22.7.08

O mágico

O mágico abre a porta de sua sala e seu público entra, incerto sobre a natureza de sua magia, o transcurso de sua ação, seu objetivo e se precisam mesmo de encantamento no mundo atual. Mas, hoje, o mágico não vai realizar nenhum truque – não vai adivinhar cartas escondidas ou abrir algemas sem usar chaves ou transformar varinhas em buquês de flores multicoloridos.

Trata-se de uma nova magia que é, em seu resultado, muito simples e, em seu processo, muito complicado. Ou o contrário. O encantamento principal consiste em fazer aparecer as palavras desaparecidas, através da estabilização dos sentidos do público (uma família, um casal ou um solitário). Os ouvidos voltam a escutar, as bocas articularão tudo o que a língua lhes permitir dizer, a voz retoma seu poder de ecoar, de um a outro, retomando sua materialidade perdida.

Por isso, o mágico usa palavras mágicas, ouvidas no silêncio da credulidade. Seu desejo é apenasque o público reconheça as suas próprias palavras, acolha-as até que elas completem seu ciclo, realizem sua volta e seu retorno, embarquem na viagem do nada a alguma coisa e, desta, ao nada novamente –de volta ao silêncio.

Trata-se de um mágico que não tira coelhos da cartola ou transforma lenços coloridos em pombas brancas. Não está, tampouco, interessado em serrar mulheres assustadiças no meio. A mágica consiste em transformar os sentidos de sua audiência, em possibilitar à natureza a realização de si própria, encaminhando o fenômeno ao seu plano original: retirar os impedimentos, aquilo que evitava que as palavras tivessem o peso que realmente tem. O mágico quer retirar o público de sua surdez e mudez voluntária.

Afinal, o mágico sabe que todos também realizamos os nossos truques, que todas as palavras são encantadas, capazes de feitiços, mas que sua magia, às vezes falha. Há silêncios intocados e intocáveis para as palavras, mesmo as mais poderosas: a mudez absoluta dos mortos, o silêncio perdido que antecede o primeiro grito dos recém-nascidos, a vastidão do espaço antes de ser capturado pelo verbo – Fiat lux! – este mesmo um feitiço.

O mágico retorna quando o encantamento das palavras adormece. Quando as palavras param de realizar seus feitiços – feitiços de transfiguração, de transformação, de multiplicação, de mutação, ilusionismos sem fim. As folhas de papel nunca são apenas folhas de papel, elas se transformam em cartas não escritas, em mensagens enigmáticas e nunca se apresentam como apenas brancura indizível, não mais que celulose em rede. As paredes da casa são sempre cor, prisão, segredo, limite, rebelião, mas, nunca, um amontoado de tijolos e massa e tinta, não mais que pó. O corpo é operador de prazeres, o lar de sofrimentos, da pulsão que cria o tempo, sempre muito mais que carne sem nome, um empilhado de órgãos num trabalho ritmado.

O mágico questiona, muitas vezes, qual sua função, para que serve sua ação? Se pode receber os agradecimentos do público, que pressente sua magia, mesmo que lhe dê outros nomes (“um anjo”). Afinal, o mágico sabe que a única garantia do encantamento é que o lugar do mágico permaneça, de certa forma, vacante – por isso, seu último ato, o “grand finale” é não mais que um número de desaparecimento, o desaparecimento, sem retorno, de si.

3 comentários:

Mister Casaubon disse...

...

(silêncio da platéia diante do choque inicial com a mágica que irrompe à sua frente)

...

Clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap, clap

Mister Casaubon disse...

"O importante na obra de arte é o espanto".
Baudelaire)

Mister Casaubon disse...

(despreze o anterior com erros, e se der, apague este parênteses 0 obrigado)

"Cada grande truque de mágica consiste em três atos. O primeiro é chamado "The Pledge"; o mágico mostra algo comum, mas claro... provavelmente não o é. O segundo ato é chamado "The Turn"; o mágico faz de seu algo comum, algo incomum. Agora se você está procurando pelo segredo... você provavelmente não achará. E é por isso que existe um terceiro ato chamado "The Prestige"; essa é a parte onde estão as mudanças e reviravoltas, que estão sempre em equilíbrio, e você vê algo que o chocará de uma forma que nada jamais o fez"
(Personagem de Michael Caine no filme The Prestige)


O mais interessante para quem vê um mágico em ação é conviver com o conflito gerado por seu truque. Sim, sabemos que o mágico que escreve este blog está nos iludindo ao levitar pelo palco das letras, que os leitores nunca chegaram a correr riscos com as palavras que saíram de sua caixa mágica, que tudo não passou dum truque de ilusionismo literário muito bem arquitetado para seduzir e manter a audiência deste endereço na internet. Mas a moça dos raios azuis sempre consegue o seu objetivo, deixar os leitores imersos na fantasia, ávidos por descobrir o segredo por trás de sua mágica feita com letras e palavras. O seu truque emociona, intimida, conquista, causa estupefação.

Os mágicos experientes dizem que a regra mais valiosa para o sucesso de um truque é sempre praticá-lo muitas vezes, para que ele seja apresentado suavemente e sem vacilos ao seu público. Por isso, não deixe sua mágica sumir por muito tempo em meio a alunos, consultas, viagens, livros técnicos. Suas cartas estão na manga, sempre prontas para mais um espetáculo diante de todos que, por um breve instante, se deixam levar pela ilusão das palavras e pela busca incessante em descobrir o segredo: como ela consegue?