As histórias de amor são várias, variegadas, assim como as experiências do desejo. São também intrinsecamente inverossímeis – porque têm de comportar a surpresa; porque devem ser, como diz Wilde, no mínimo, improváveis. Seguir uma história de amor é seguir um fio de contradições e adições, de acidentes inomináveis e terríveis ou acidentes maravilhosos e inomináveis, e poder perder o chão, mesmo que bem calçado sob nossos sapatos. Seguir o desejo é transfigurar o desenho das relações, em toda a sua extensão – a amizade, a família, o trabalho – e alterá-las para nunca mais.
As experiências do desejo admitem a ambigüidade própria aos desejos, a flutuação entre as fantasias, o deslizamento entre os objetos; as histórias de amor, não. Os lutos do amor e do desejo podem ser mais rápidos ou demorados, ou não terminarem nunca – uma escolha implica sempre em algo que é deixado para trás, perdido no desvão não vivido de uma vida, num vôo não alçado, implica numa queda (queda, necessária, de si).
O meu desejo ameaça o outro e o desejo do outro me ameaça. O amor do outro pode me envolver, mas nunca pode ser o meu amor – este, eu devo tê-lo em mim. O desejo é, sempre, aquilo que ignoro de mim mesma, que me põe suscetível, desarmada, que puxa o tapete, que puxa os sapatos sob os passos e arrisca uma dança própria. Enquanto o amor é aquilo que eu construo para nós (sempre eu e mais um), o melhor de mim que eu empenho, que eu faço penhor e que espero nunca ter que resgatar.
Não há solução para o desejo. Há negociação para o amor.
O desejo pode ser a minha realidade mais perigosa, menos salvaguardada, que coloca fora das faixas de proteção, dos escudos, dos guarda-chuvas para os dias de vento e brisa. O amor pode me acolher numa realidade mais segura, porém infinitamente mais dolorosa porque mais preciosa, inestimável - uma doença da qual nunca estaremos completamente curados (mesmo quando a história de amor acaba). O desejo desafia o amor e vice-versa, numa luta de morte. Quem perde, quem ganha.
A cada encontro, a cada amor, uma nova forma de relação acontece, numa síntese química. Como nos conta Saramago, em toda relação, há três pessoas: eu, você e um terceiro - pessoa formada por nós dois, pelo nosso encontro, por porções nossas reunidas (nem sempre as porções que escolhemos). Será esta nova pessoa, surgida unicamente deste amor, tão mortal quanto este amor, capaz de ser original? Honesta? Dulcíssima ou dolorosa? Rígida, rigososa?...
Mas pelo desejo do outro eu não decido, não disponho sobre o que é dele, não luto por ele suas batalhas, cada um deve se responsabilizar por si -
deve se lançar nas sendas de seu desejo e se perder,
fazer as mais altas apostas e perder,
guardar bem guardado e perder,
até ser capaz de olhar no horizonte e deixar perder
- o desejo é sempre excessivo, inconveniente, mal-educado e boca suja.
A questão: o que é uma história autêntica de amor, uma autêntica experiência de desejo? Será, simplesmente, render-se a esquemas antigos e anteriores, que suprimem as ameaças e também o conhecimento de si? Será um buscar aflito e aflitivo pelo novo, outro trator? Ou será um misto de resignação e coragem, por assim dizer? Eu me sujeito aos meus limites e às minhas dores, à minha capacidade de prazer; me rendo, sabendo, entretanto, o quão é doloroso e árduo é querer estar assim tão próximo de si.
3 comentários:
Wow...
Por onde andava a sua poesia?
estava me faltando inspiração...
É, o serviço público vai ganhar futuramente uma operadora de enorme capacidade intelectual (e eu tenho certeza que vai ganhar), mas o futuro da ARTE vai se empobrecer com a sua ausência.
(ou: não deixe a sua genialidade enjaulada por trás dos livros de cursinho)
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