28.8.06

Refugo Humano - Entrevista com Luiz Carlos Fridman

Uma das exigências dos seqüestradores da equipe da TV Globo em SP era aparecer na televisão. No vídeo eles fazem uma série de exigências, mas seqüestram o jornalista pedindo em troca a exibição do vídeo. A partir dessa constatação, gostaria de perguntar se a sociedade está se dividindo entre pessoas e não-pessoas, entre visíveis e invisíveis?

– Não, mas estamos nos dividindo entre aqueles que têm uma vida para viver e os que não têm. Na economia contemporânea é o contrário do capitalismo industrial clássico. No capitalismo contemporâneo, que se move à velocidade do sinal eletrônico e que aplica intensa, ininterrupta e sucessivamente tecnologia à produção da riqueza material, criou-se uma nova categoria que é o refugo humano. O velho Marx falava em exército industrial de reserva, mas o exército industrial de reserva acabou. Não existe mais. O exército industrial de reserva eram as pessoas que não estavam alocadas na divisão social do trabalho, mas que iriam ser integradas, mais cedo ou mais tarde, ou poderiam vir a ocupar um lugar na divisão social do trabalho. O refugo humano é gente que não ocupou, não ocupa e não ocupará lugar nenhum na divisão social do trabalho. Isso acontece no Brasil, assim como na Ásia, na África e nos demais países da América Latina. Com a presença do terceiro mundo no primeiro mundo, também vai acontecer no primeiro mundo. O último filme do Costa Gravas, “O Corte”, trata dessa questão, só que ao nível dos executivos. Aquilo é a insegurança com o emprego, o efeito daqueles que estiveram empregados no mundo do desemprego estrutural.

(...)

O universo fica restrito ali, configura-se um gueto. E como fazer a partir daí uma conexão com o PCC, o seqüestro do jornalista em SP?

– Esse já é um patamar diferente. Nesse aprendizado precário no interior das instituições carcerárias, vão surgindo as formas perversas do crime, a ponto de o crime ameaçar a sociedade. Na verdade, acaba sendo a forma como eles aterrorizam que os habilita a ser uma força – que não é terrorista (o terrorismo em geral obedece a propósitos de valor, ou religiosos ou políticos), mas os habilita como força perante a sociedade. Acho que ele quer aparecer na televisão para ser habilitado enquanto força a ser considerada pelas instituições carcerárias. Essa é uma ameaça terrível, pois eles se dispõem a utilizar a violência de maneira indiscriminada, impondo sacrifícios a todos os grupos e instituições. Isso é uma ameaça ao Estado de direito democrático, que precisa se defender e defender a população. Sem essa adição, a “interpretação sociológica” fica leniente com as aberrações evidentes como a morte de civis ou seqüestros de jornalistas.

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