Stephen Daldry é diretor de “Billy Elliot”, de 2000, “As Horas”, de 2002 e de “O Leitor”, de 2008, mas que chegou ao Brasil neste ano. Os dois últimos são adaptações literárias – não sei se o primeiro também é.
“As Horas”, de 2002, é não apenas uma adaptação literária, mas também uma adaptação literal do livro de Michael Cunningham. O conceito de adaptação literal de uma obra a outra é incerto, mas, no momento, faz as funções que me interessam: assistir ao filme é uma passagem suave para aqueles que leram o livro.
Quando assisti ao filme “O Leitor”, algo me incomodou. Me senti como se o diretor tivesse optado por me “esconder” algo desta história: por que o protagonista se fecha tão solidamente? Por que ele decide, subitamente, se abrir? Por que há duas sobreviventes, como elas sobreviveram? Senti também como se o diretor, ao tratar o personagem de Hanna, tivesse tomado decisões, feito escolhas, em nosso nome, em nome do público, tirando do público a chance de um julgamento. Como?
Kate Winslet empresta uma potência única a qualquer personagem seu, das mulheres de Jane Austen à escritora Iris Murdoch, passando pela maluquinha de “Brilho eterno de uma mente sem lembrança”. Ela é conhecida por ser uma atriz mais “autêntica”, a menos hollywoodiana das hollywoodianas. Enfim, quando Kate Winslet é escolhida para fazer Hanna, esta potência, muito sedutora, nubla nossa visão, nubla nossa visão especialmente no momento de conhecer e reconhecer o dilema ético do personagem. No momento de julgá-la.
Hanna é apresentada como forte em seu relacionamento com o adolescente Michael, mas enfraquecida, envelhecida, simplória no momento de seu julgamento, como se sua simploriedade fosse a prova última, necessária, para que o público a julgasse inocente. Por o diretor não escolhe apresentá-la também em sua força durante o julgamento?
Eu precisava ler o livro para me libertar desta simpatia.
Precisava ler o livro porque me senti, de alguma forma, roubada. Eu precisava saber as razões que levaram o protagonista a se fechar sobre si da forma apresentada no filme e as razões para que ele, subitamente, se apresente, mostre-se. “O leitor”, o filme, padece a falta de um narrador, uma voz que se apresente.
Stephen Daldry fez escolhas que deixaram fora de sua adaptação cinematográfica questões essenciais, estruturais desta história. Stephen Daldry precisaria da voz de um narrador porque esta história é, essencialmente, a história de um esquecimento, a história de uma memória insuportável de tal forma que o sujeito se exercita no esquecimento.
Em vários momentos do livro, nos diz seu narrador (Michael): “Não me lembro mais como cumprimentei a Sra. Schmitz”; “Também não me lembro mais do que conversamos no cozinha”, “Não me lembro mais o que disse a meus pais”, “Embora não tenha nenhuma lembrança das mentiras que contei”, “Tenho na lembrança os últimos na escola e os primeiros na universidade como anos felizes. Ainda assim, mal posso falar sobre eles”, “Talvez por isso o rol de lembranças seja tão pequeno”, “Não sei mais o que ele queria revisar, confirmar ou contestar”, “Não tenho nenhuma lembrança das sessões do seminário às sextas-feiras”, “Comecei a procurar nos depósitos da memória”...
“O Leitor” é a história de um homem que não suporta a lembrança. Que vê a relação que manteve com uma mulher de 36 anos, quando ele tinha 15, com vergonha de sua fragilidade, submissão e entrega diante desta mulher e que faz tudo para esquecê-la: esquecer a mulher, esquecer que era ele este rapaz, esquecer esta relação, fazer seus atos do presente – a arrogância, o distanciamento, a clausura em si mesmo – negar o passado, contradizer o passado até que ele deixe de existir e ele pare de lembrar.
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