24.10.09

Ensaio de Crítica: "Disgrace", 2008


Em 2008, Steve Jacobs adaptou o livro “Desonra” (“Disgrace”), de J.M. Coetzee, para as telas, com Jonh Malkovich no papel principal. Escrevo estas linhas rápidas como reclamação impertinente de leitora, porque Malkovich me parece inadequado ao papel.

Nos livros de Coetzee (“Desonra”, “O Homem Lento”, “À Espera dos Barbaros”), os homens, protagonistas, são frágeis, ostentam uma capa de emancipação que dura pouco e Malkovich, depois de encarnar gerações de personagens perversos e sedutores (basta lembrar o Ripley, de Patricia Highsmith), não consegue mais apresentar esta fragilidade, esta hesitação. (A cena do professor Lurie diante do comitê de ética da faculdade, entretanto, até ganha bastante com a atitude ligeiramente debochada que Malkovich ostenta).

E não se trata, tampouco, de qualquer fragilidade.

É a racionalidade do branco diante da ancestralidade das tradições étnicas do negro, na África do Sul. É sua raiva desorientada de homem perante a capacidade de acomodação e reacomodação feminina. É a perplexidade do dono do país diante da falta de espanto, da aceitação do imigrante. São lógicas que lhe deixam de fora, que ele não compreende, que o isolam. Os protagonistas de Coetzee “vagam”, estão “soltos” na modernidade – sem laços familiares fortes, sem problemas de dinheiro, numa solidão bem organizada, bem vinda, desejada – e acabam por se chocar com mundos que persistem em tradições imutáveis, onde cada coisa, cada objeto, cada fato têm o seu lugar, sem admitir réplicas.

Tanto em “Desonra” quanto em “O Homem Lento”, é este o conflito apresentado: um homem, formado pelas artes (a literatura, a poesia, a fotografia), lidando com objetos etéreos, não parece ter a espessura necessária para fazer frente aos desastres da vida encarnada: a mutilação do corpo, o estupro, a violência. Sua perturbação advém de como os personagens ao seu redor, seus contrapesos, aceitam tais fatos sem espanto, este outro misteriosamente sábio (o negro, a mulher, o imigrante).

Ou talvez, eu simplesmente esteja sendo injusta com Malkovich porque ele não representa o que eu esperava, ele não coincide com a minha imagem do livro enquanto a atriz que representa sua filha, Jessica Haines, encarna exatamente o processo de implosão que eu imaginava para o personagem.

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