Para contextualizar a questão da nacionalização do gás boliviano e seus efeitos sobre a Petrobrás:
- A demanda, no Brasil, de gás boliviano foi construída, de maneira artificial, pelo governo FHC. Isso foi realizado com direito, inclusive, a esdrúxulas participações como a da senhora Rebecca Marques, estrela da Enron, que conseguiu a importação diária de até 30 milhões de metros cúbicos de gás por dia. Para quem não lembra dos escândalos desta empresa, assista o documentário “Enron – Os mais espertos da sala” onde um dos traders da empresa liga para usinas de energia na Califórnia pedindo “sejam criativos e arranjem uma desculpa para parar a usina por 3,4 horas” - as ações da Enron passam de 30 para 400 dólares neste intervalo e a California elege o Therminator como governador.
- A Petrobrás fez um acordo take or pay com a Bolívia, ou seja, que pagaria de qualquer forma pelo gás mesmo se não o utilizasse – em 2001, por exemplo, perdia-se por falta de uso 8 milhões de metros cúbicos de gás boliviano. Para se ter uma idéia, o investimento inicial da Petrobrás na Bolívia do governo FHC foi de 74,30 milhões de dólares – apenas esse valor se aproxima da totalidade de investimentos do governo Lula: 49,7 milhões em 2003; 18,7 em 2004, e 18 milhões em 2005. Só em 2001 e 2002, o governo FHC investiu 178 e 218,4 milhões respectivamente. Ou seja, desde 2003, a política brasileira tem sido de precaução em relação aos investimentos na Bolívia. Sim, o prejuízo poderia ter sido ainda maior.
- Esta é a terceira tentativa de nacionalização do petróleo na Bolívia. Em 1937, expropriando a Standard Oil; e em 1969, agora com a Gulf Oil. A reabertura à iniciativa privada aconteceu em 1970, com uma ditadura militar que resultou na privatização total em 1996. O Brasil mesmo já teve a sua campanha de nacionalização do petróleo, em 1957 - "O petróleo é nosso!" - , assim como a Argentina, a Venezuela e o México. Ou seja, o que Evo Morales está fazendo agora, nós, entre outros, já realizamos: será que defendemos com tanto afinco os ‘direitos’ das multinacionais exploradoras de petróleo, então? Basta fazer um exercício mental: imaginemos que algum enoluquecido governo tivesse vendido parte da Amazônia – não seria legítimo uma ação para retomar nossa maior fonte de biodiversidade? O mesmo se passa com a Bolívia, em relação aos seus recursos energéticos.
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Os contratos que passaram o controle do gás para a mãos das multinacionais deveriam ter sido aprovados pelo Congresso boliviano. Não foram. Os contratos com a Petrobrás previam a nacionalização do gás – contratos feitos por FHC, mas cuja conta ficou para ser paga pelo governo Lula. Não apenas Morales, como também seus concorrentes, tinham a nacionalização como bandeira principal, visando atender os anseios da população. Parece que lá na Bolívia, ao contrário do Brasil, tanto os governantes quanto a população não se esquecem das promessas de campanha...
E, o mais importante de todos:
- O gás responde à 8% da demanda total de energia do Brasil. Deste valor, metade é o gás boliviano. Ou seja, o gás boliviano responde por 4% da demanda energética do país inteiro.
A mídia tem feito um cavalo de batalha desta historia toda. Ter que buscar uma fonte de substituição do gás boliviano – 4% do uso energético total do Brasil – é inconveniente, mas não impossível. O escarcéu feito em torno disso corresponde, das duas, uma, ou à completa falta de senso dos jornalistas ou à uma tendencionismo cara-de-pau. Como ninguém se isenta do jogo político, mesmo que queira, eu fico com a segunda opção. Mais importante do que rever o uso do gás boliviano é a auto-suficiência do Brasil em petróleo simplesmente não discutida pelos grandes meios de comunicação. Pelo contrário, os números apresentados – estou pensando na Globo – dão a impressão de que, na verdade, São Paulo só anda se tivermos gás natural (estardalhaço em torno dos valores “75% da demanda energética de São Paulo depende do gás boliviano”). Ou a mídia é inocente, e incompetente – o que eu não acredito – ou está, para variar, fazendo seu jogo eleitoreiro de desestabilização do governo Lula.
