5.4.10

Mnemóbile


Amo a chuva caindo sobre Avignon, com todas as suas recordações. Há certa luxúria melancólica no sentimento de que todos partiram e de que se está completamente só. Os melhores lugares para experimentar isso são as estações ferroviárias desertas, à noite, saguões vazios de aeroportos, cafés que ficam abertos a noite inteira, na cidade.

Lawrence Durrel, "Lívia ou Enterrada Viva"

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Adoro esta expressão: luxúria melancólica, é a luxúria melancólica da saudade, das pausas, da rememoração, seja memória real ou imaginária. Como dizem os portugueses: "a alegria gostosa de ser triste". E nada estimula mais esta luxúria do que a luz branca que entra pelas janelas, filtrada pelas chuvas, refletida na vastidão do cerrado.

Estas chuvas, mais intensas antes de desaparecer e voltar apenas no final do ano, geram saudade. Saudade tanto do presente que ainda vivemos, mas que se nega, coberto pela chuva, quanto do passado não vivido.

Sentada em frente à janela, a chuva me provoca uma viagem: começo pela memória da infância, de olhar por outra janela, na casa de meus avós maternos - pela casa, ressoa os exercícios de piano de meu avô, pela casa, procuro objetos mágicos (uma caixinha com escritos dourados em alemão; uma pequena estatueta de um simpático buda; um cartão postal em francês cujo destinário não decifro). Continuo a viagem até o tempo da minha escolha, com saudade desta memória imaginada, construída através da literatura: o entre guerras para o qual Durrell sempre volta em seus livros, os anos 40 na Europa, na França, e imagino a sexualidade solene daquela época, certamente trágica, e a possibilidade de solidão real e de desaparecimento que a tecnologia matou.

2 comentários:

Aline disse...

Anda proustiana?

Ana Janaina disse...

Il pleure dans mon couer
Comme il pleure dans la ville

Verlaine