5.8.06

Do leão e da apreciação de suas qualidades

Suponha, então, algo característico e único do homem, que se chama ‘humano’. Das aves, diz-se ‘voador’ (do voar vivo que bate as asas, no movimento de vontade de vôo); nos macacos, reconhecemos o ‘símio’; dos morcegos, chamamos ‘noturno’ (ou ‘noctívago’). Nos leões, nomeia-se a esta específica qualidade ‘leonino’.

Mas suponha, então, uma fusão, um mesclar de tais qualidades que afronta a lei da exclusividade taxonômica. As sereias eram meio-peixes, meio-mulheres, meio-monstros. A esfinge era, ao mesmo tempo, ave, leoa, fêmea e faminta (além de levemente histérica em seus enigmas). Luis Coimbra é meio-homem, meio-leão.

Se a qualidade do humano é imediata e inegável, em Luis, a qualidade leonina é fugidia, econômica e exige prospecção. É preciso ter consigo algo como o mapa do reino dos seres imaginários (Borges) que nos avise a que sinais prestar atenção.

No rosto, por exemplo, os traços de uma estirpe real, caracterizada pela impenetrabilidade da raça, em que a juba se espalha, lança-se para trás e mantém-se erguida, indignada consigo e com o humano. O corpo compartilha também dos gestos dos grandes felinos; ele sobe pela rocha com a mesma desfaçatez dos gatos que sempre caem de pé (neste ponto, a humanidade de Luís Coimbra se sobrepõe, deixando-o, ao contrário dos gatos, frágil, demasiado frágil). Até o arco das sobrancelhas, em seus reflexos loiro-acinzentados, confirma a semelhança dos traços, quando se erguem num movimento aristocrático e ciumento.

A semelhança é consistente, densa, carnal; vislumbra-se a herança leonina espiritual, ainda que entranhada no corpo, ainda que manifesta na extensão material. Não raro as pessoas sentem – e me confesso vítima desta ilusão – uma certa animosidade, uma indisposição de Luis; nada mais que a porção leão estranhando a humanidade. Estranhamento travado entre as zigomas – ou melhor dizendo, entre as mandíbulas...

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