se o personagem declara isso, quer dizer, então, que ele poderia não ter esta impressão, quer dizer que ele poderia pensar que o mundo não quer dizer-lhe nada, que não há mensagem inerente ao fato de se estar vivo. As palavras dizem: 'o mundo quer dizer-me algo', eu sinto: 'talvez o mundo não seja capaz de dizer nada, de enviar nenhum sinal, nenhum aviso, nenhum nada'.Eu fico desconfiada.
Estou bolando isto na minha cabeça, nas minhas anotações: como explicar a meus alunos que, ao contrário da linguagem tornar exato aquilo que é nebuloso – penso nos momentos primeiros de nosso aprendizado das palavras, as palavras dando ao infans as ferramentas para falar daquilo que sente –, as palavras tornam confuso aquilo que estava claro: a mãe sabia quando dar de mamar, quando limpar, quando agasalhar, quando apenas deixar ao colo um bebê que dormita. As palavras aqui, não são necessárias.
Mas Calvio explica isso melhor que eu:
“Primeiro vem essa língua sem palavras dos corpos vivos – é essa premissa que você gostaria que Uzzi-Tuzzi percebesse? –, depois as palavras com as quais se escrevem os livros e se busca inutilmente traduzir aquela primeira língua, depois...”
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