No curso de extensão, Psicanálise e Literatura, a aula introdutória à psicanálise, mais associativa do que organizada, parece encantá-los. Com uma surpresa adicional, eles parecem duvidar de que é possível sistematizar todos estes assuntos do nosso cotidiano, aquilo sobre o qual não nos damos ao trabalho sequer de discutir (o sonho, o ato falho, as crenças das crianças) e ainda defender seu direito de permanecer no quadro das ciências.
A aula sobre literatura – “O que é literatura?”, usando o texto de Umberto Eco sobre as funções da literatura – provoca um inusitado silêncio. A literatura, para estes alunos do curso de letras de uma faculdade privada de uma cidade satélite de Brasília, é um objeto estranho, inanimado, imóvel, não mais que o motivo de sabe se lá quantas reprimendas – “Como? Vocês não lêem?”. Para eles, a literatura é silenciosa.
Tento falar-lhes não sobre a obrigação, mas sobre a escolha. “A literatura é um facilidade inata e uma dificuldade adquirida”, sugerem os irmãos Goncourt. Enfatizo não a facilidade porque isto acarretaria a idéia de um “dom”, de uma “questão de gosto” e de nada que se possa fazer sobre isso. Enfatizo a aquisição, aqueles que querem adquiri-la. Insisto que trata-se de uma escolha: ou nos abrimos à experiência estética ou não o fazemos.
Digo a eles: “Escolham. Escolham deixar a literatura agir. Deixem-se, sejam alvos fáceis, deixem que a literatura dê o tombo. Caiam. Aceitem a queda. A queda é movimento e o centro da experiência estética está neste deslocamento, no transporte para longe de si, para uma região nova dentro de si, nova porque até então inexistente. A literatura, nos diz Umberto Eco, nos ensina a morrer. Morrer a morte real e morrer a morte falsa. Ela ensina a não ser. Você escolhe a literatura. Ou o cinema ou a música ou a dança ou qualquer coisa. Escolhe e sustenta esta escolha, aprofunda esta escolha. Até que, desvirando posições, chega o dia em que você se percebe não mais escolhendo e sim escolhido, o dia em que a literatura lhe escolheu, lhe tomou e você, que tanto se obrigou a dizer ‘sim’, não consegue mais dizer ‘não’. ”
Eles escutam, mudos ainda. Insisto, sabendo que minha ânsia, o tanto da minha própria relação com a literatura que transparece neste discurso, é bem mais eloqüente que qualquer poder retórico.
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