
Antes de ler o mundo, eu o ouço, eu o tateio, e, admito, uso os sentidos para decompor, decompor tudo o que vem do outro: palavras, sons, tons de voz, sotaque, conteúdo, escolhas, muita atenção para o lugar de termos como “eu”, “meu”, “eu sou”, “para mim” nas frases, quais são os cheiros, se há perfume, a direção do rosto, as rugas, os sinais de sofrimento, piscadelas, volteios, são como jogos de luz. Vejo o outro não apenas porque me interessa em si, mas porque quero me esquecer de mim. Espero ter alcançado aquele estágio monástico em que ter a mim mesma como assunto não faz mais que me provocar desinteresse e uma certa sonolência. Não se trata de abandonar a auto-reflexão, este meu vício sincero, mas de abrir mão de sintomas mais óbvios do narcisismo ou de seus usos mais clichês.
Agora, não faço muita coisa, apenas espero, espero que os momentos me cheguem, que o momento chegue, o mágico momento em que, ainda no agora, acontece a concepção, se dá a gestação dos vários futuros possíveis. Esta experiência temporal ínfima, um insignificante segundo diante da vastidão sem tempo do universo, em que passado e futuro se alinham, sem se revelar, à ignorância do presente.
Nenhum comentário:
Postar um comentário