17.6.07

juninas

Nos quadros mais graves, há um compromisso com uma desvalorização completa de si. Eles fizeram um acordo, um voto para a morte e buscam desfazer cada um dos vínculos estabelecidos – inclusive comigo (numa supervisão, um professor me disse: “transferência não é para entender, é para suportar”). Parecem dizer, irredutíveis e orgulhosos, que há de uma porção de imbelicidade, de idiotia na saúde, quase que de covardia. É estranha – mas muito justo, eu acho – esta sensação que me abate, às vezes, de que eles é que estão certos, de que seus sintomas, travestidos por questões individuais, são denúncias cristalizadas da amplidão de nossa miséria social.

***

Acho que vejo as coisas de um lugar infantilizado – e dizer “as coisas”, manter esta indefinição, é próprio da infância. É como um filtro, as lentes, o ponto na parede onde eu escolho abrir uma janela para ver o mundo, o olho mágico – eu vejo, sem abrir a porta – que me impede de me acostumar às responsabilidades adultas (trabalho, casamento, envelhecer) mesmo que eu esteja tentando fazer esta transição de uma maneira delicada. Este olhar, assustado, discrepante, esperançoso, eu o tenho porque me sinto frágil e ele me faz super dimensionar as experiências: vejo os encontros semanais da banda como a experiência política definitiva; vejo as reuniões de condomínio como demonstrações irrefutáveis da existência da “direita” e “esquerda” e da atualidade e urgência do embate entre estas duas; me esmero ao máximo para viver minha profissão, mas me deixa levemente chocada que alguém queira, de fato, me contratar; a fantasia e a imaginação são rotas de fuga que nunca falham; o amor faz viver várias vidas numa vida só; vou ao cinema e saio de lá me perguntando se não me transformei em outra pessoa neste meio tempo, alguém que se esconde quando eu olho no espelho, que assina nosso sobrenome com outra inclinação, eu me pareço com sua mãe, ela se parece com meu pai, usa meu rosto, mas de maneira diferente, com outras intenções, penso se não chegará o dia em que desaparecemos, juntas, dentro de uma gaveta... – e no fim, concluo, exausta, que a realidade é apenas uma possibilidade literária.

5 comentários:

Débora Didonê disse...

Isso é teu? Adorei! didonesanches@hotmail.com

Ana Janaina disse...

oi, débora...

tentei deixar um recado em sua página, mas não consegui. eu queria te perguntar - uma curiosidade narcísica - como chegaste ao blog?...

um abraço,

j.

Débora Didonê disse...

Ol� Eu pesquisava sobre Maria Rita Kehl e o Google buscou um artigo publicado no teu blog. O nome "o morto" chamou minha aten�o e por isso o li. Gostei dos textos, sens�veis, intensos. Os blogs s�o interessantes quando usados para revelar nossos mais �ntimos pensares, como uma esp�cie de identidade org�nica. Assim te senti.

Ana Janaina disse...

identidade orgânica... ou tentativa de capturar subjetividades?...

abraço,

j.

Débora Didonê disse...

hummm, vejo a subjetividade como uma das mais orgânicas identidades. ou isso tudo não faz parte do teu ser (ou do teu querer ser)?