Diz o Senador Arthur Virgílio em audiência pública: “Esse aumento não pode ser subsidiado pela Petrobras. Parece aquela velha disputa entre esquerda e direita, e a esquerda acha que os acionistas que se danem” (não estou achando o data). É, de fato, uma escolha feita pelo governo: fazer com que os novos custos que estão por vir sejam amortizados pela empresa e seus 400 mil acionistas e não pelos 500 mil donos de automóveis movidos a gás, não por usina termelétrica que depende do gás e não por 1.200 empresas brasileiras que também dependem do gás boliviano.
“Ao comentar a hipótese de o impacto nos preços ser absorvido pela Petrobras, o líder tucano mostrou uma preocupação especial com os investidores norte-americanos de Wall Street, detentores de cerca de 40% das ações da empresa. Só que os próprios investidores parecem nem ligar para a crise e suas conseqüências – talvez por saber que os efeitos serão mínimos e não merecedores de histeria.
Desde o anúncio da nacionalização do petróleo e gás pela Bolívia, em 1º de maio, as ações ON da Petrobras - o tipo mais importante de título de uma empresa - negociadas em Nova York subiram 7% até esta terça-feira (09) e as transacionadas em São Paulo, 5%. “As pessoas não gostam tanto das sinalizações do mercado? Para o mercado, está tudo certo”, afirmou Celso Amorim, em entrevista depois do debate no Senado. “Os capitalistas de Wall Street, que são muito espertos e bem informados, não se abalaram”, ressaltou o senador Roberto Saturnino (PT-RJ), presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que realizou a audiência pública.” (Absorção de custo pela Petrobrás incomoda neoliberais, André Barracol, http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10831)
Ainda assim, apesar de criticada pela oposição como frouxa, foi a postura diplomática brasileira racional, que possibilitou um acordo nos últimos dias e fez Morales baixar o tom:
“Segundo o texto assinado, ‘as partes concordaram que a proposta de revisão de preços de gás seja tratada, de forma racional e eqüitativa, nos termos da Declaração de Puerto Iguazu, ao amparo dos mecanismos estabelecidos o contrato de compra e venda de gás natural’. Além disso, estabelece reuniões em nível técnico para tratar de uma fase de transição e formas de compensação negociada.
O documento também anuncia a criação de uma Comissão de alto Nível, composta pelos dois ministérios e pelas duas estatais, assim como de uma comissão técnica e três grupos de trabalho. O ministério de Minas e Energia do Brasil e a Petrobras reiteraram seu respeito pelas decisões soberanas do governo e do povo bolivianos. ‘Os métodos de trabalho estabelecidos na reunião refletem o interesse em aprofundar o diálogo bilateral’, conclui o texto” (Lula e Morales tentam acertar os ponteiros, Marco Aurélio Weissheimer, http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10859)
Entretanto, uma coisa é certa: o governo brasileiro não pode ter a ingenuidade de ignorar a instabilidade do presidente boliviano, por maior que seja o desejo de uma integração latino americana. Evo Morales não é confiável. Se suas ações nos últimos dias são, de fato, realização de um compromisso assumido com a população ou se ele, como foi chamado pela mídia, “marionete” de Hugo Chávez, não se tem como saber. Mas sabemos que ele acusou a Petrobras de manter ‘contratos ilegais’, chegando ao contrabando, que se utilizou de um fato histórico – a venda do Acre para o Brasil (http://cartamaior.uol.com.br/templates/materiaMostrar.cfm?materia_id=10863) – de uma maneira não apenas tendenciosa, mas falsa; que, depois de pressionado pelo governo brasileiro, simplesmente declarou que não havia feito nenhuma destas acusações à Petrobrás, que tudo isso deveu-se à atitude da mída. (http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/blogs.asp?id_blog=3&id={087A4B88-4F93-48C1-A442-7516C57FE74D})
(Retirei os dados da Carta Capital, edição do dia 10 de maio de 2006).
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