16.11.08

o dia seguinte

Uma estranha paz, tendo em vista como eu normalmente me sinto quando atravesso o território pulsante (bouleversant) de ontem à noite (a verdade de um corpo – ou uma das verdades, pelo menos).

É difícil tentar combinar duas origens de uma mesma ação, mesclar duas linhas de causalidade, saber o peso de cada uma delas na sorte de alguém. De um lado, este gesto meu, pessoal e intransferível, de pôr, com esta mão, parte deste braço, sobra deste corpo, de pôr a roda em movimento e sabe-se lá o que ela vai arrastar com seu giro. De outro lado, aceitar o inescapável, o inelutável, o inevitável porque eu não consigo – ou não quero? – parar, este sentido trágico de se abandonar a um destino anterior, já traçado, depois de recusas reticentes – um oferecimento melancólico a algo maior que a pequena vontade individual.

Esta tranqüilidade é reconfortante. Ela diz que eu não preciso mais sofrer tanto. Ela diz que pode haver uma simplificação. Ela diz que eu posso pacificar um território em guerra (soldados mutilados, batalhas sangrentas, disputas corpo-a-corpo, catástrofes naturais, acidentes inomináveis, dívidas imperdoáveis, culpas insanáveis, bombas à espera, terrores noturnos, agentes duplos, demônios). A angústia que normalmente me vinha após qualquer invasão deste espaço, me deixando desolada ou vigilante, não me encontrou desta vez.

É preciso perceber que as incursões a este território são feitas com muito cuidado e, ao mesmo tempo, muito desastre. Elas unem prudência e auto-destruição. Trata-se de chegar muito vagarosamente à borda, à fronteira, olhar com calma, com estudo, mapear o solo, simular conseqüências – mas, no momento da ação, simplesmente se lançar, se jogar, se escorregar ladeira abaixo, esquecendo a queda (mas à espera).

No entre tempo, fora deste território em descontrole, eu decido pela auto-indulgência, pela proteção absoluta, uma dedicação a vigiar, a não fazer nada que possa me colocar em risco. Nestes períodos, o mutismo é minha língua materna e eu exijo invisibilidade, exijo manter separados os dois registros da vida, que fantasia e realidade corram paralelamente sem se tocar, uma protegida da outra.

Mas, agora, em busca de reparação, tento acreditar na possibilidade de alegres encontros entre desejo e fatalidade e não apenas angustiantes disputas.

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