22.7.06

Eu amo este homem...

Zé Celso - É, espalhados pelo Brasil. Em cada lugar um nome, Euclides da Cunha, outros. Eles nos chamavam de Águias Brancas. (ri) A gente não tinha a menor idéia do que havia por trás. Mas tem aí um lado do meu amor pelo Brasil, por Villa-Lobos, por Getúlio (Vargas, ex-presidente). Pelo populismo, pelo (ex-governador Leonel) Brizola, meu amor confesso, declarado, total pelo Brizola. Todos esses pecados (ri). Eu escrevi outro dia sobre um comentário que o (colunista da Folha, Arnaldo) Jabor fez de teatro. Fui respondido oralmente. Ele disse que eu estava, como o Glauber (Rocha, cineasta) nos últimos anos dele, louco. Me fez este elogio. E de repente vem este livro que revela a intuição do Glauber. Eu gosto porque o Giba vê no Glauber uma leitura do Brasil. Tem um artista ali, mas também um Padre Vieira. Digo Glauber, mas nós fomos formados por um outro, Hélio Rocha, um grande orador que percorria o Brasil em conferências nos centros culturais. Tivemos essa mesma formação, que depois foi para a esquerda, para o Iseb. E o Glauber antevia. Na esquerda tradicional, paulista, essa que está no poder, hoje à direita, faltava um sentimento de povo novo, da especificidade desta civilização. O Glauber chegava e dizia, ''essas pessoas te odeiam''.

(...)

Folha - O irracionalismo seria um risco para a democracia.
Zé Celso - Mas foi uma democracia que mandou Sócrates tomar cicuta. Eu acho que não tem democracia nenhuma, hoje. Eu estou convidado a tomar cicuta, só que não vou, porque eu acredito que o Brasil vai... Aquele lugar da rua Jaceguai, o Oficina, é um foco de esmagamento, das secretarias de Cultura, do Ministério Público. Não é desinteresse, é rejeição explícita. Realmente o Glauber tem razão. Eles odeiam. Agora, isso tudo toca no toque. Schwarz escreveu um artigo sobre ''Roda Viva'', essa coisa do teatro da agressão, e o Anatol também, sobre ''Gracias Señor''. Em ''Gracias Señor'' eu tive a audácia de tirar os óculos e dar um passe nele, com plantas. Eu tive a generosidade de tentar vê-lo fora da figura, porque eu gostava, gosto dele. Aquele guarda-chuva, aquele professor alemão clássico... Por outro lado, fui carregado pelo (físico) Mário Schenberg. Esse sim. Na cena da morte, eu ficava sem falar, lobotomizado. Era o primeiro ano do Médici no poder. O Schenberg, já um senhor, me pôs nas costas e subiu a escadaria do Ruth Escobar até a rua. São pessoas que usam a razão, mas sabem que tem razão no toque, no corpo. E o teatro é o lugar disso.

(...)

Folha - Como era a platéia do ''Rei da Vela''? Como você compara com a sua platéia, hoje?
Zé Celso - Era diferente. Nós tínhamos ainda a platéia clássica dos sábados. De repente, no ''Rei da Vela'', um público emergiu com a gente. A peça terminava com esse público gritando histericamente. Aí tinha dias em que a platéia clássica, dos quatrocentões, jogava ovos, chamava Oswald de Andrade no peito. Foi uma reação, mas como havia esse corpo novo... Principalmente depois do Rio. A peça explodiu mesmo no Rio, junto com ''Roda Viva''.

Folha - Artaud. Quando foi que você teve contato com Artaud (dramaturgo e teórico do teatro francês. Em "O Teatro e seu Duplo" (1938), definiu sua concepção de teatro, que chamava "teatro da crueldade". Recusava a tradição ocidental, defendendo um contato violento e direto entre ator e público).
Zé Celso - Foi junto com o Oswald, porque ele imediatamente espalha o campo das mediações e acaba tocando no Artaud. Em ''Roda Viva'', do Chico (Buarque, músico), o Artaud também me veio forte. ''Roda Viva'', que era um coro, vira uma tribo faminta, um corpo sem órgãos. No comportamento coletivista, era de uma crueldade devoradora, de um apetite quase inenarrável.


site: http://www.teatrobrasileiro.com.br/entrevistas/zecelso1.htm

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