Uma das exigências dos seqüestradores da equipe da TV Globo em SP era aparecer na televisão. No vídeo eles fazem uma série de exigências, mas seqüestram o jornalista pedindo em troca a exibição do vídeo. A partir dessa constatação, gostaria de perguntar se a sociedade está se dividindo entre pessoas e não-pessoas, entre visíveis e invisíveis?
– Não, mas estamos nos dividindo entre aqueles que têm uma vida para viver e os que não têm. Na economia contemporânea é o contrário do capitalismo industrial clássico. No capitalismo contemporâneo, que se move à velocidade do sinal eletrônico e que aplica intensa, ininterrupta e sucessivamente tecnologia à produção da riqueza material, criou-se uma nova categoria que é o refugo humano. O velho Marx falava em exército industrial de reserva, mas o exército industrial de reserva acabou. Não existe mais. O exército industrial de reserva eram as pessoas que não estavam alocadas na divisão social do trabalho, mas que iriam ser integradas, mais cedo ou mais tarde, ou poderiam vir a ocupar um lugar na divisão social do trabalho. O refugo humano é gente que não ocupou, não ocupa e não ocupará lugar nenhum na divisão social do trabalho. Isso acontece no Brasil, assim como na Ásia, na África e nos demais países da América Latina. Com a presença do terceiro mundo no primeiro mundo, também vai acontecer no primeiro mundo. O último filme do Costa Gravas, “O Corte”, trata dessa questão, só que ao nível dos executivos. Aquilo é a insegurança com o emprego, o efeito daqueles que estiveram empregados no mundo do desemprego estrutural.
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O universo fica restrito ali, configura-se um gueto. E como fazer a partir daí uma conexão com o PCC, o seqüestro do jornalista em SP?
– Esse já é um patamar diferente. Nesse aprendizado precário no interior das instituições carcerárias, vão surgindo as formas perversas do crime, a ponto de o crime ameaçar a sociedade. Na verdade, acaba sendo a forma como eles aterrorizam que os habilita a ser uma força – que não é terrorista (o terrorismo em geral obedece a propósitos de valor, ou religiosos ou políticos), mas os habilita como força perante a sociedade. Acho que ele quer aparecer na televisão para ser habilitado enquanto força a ser considerada pelas instituições carcerárias. Essa é uma ameaça terrível, pois eles se dispõem a utilizar a violência de maneira indiscriminada, impondo sacrifícios a todos os grupos e instituições. Isso é uma ameaça ao Estado de direito democrático, que precisa se defender e defender a população. Sem essa adição, a “interpretação sociológica” fica leniente com as aberrações evidentes como a morte de civis ou seqüestros de jornalistas.
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