9.8.08

Barthianas

“…toda biografia é um romance que não ousa dizer seu nome.”

“Evidentemente, é sempre um pouco delicado falar de nós mesmo como nós mesmos, não é?… como se existíssemos como pessoas, como eu.”

“É, pois, aí que nossa enquete deve começar, nesse momento em que os escritores de esquerda, definidos e congregados pelas opiniões que professam, pelas palavras de ordem que defendem, pelos manifestos que assinam, pelos congressos que freqüentam e pelas revistas nas quais escrevem, eclipsam-se, porém, diante de sua obra, impõe silêncio à sua pessoa e deixam que apareça, por trás deles, a literatura em sua solidão e em seu enigma, em pé diante do olhar verdadeiro da História.”

“A Utopia é o campo do desejo, diante da Política, que é o campo da necessidade. Donde as relações paradoxais desses dois discursos: eles se completam, mas não se compreendem; a Necessidade censura o Desejo por sua irresponsabilidade, sua futilidade; o Desejo reprova a Necessidade por suas censuras, seu poder redutor (…).”

“Talvez aos olhos de nossos pirrônicos burgueses, o marxismo contemporâneo seja um paradoxo cujo sucesso choca insolentemente a sã lógica científica. Mas para numerosos dissidentes, cujo destino individual continua sendo fecundado pelo marxismo, o dogmatismo moscovita não é um escândalo: é uma tragédia, em meio à qual eles tentam manter, assim como o coro antigo, a consciência do infortúnio, o gosto pela esperança e a vontade de entender.”

“Essa pobreza inverte a opção hippie como cópia caricatural da alienação econômica, e essa cópia, ostentada com leviandade, enche-se em contrapartida de uma irresponsabilidade positiva. Pois a maioria dos traços inventados pelo hippie contra a sua civilização de origem (que é a civilização da riqueza) são exatamente os mesmos que marcam a pobreza, não como signo, porém – bem mais severamente – como índice ou efeito: a sub-refeição, o alojamento coletivo, os pés descalços, a sujeira, o andrajo são então forças que não servem para lutar simbolicamente contra a pletora dos bens, mas são as forças efetivas contra as quais é preciso lutar; (…); passados para o lado da positividade, eles (os símbolos) deixam de ser jogo, forma superior de atividade simbólica, e passam a ser disfarce, forma inferior do narcisismo cultural: o contexto, como na boa regra lingüística, inverte o sentido, e o contexto, aqui, é a economia.”

“Viram-se assim a maior parte das liberações postuladas, as da sociedade, da cultura, da arte, da sexualidade, enunciar-se sob as espécies de um discurso de poder: vangloriavam-se de pôr em evidência o que havia sido esmagado, sem ver o que, assim fazendo, se esmagava alhures.”

Trechos de "Inéditos Vol 4 - Política", de Roland Barthes (edição das obras completas pela Martins Fontes)

Nenhum comentário: