12.11.08

Erotismo, cultura, sedução...

“Baudrillard propõe que a sedução representa um deslocamento na ordem positiva e orientada para um fim da sexualidade. Nessa perspectiva, seria a contrapartida da racionalidade falocrática, baseada em uma orientação objetiva e voltada para a reprodução ou para a realização do desejo.

Se a sexualidade é definida por um conteúdo físico, orgânico (em que a anatomia é o destino, na concepção freudiana), a sedução pertence à dimensão do simbólico e está sujeita à indeterminação, tendo, portanto, um caráter anárquico, libertador. Ou seja, reduzi-la a um complemento da conquista amorosa significa empobrece-la, instrumentalizando-a de acordo com as demandas do imaginário masculino, que Baudrillard atribui á estrutura materialista da cultura.

Para o filósofo, ‘a sedução é sempre mais singular e sublime que o sexo’, pois a sexualidade se caracteriza como função, ao passo que seduzir (cuja raiz etimológica se-ducere equivale a afastar ou desviar do caminho) é jogo, como em um ritual, e será conduzida pela incerteza, pela flexibilidade e pelo imprevisto. Por essa razão, Baudrillard vê na sedução ‘o poder do feminino’, não como reverso da masculinidade, mas como um modo alternativo de organização das identidades e das relações sociais, pois ‘implica tudo, e não apenas a troca dos sexos’. Afinal, ele nos lembra, historicamente a sedução é um estratagema da feminilidade.

Por outro lado, a pornografia, na acepção de Baudrillard, corresponde à ‘exacerbação realística’ do sexo, essa obsessão pelo material que está no cerne da atual sociedade do consumo e que seria exatamente o contrário da sedução, que, segundo o filósofo, transcende o primado da objetividade, a instância da mercadoria e do valor, para exercer o pleno ‘jogo com o desejo’.”

Sexo, identidades e sentidos: tramas da cultura, Vol II


O beijo da fênix, Franz von Stuck


“O erotismo pertence ao domínio daquilo que a mística entende por experiência. Tal acontecimento não pode ser conhecido racionalmente, porque excede todo conhecimento, todo discurso sob o primado do logos. A experiência erótica, portanto, via do excesso e do impossível, pertence ao reino do não-saber, esse manancial silencioso e sombrio, de onde fluem outras formas heterogêneas, como o riso, a violência, a poesia e o êxtase.

O que é experiência? É o espaço, a zona de ocorrência dos fenômenos heterogêneos que vigoram em regime de excesso. Em suma: tais fenômenos, transgressores por definição, como o erotismo e a violência, são ocorrências nas quais os princípios da lógica se mostram inoperantes. (…)

Em pleno século XVII, em uma época já tomada pelo sonho da razão, Espinosa ousou perguntar: “O que pode um corpo?”. Sabemos que um corpo pode matar e morrer (ou ser morto); pode desejar um outro, atirar-se sobre ele e voltar a si mesmo. O corpo que pensa e trabalha (mais trabalha do que pensa) de repente é então atingido pela febre do erotismo. Ele quer então exceder. Dança no ritmo dionisíaco de Zaratustra, girando convulsivamente para consumar-se no gozo do homem total. O corpo erótico dança para acasalar-se, mas também para deixar de ser contínuo e dissolver-se no outro. Tal dança é um ritornello, um devir permanente, que sempre retorna porque nunca acaba de se exceder. Se há alguma lógica no erotismo, é a da desmedida, gerada pela figura da hybris. A razão, reino do logos e da sociedade utilitária, fica assim à deriva. O erotismo arranca o homem do fundo de si mesmo e o arregimenta em uma comunidade de corpos em desespero e angústia causados pela experiência da morte. Essa é também a via do êxtase, no qual Santa Tereza de Ávila sentiu um gozo tão divino que a fez ‘morrer de não morrer’.”

Contardo Borges, “Corpos que excedem”

Um comentário:

Eduardo Ferreira disse...

excelente fontes, bom parecer entrelinhas e um desfecho realmente divino.